RESUMOS DAS DISCIPLINAS CEDERJ ( 3 )

1 - HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO 2
2 - AlFABETIZAÇÃO 1
3 - CURRÍCULO
4 - GEOGRAFIA 2
5 - ALFABETIZAÇÃO 2
6 - PRÁTICAS EDUCATIVAS EM CONTEXTOS NÃO ESCOLARES
7 - CORPO E MOVIMENTO

Resumo Hist 2 – aula 1 - Civilização e cultura - Ricardo Mariella

Ensinar, mais do que passar conteúdos e informações, é apresentar possibilidades de compreensão do mundo. Quando você ensina algo ao seu aluno, mais do que este algo, ele está aprendendo a lidar com uma novidade. Ele é impelido a interagir mentalmente com elementos dos quais ignorava a existência ou a lógica. A História é uma janela para o mundo. Ela nos permite conhecer múltiplas formas de vida social e nos ajuda a identificar, em nossos comportamentos atuais, traços que são oriundos de outras épocas e outros lugares. Com ela, “viajando” por ela, é mais fácil abrir os olhos para o desconhecido e sensibilizar a inteligência para a compreensão das diferenças que compõem a vivência social. “Viajar” pela História pode torná-lo mais tolerante e, portanto, mais capaz de compreender que o mundo é, e sempre foi, formado por uma quantidade muito grande de experiências sociais.

Quando falamos de História do Ocidente, estamos nos referindo àquilo que foi escrito pelos historiadores. Civilização e cultura são, como conceitos, dois importantes instrumentos de análise da História.

Civilizar-se é tornar-se cível, ou seja: aquele que vive na cidade e compartilha de suas regras. A palavra cidadania também é um desenvolvimento desse mesmo radical. Portanto, podemos concluir que civilizar-se é uma maneira de participar da vida social das cidades, observando as suas regras e desfrutando dos seus benefícios. A palavra civilização, então, indica sociedades que atingiram alto grau de sociabilização e de desenvolvimento.
Quando falamos de cultura, raramente levamos em conta o trabalho na terra, a agricultura. Porém, é importante partir daí, pois este foi o sentido original da palavra. Cultura da vinha, cultura do trigo são apenas alguns dos exemplos. Assim, podemos dizer que a nossa sobrevivência está intimamente ligada a um esforço de criação e reprodução.

Transforme a idéia de terra em indivíduo e você terá uma interessante compreensão sobre as pessoas bem informadas e com escolarização. Elas são cultas, porque foram cultivadas. Receberam tratamento especial. Foram alimentadas e estimuladas a pensar e a gerar frutos. Você, professor, é um agricultor. Cuida para que seus alunos cresçam e floresçam, assim como o homem do campo se dedica ao crescimento das suas culturas agrícolas. É desta analogia que vem a nossa insistente utilização do adjetivo “culto” para caracterizar pessoas bem informadas e instruídas. Cultivo do espírito. Por extensão, cultura torna-se o que de material e espiritual é produzido por um grupo social. Assim, nossos hábitos sociais, as músicas, as religiões, as construções, a língua etc. formam a cultura de uma sociedade. Como você leu na definição do Aurélio, cultura é o conjunto de características humanas que não são inatas; portanto, não nasceram com o homem, mas foram por ele criadas, desenvolvidas e transformadas na própria comunicação social.
O conceito de civilização, para o historiador, pressupõe ao menos três premissas.

A primeira está diretamente ligada ao movimento: é preciso haver transformação para que um povo atinja a civilização. A experiência histórica, com as conseqüentes transformações que ela provoca, acarreta uma série de mudanças que tendem para o melhor – melhor no sentido de superior. Um povo que povo não domina a técnica de fabricação de utensílios de metal encontra-se num grau de desenvolvimento inferior
quando comparado a um povo que domina essa técnica.

Isso nos leva à segunda premissa: a civilização implica hierarquia. Há nações superiores e outras inferiores. Há aquelas que devem e podem dominar o mundo, assim como há aquelas que devem ser dominadas, para que possam aprender, com as primeiras, os segredos e os caminhos do desenvolvimento. Esta premissa esteve na base de justificativa dos movimentos de colonização. Na verdade, a hierarquia define-se em função do aprimoramento técnico e intelectual que as sociedades apresentam num dado momento da sua história.

A terceira premissa está relacionada a um olhar geral: o conceito de civilização minimiza as diferenças. Ele está mais preocupado em perceber o que há de comum entre os povos do que em salientar a importância de compreender as diferenças entre eles.

Para os historiadores e outros cientistas sociais, cultura é um conceito muito abrangente e que também apresenta algumas premissas.
Pode-se dizer que cultura é tudo aquilo que foi transformado pelo homem.
A segunda premissa de cultura está relacionada ao particular: é o conceito que dá atenção especial às diferenças, à identidade particular dos grupos. A cultura é um produto de determinada vivência social. Assim, num mesmo país, você encontra vários grupos culturais distintos.
A terceira premissa que vamos destacar no conceito de cultura é a não-hierarquização. Uma cultura é uma cultura, e basta! Ela não precisa ser comparada ou confrontada com outras para merecer tal designação. A conseqüência salutar desta premissa está no fato de que todas as manifestações culturais são legítimas em si e, por isso, podem informar sobre os grupos que as praticam, além de dispensarem a idéia de desenvolvimento e de hierarquia.

Civilização ou cultura? Esta é uma pergunta que pode receber respostas conflitantes. É preciso, antes de tudo, definir quais objetivos norteiam o trabalho de pesquisa e de ensino. Se você pretende falar para os seus alunos da condição de trabalho no Império Romano, é justo utilizar-se do conceito de civilização, pois você estará criando um panorama, com aquilo que foi comum a todos os trabalhadores do império. Mas se você pretende estudar e ensinar aos seus alunos a respeito dos grupos que primeiramente aceitaram e adotaram o cristianismo como religião, você estará tratando de cultura, pois pretende destacar uma determinada experiência social.

Concluindo, o historiador trabalha com conceitos. Eles são os seus instrumentos de análise. Os conceitos de civilização e cultura abrem possibilidades diferentes para compreensão e explicação das experiências históricas.

O primeiro exige uma leitura mais abrangente, enfatizando o que há de comum entre os grupos sociais. O segundo possibilita a observação circunstanciada das experiências sociais, destacando as diferenças.


Resumo Hist 2 - aula 2 - Civilização e cultura 2 – Ana Maria santiago

Se, por um lado, a idéia de cultura apresenta um significado mais amplo, por outro, a idéia de civilização retrata um conjunto específico da criação cultural do homem em coletividade. Dessa forma, podemos dizer que nossos ancestrais hominídeos já produziam cultura, mas só podemos pensar em civilização alguns séculos antes de 3000 a.C., quando importantes transformações ocorreram em algumas sociedades da Mesopotâmia e do Egito.

O conceito de civilização como elemento de superioridade cultural desenvolveu-se a partir do século XIX, em um momento em que se fazia necessário justificar o domínio da cultura européia ocidental sobre diversas culturas. Assim, civilização ganhou o sentido de cultura melhor, superior, junto com a idéia do direito de civilizar o mundo à imagem e à semelhança dos europeus; portanto, com o ideal de criar um mundo culturalmente homogêneo, ocidental.

Os PCN propõem eixos temáticos como norteadores do ensino de História nas séries iniciais. No primeiro ciclo, o eixo é a História local e a História do cotidiano. Os PCN priorizam para esse eixo alguns conteúdos, a saber: levantamento de diferenças e semelhanças individuais e sociais entre os componentes da turma; identificação de transformações e permanências dos costumes das famílias dos alunos e nas instituições escolares; levantamento de diferenças e semelhanças entre pessoas e os grupos sociais que convivem na coletividade; identificação das transformações e permanências nas vivências culturais da coletividade; identificação do grupo indígena da região e estudo do seu modo de vida; identificação de semelhanças e diferenças entre o modo de vida da localidade e da cultura indígena que ali predominou.

No segundo ciclo, a História das Organizações Populacionais é o eixo temático proposto. Também nesse período, destacamos alguns conteúdos a serem priorizados: levantamento de diferenças e semelhanças das ascendências e descendências entre os membros da comunidade local; contextualização e identificação dos processos de deslocamento de população (imigração e migração), no passado e no presente; identificação de diferentes tipos de organizações urbanas; caracterização do espaço urbano local e sua relação com outras localidades urbanas e rurais.

O PRIMEIRO CICLO
O primeiro passo é buscar as informações entre os próprios alunos e envolvê-los com a pesquisa do tema proposto. Tendo como ponto de partida o universo do aluno, podemos trabalhar a comparação entre grupos sociais contemporâneos e de outras épocas.
As Histórias local e do cotidiano permitem a percepção das diversidades de forma lúdica. Coleções sobre as histórias do cotidiano podem ser a base do estudo para o professor (exemplo: História da Vida Privada). Existe hoje uma boa variedade de paradidáticos que abordam o cotidiano.

O SEGUNDO CICLO
Embora não seja impossível trabalhar o conceito de civilização na proposta de eixo temático e conteúdos sugeridos pelos PCN para o primeiro ciclo, vamos dar ênfase na sua abordagem no segundo ciclo.

Podemos começar destacando a importância das migrações e da urbanização na História. Os homens sempre buscaram condições de sobrevivência melhores. Isso está associado à longa tradição de migrações ao longo da sua História. Identificar as demandas de qualidade de vida que incentivaram grupos a se deslocarem no espaço ao longo dos séculos é importante. Se os primeiros hominídeos nômades caminhavam constantemente em busca de suprimentos alimentares, ainda nos dias atuais milhares de seres humanos fogem da fome, das guerras, dos desastres naturais ou buscam melhores empregos para, no fundo, garantirem a mesma coisa: a sobrevivência. Todo processo de mobilização populacional, portanto, evidencia um momento histórico específico.

A comparação entre a vida urbana e a rural é um primeiro passo possível para iniciar o trabalho. Há sempre presente na vida rural um certo grau de auto-suficiência, inexistente na cidade. A família campesina produz os bens necessários para a sua sobrevivência. Quanto mais no tempo voltamos, mais essa autonomia fica evidente. Nesse ponto, o trabalho é buscar entre os alunos as informações sobre necessidades básicas para que um coletivo de homens viva no contexto urbano. Assim, podem ser formuladas questões como: O que se precisa ter? Em que se pode trabalhar?

Civilização é o processo cultural que se caracteriza pela organização das sociedades em cidades e por meio do Estado. Essas premissas básicas se associam ao surgimento da escrita, do trabalho especializado e da desigualdade social.

Dado o trecho extraído do verbete “cultura”, extraído da Enciclopédia Mirador,

A diferença fundamental entre cultura e natura só se realiza com a participação direta do homem, agindo sobre a natura, enquanto esta existe independente da ação humana.

Justifique a afirmativa apresentando exemplos

A ação do trabalho humano é transformadora da Natureza, resultando na cultura. Assim, a árvore trabalhada pelo homem vira papel, mesa, cadeira. Uma queda-d´água pode se tornar uma hidrelétrica. O raio pode ser entendido como a manifestação da fúria de um deus. O sol pode se transformar em divindade etc



Resumo - Hist 2 - aula 3 - Antigüidade clássica Gregos e Romanos
Luiz Cláudio Deulefeu

Nós, os ocidentais, compartilhamos, sejamos anglo-saxões, latinos ou germanos, uma herança que, anterior à formação da cristandade, nos arrasta aos pensamentos, às instituições, às filosofias, à política, à democracia, à arte, dentre outros fatores, das chamadas civilizações clássicas.
Atenas foi a cidade-estado (pólis) por excelência, seu desenvolvimento histórico e sua cultura favoreceram o surgimento de várias atividades que colocaram em destaque o espírito de pertencer ao quadro dos cidadãos. Os atenienses inventaram o conceito de cidadania que hoje para nós é tão importante.

Ainda nos dias atuais perseguimos esses ideais envolvidos na construção da cidadania, pois, assim como a Revolução Francesa, o Renascimento e outros momentos históricos marcantes, a Grécia Clássica também contribuiu para a formação do aprimoramento dos ideais que tentam tornar a humanidade mais esclarecida.
Entre os séculos VIII a.C. e o século V a.C., a Grécia, em particular a cidade de Atenas passou por transformações políticas, econômicas, sociais e culturais que proporcionaram o nascimento do Ocidente.
No plano das instituições políticas ocorreu um progressivo questionamento sobre o poder da aristocracia que, dona das terras, tudo decidia por meio da lei oral e dos conselhos, nos quais somente os nobres podiam comparecer. No século V a.C. a situação havia mudado, o que possibilitou a maior participação de comerciantes, artesãos e camponeses nos processos decisórios que constituíram a democracia. As leis passaram a ser escritas, permitindo reflexões e menos injustiças, pois, antes, os nobres tinham sempre razão.

A cultura grega do final do século VI antes de Cristo e do início do século V a.C. começou a ser permeada pela influência de SOFISTAS (professores de oratória e retórica) e de filósofos que, questionando as verdades tradicionais da religião, prepararam o advento da ciência ocidental, buscando a verdade na Natureza e na própria sociedade. Assim nasceram importantes áreas do saber ocidental (Física, Biologia, Direito, Pedagogia, História, Geografia, dentre outras).
O mundo cultural ateniense tinha como seus espetáculos mais importantes os encontros públicos, nos quais os cidadãos se reuniam para discutir assuntos políticos, administrativos e jurídicos, dentre outros.
Durante a passagem da Grécia Arcaica para a Clássica, a habilidade oral que antes era prerrogativa dos poetas, dos sacerdotes, nobres, e que era impregnada de um poder mágico-religioso, converteu-se em uma habilidade técnica passível de ser ensinada e transmitida a quem quer que fosse capaz de aprendê-la. Nasciam a Pedagogia e a Filosofia: ciências que buscavam as verdades do Homem no próprio mundo humano e não somente nas explicações religiosas. A linguagem sofreu um processo de laicização; isto é, explicar e convencer usando argumentos racionais.

Os romanos nos legaram importantes instituições políticas e administrativas. Os conflitos sociais da sociedade romana e a gestão do Estado romano são lições que nos auxiliam a compreender o nosso tempo.



Resumo hist 2 - aula 4 - A antiguidade clássica: gregos e romanos 2
Ana Maria Santiago

Não é possível trabalharmos na perspectiva do PCN sem termos conhecimentos básicos sobre a civilização greco-romana.... somos herdeiros dessa civilização.

IDENTIDADE E CIDADANIA
Um bom exemplo inicial é a questão da identidade. Na atualidade costumamos relacionar a identidade cultural com a nacionalidade. Sabemos, entretanto, que o conceito de NAÇÃO, nessa acepção, é recente.

NAÇÃO
Palavra de origem latina, o substantivo nação (natio) significa, originalmente, “parto de uma ninhada”. Por extensão, passou a designar aqueles que nascem da mesma mãe, em um mesmo tempo e, posteriormente, aqueles nascidos em um mesmo lugar. Na Idade Média, a Igreja romana passou a utilizar o termo nações (nationes) para identificar os pagãos e distingui-los do “povo de Deus”. O termo nação identificava, apenas, um grupo de descendência comum, enquanto o termo povo referia-se a um grupo de indivíduos organizados institucionalmente. Agora você entenderá porque os judeus eram conhecidos como “homens da nação”, em Portugal; e também, por que o termo foi usado para nomear sociedades indígenas e africanas. A partir da década de 1830, o vocábulo nação foi vinculado a uma sociedade organizada, a partir de princípios comuns (língua, religião etc.), em um Estado; e identificada por certos limites geográficos.

A identidade é complexa porque resulta de uma rede ampla de relações do indivíduo com a sua comunidade, o ambiente e outras sociedades.

É importante para o aluno perceber que intensos processos de movimentação de populações estão presentes em toda a História da Humanidade; assim como, identificar motivações comuns e específicas para cada um desses processos. Claro que todo grande processo de movimentação voluntária de população esteve associado à busca de melhores condições de vida, mas outros fatores específicos também podem ser destacados, tais como mudanças climáticas, aumento populacional, fuga da instabilidade política, interesses comerciais etc.

O conhecimento significativo só se constrói quando somos capazes de fazer transferências, produzir inferências e estabelecer conclusões autônomas, o que não é possível com informações estanques.



Resumo Hist 2 - aula 5 - Idade Média: o nascimento do Ocidente
Ricardo Mariella

Como esses dez séculos de história são comumente divididos pelos historiadores:
• Alta Idade Média, que se inicia com a queda do Império Romano e vai até o século VIII.
• Idade Média Central vai do século IX ao XI.
• Baixa Idade Média, que se estende do século XII ao XV.
Há outras periodizações. Alguns historiadores costumam dividir cada um dos períodos citados em outros, levando em consideração aspectos específicos, tais como economia, religiosidade, demografia, política.

No ano 476 da nossa era, o chefe germânico Odoacro tomou de assalto a capital do Império Romano, destitui o jovem Rômulo Augusto e enviou a Constantinopla as insígnias imperiais. Esta data marcou, na cronologia histórica, o fim do Império Romano do Ocidente e o nascimento da Idade Média. A mesma data e o mesmo evento assinalaram o encerramento de uma fase da História e o início de outra: a Idade Média nasceu dos escombros do Império Romano; construiu-se com os seus restos, alimentou-se de suas ruínas. Durante muito tempo, os homens da Idade Média e da Antigüidade romana viveram uma longa transição. Já não eram romanos, mas também ainda não eram medievais.

BÁRBAROS
Os romanos consideravam bárbaros todos os povos que viviam fora de suas fronteiras e não falavam a sua língua – o latim –, e não compartilhavam de seus princípios culturais e organizavam-se social e politicamente de forma diferente. Como toda civilização apresenta um forte componente de egocentricidade, os bárbaros eram os “outros”, e foram depreciados nos seus costumes. O Império Romano foi ameaçado, e depois invadido, por várias nações, que falavam línguas diferentes entre si, mas os romanos chamaram a todos de bárbaros.

A Idade Média teve um começo difícil. Uma era de medo e incertezas. De guerras e doenças. De ferro e fogo. Odoacro, o chefe bárbaro que invadiu a Cidade Eterna retirando-lhe o título de capital do Império, era apenas um dentre os chefes de inúmeras nações germânicas que tentavam fixar morada em alguma província do vasto e poderoso Império Romano. E a maneira de conquistar uma parcela de terra no interior do Império era invadir. Por isto este período ficou conhecido na História como invasão dos povos bárbaros.

Os pobres estão despojados, as viúvas gemem e os órfãos são pisados a pés, a tal ponto que muitos, incluindo gente de bom nascimento e que recebeu educação superior, se refugiam junto dos inimigos. Para não perecer à perseguição pública, vão procurar entre os Bárbaros a humanidade dos Romanos, pois não podem suportar mais, entre os Romanos, a desumanidade dos Bárbaros (SALVIANO apud LE GOFF, 2002, p. 36).

O texto que você acabou de ler, de autoria de Salviano, que viveu as agonias da decadência do Império Romano, reflete a insegurança dos homens diante da crescente barbarização do mundo.

O texto de Salviano sintetiza a transição da Antiguidade para Idade Média na medida em que reflete o desmoronamento da ordem imperial e o estabelecimento do caos provocado pelas invasões e pelo recuo das instituições encarregadas de manter a ordem e a justiça.

Os povos germânicos, que compunham grande parte dos chamados bárbaros, não conheciam a cidade, a escrita, nem padrões políticos fixos. Eles se organizavam em tribos, que eram guiadas por chefes guerreiros. Tiravam seu sustento da criação de animais e do butim de guerra, que era dividido entre os combatentes. O valor máximo atribuído aos homens livres era o de guerreiro. Trabalhar a terra, pastorear o gado, erguer muros eram atividades desconhecidas ou negligenciadas. Quando as conheciam, deixavam-nas aos escravos. Em oposição, no Império Romano, as cidades representavam o centro da vida cívica e, embora a elite também deixasse aos escravos e subalternos as atividades produtivas, a sociedade romana conhecia a escrita e organizava as suas tradições e leis em corpus jurídicos, além de ter uma organização política determinada por lei.

Os bárbaros não queriam destruir o Império Romano, queriam, sim, desfrutar daquele estilo de vida. Embora resistissem culturalmente a adotar sem restrições os traços da civilização romana, eles absorveram muitos de seus princípios. Dentre eles, devemos destacar os da organização jurídica e burocrática. E foi da mescla de suas tradições com as apreendidas dos romanos que surgiram os reinos germânicos.

Havia ainda o problema religioso. Os germanos eram pagãos na época das invasões. No decorrer do século V, muitos se converteram ao cristianismo, porém adotaram um cristianismo considerado herético – o arianismo –, que fora condenado pelo papado. Como a Igreja também crescia em poder e influência, foi se chocar com os germanos arianos. O único povo que se converteu diretamente ao cristianismo romano foi o dos francos. Aliados do papa, no século VIII, esse povo se tornou o mais poderoso dentre todos, sendo considerado o braço armado da Igreja. Deste casamento nasceu um novo império.

No Natal de 800, Carlos Magno foi coroado e sagrado imperador pelo papa Leão III. Veja que dissemos “coroado e sagrado”. Ele recebeu a coroa das mãos de um papa, que com o seu poder espiritual fez dele um imperador sacro. Este ritual repetiu-se inúmeras vezes ao longo da Idade Média, representando uma proximidade entre política e religião, que nem sempre foi vivida de forma pacífica e equilibrada. O novo imperador assumiu, então, funções guerreiras e administrativas de suma importância.

Vários reinos caíram sob a sua espada e foram anexados aos domínios carolíngios e papais. Ampliar posses era fundamental, pois a força da economia vinha da terra. E administrá-la bem era urgente e necessário, à medida que os recursos essenciais do Império eram extraídos dos seus vastos domínios fundiários. Em uma época na qual escrita e leitura eram habilidades raras, Carlos Magno criou escolas importantes. Educou religiosos e leigos e criou um corpo de funcionários capacitados a gerir os complexos negócios imperiais. Os saberes desenvolvidos nestes centros de estudo ecoaram, a ponto de esse momento histórico ser chamado por alguns historiadores de Renascimento carolíngio.

O imperador deixou instruções claras de como deveriam ser administrados os seus domínios, esforçando-se por controlar suas posses e os rendimentos de seus bens móveis e imóveis. A terra serviu aos carolíngios como recurso para alavancar os seus poderes, sendo distribuída em troca da fidelidade e serviços. Porém, conforme eram distribuídas, escapavam do controle central, criando uma realidade de tal forma fragmentária, que com o passar do tempo, não seria mais possível pensar em unidade imperial no campo prático – o que ficou demonstrado no século X, com a nova onda de invasões sofrida pela Europa. A incapacidade de conter as ondas de agressão provocadas pela chegada dos magiares e dos vikings expôs a fragilidade deste Império. Durante esse episódio, a defesa foi, na realidade, efetuada pelos vários senhores locais. O poder ganhava uma dimensão local e ultrapassava as funções imperiais. Era o começo do Feudalismo.

É importante destacar mais uma característica do poder imperial. Foi graças a Carlos
Magno que o papado tornou-se um estado rico, poderoso e detentor de terras. Além de desempenhar com esmero e vitalidade as funções de imperador, Carlos tomou para si a função de proteger a cristandade, sentindo-se no direito de intervir diretamente nas questões religiosas. Tal fato criou, podemos dizer, uma confusão dos domínios temporal e espiritual. Depois da sagração, os carolíngios se consideravam verdadeiros sacerdotes, encarregados também da saúde espiritual do povo cristão. Nesse sentido, passavam a encarar bispos e padres como se fossem seus condes e vassalos. Ordenavam executar ordens e assinar documentos relativos às questões especificamente religiosas. A partir do século XI, esse comportamento se tornou um problema e deu origem a sérios e violentos conflitos entre o papado e o Império.

O FEUDALISMO
Relação feudal pressupõe a presença do feudo intermediando um contato, um acordo, enfim, uma relação. E feudalismo indica um sistema sociopolítico regulado pelas relações feudais.É algo que se empenha para selar uma relação. Pode ser uma porção de terra, mas não só. Pode ser também uma ponte, uma quantidade de dinheiro, um cargo. Por exemplo: um determinado senhor tem dentro dos seus domínios uma ponte que cobre um rio. Ela está numa rota de comércio importante. O senhor pode dar a um vassalo a ponte como feudo, possibilitando que ele ganhe dinheiro ao cobrar pedágio pela passagem da mesma. Em troca, o vassalo deve ao senhor obediência, conselhos e apoio na guerra. Está instaurada uma relação feudal, que sempre supõe um senhor e um vassalo. Um doa algo que possibilita ao outro sobreviver e servi-lo. Essas relações foram comuns na Idade Média, mas elas, por si, não fundam um sistema sociopolítico.

É importante que se saiba um pouco da representação que os homens na Idade Média faziam do mundo social em que viviam. Para eles, a sociedade estava dividida em três ordens: “o gênero humano estava, desde a sua origem, dividido em três: as gentes da oração, os cultivadores e as gentes da guerra” (ALDABERON DE LEON apud GEOGES DUBY. As três ordens ou o imaginário do feudalismo, p. 25). Para os pensadores medievais, e talvez para a grande maioria dos que viveram este longo período da história, os homens estavam divididos em três funções. Uns tinham de guerrear e proteger os que trabalhavam e os que rezavam. Outros tinham de rezar pelos que trabalhavam e por aqueles que lutavam. Muitos, ainda, deveriam trabalhar para alimentar os que lutavam e os que rezavam. Esse era o mundo perfeito, equilibrado. Esta representação deixa claro que os agentes sociais entendiam-se como partes de um conjunto harmônico; sustentado pelos laços de dependência, laços estes que são realizados nas relações feudo-vassálicas.

O Feudalismo ocorre quando, além das relações acima explicadas, o poder encontra-se descentralizado e distribuído nessas mesmas relações. Assim, no Feudalismo, um senhor, além de possuir terras, era também detentor do direito de administrar a justiça e de executar leis. Ele passa a representar o poder supremo. Podia haver um rei, mas o senhor governava na sua propriedade, assumindo poderes normalmente atribuídos ao Estado.

FEUDALISMO. No sentido exato do termo: vínculos feudo-vassálicos. Conjunto de instituições que criam obrigações de obediência e de serviço por parte de um homem livre, dito vassalo, e obrigações de proteção e manutenção por parte do senhor para com o seu vassalo. Em troca da sua fidelidade, o vassalo recebia do seu senhor a posse
hereditária de um feudo (LE GOFF, 2002, p. 296, v. 2).

Completando o texto de Le Goff, é um regime político, que outorga ao senhor poderes normalmente atribuídos ao Estado.

Uma ampla gama de fatores interagiram na transformação da paisagem medieval. A construção de novos e potentes edifícios foi apenas um dos sinais exteriores do desenvolvimento experimentado pela cristandade. E tudo começa com a terra. A terra foi a fonte mais importante de riqueza e de poder da Idade Média.

Os trabalhadores entravam em ação e transformavam os espaços incultos em terrenos produtivos. Para auxiliá-los na árdua tarefa de abrir novos campos, entrou em cena a utilização do cavalo e uma nova maneira de explorar as forças animais: ao invés de atrelar o arado ao pescoço dos animais de tiro, que explorava pouco as suas forças além de sufocá-los, passou-se a atrelá-los pelo peito, o que aumentando a capacidade de carga e a resistência. Assim, cada vez mais, os animais de tiro foram utilizados de forma adequada e contribuiram imensamente para o aumento da produção.

Somou-se, ainda, a esse considerável avanço, a nova maneira de dividir o campo. Geralmente os terrenos devotados ao plantio eram divididos em dois. Em uma metade plantava-se, enquanto a outra descansava. A partir do século XI, vulgarizou-se a divisão dos terrenos em três partes, prática que veio a se chamar agricultura trienal. Uma parte descansava e duas produziam. Essa nova abordagem do solo provocou um aumento, em média, de um terço na produção. E tem mais! Além da nova tração animal e da divisão do solo, os camponeses passaram a plantar leguminosas (favas, feijões) nas partes dos terrenos que descansavam, pois elas ajudavam na recuperação do solo. A conseqüência deste ato foi fantástica, pois houve nitidamente uma alteração na dieta dos medievais. Eles passaram a ingerir mais ferro, o que fortalece principalmente as mulheres que necessitam desse mineral mais do que os homens, porque menstruam e amamentam. Mulheres mais fortes e saudáveis, crianças mais fortes e saudáveis! Ou seja, muito do crescimento demográfico deste período deveu-se, diretamente, a uma baixa de mortalidade, tanto infantil quanto feminina.
A paz também exerceu um importante papel neste quadro de desenvolvimento. Desde o século X, as invasões pararam de atormentar, destruir e assustar as populações. A Igreja fez a sua parte. Estabeleceu regras para a guerra e para as disputas, que não poderiam mais ocorrer todos os dias, mas deveriam seguir um calendário. A este disciplinamento deu-se o nome de Paz de Deus. Vale lembrar que os conflitos na Idade
Média central eram encontros entre cavaleiros. Em geral, eles não envolviam grandes exércitos, e sim alguns combatentes. A guerra, no feudalismo, tornou-se uma atividade de guerreiros especializados. E o objetivo não era matar o inimigo, era capturá-lo e cobrar resgate de seus vassalos: menos mortes.
Com o cessar das invasões e um certo controle sobre os combates, as estradas tornaram-se um pouco mais seguras e os comerciantes ousaram levar cada vez mais longe as suas mercadorias. E, com o crescimento da produção nos campos, houve excedentes a comercializar. Dessa maneira, o comércio viveu um recrudescimento notável a partir do século XI.

As cidades. São nelas que se ergueram as catedrais, além das casas de pedra dos burgueses. Elas cresceram rapidamente. Eram entroncamentos de vastas redes comerciais. Nelas reviveram as profissões, que agora se organizavam em corporações e criavam novas regras de convívio, escapando dos grilhões feudais. Nas cidades respira-se a liberdade, dizia um ditado alemão. O servo que nela permanecesse por um tempo e não fosse reclamado por seu senhor, tornava-se livre cidadão. As cidades compraram dos senhores laicos e eclesiásticos o direito de autogestão. E nelas nasceram as universidades, que começaram como escolas paroquiais e ganharam novas dimensão e atribuição. O intelectual é uma criação medieval, uma criação da cidade especificamente. Por mais que as universidades estivessem sob a tutela de um príncipe ou da Igreja, elas reclamavam por liberdade de pensamento e de criação.
O título do docente era por ela, e somente por ela, expedido. E para conquistá-lo era necessário, como hoje, submeter-se às suas regras e bancas avaliadoras.
Outro fenômeno relacionado a essa etapa de desenvolvimento foram as cruzadas. Elas representaram um movimento poderoso de fé e de necessidade de terra.

Os séculos XIV e XV foram marcados por guerras, fomes, pestes, insurreições, desvalorizações monetárias e queda na produção. A Idade Média caminhava para seu fim, ostentando um quadro de penúria e degradação. Deste quadro, emergirá mais tarde a Idade Moderna, inaugurada pelo brilho do Renascimento.
Mas nada se comparou aos estragos provocados pela peste negra, uma doença transmitida pela pulga do rato, que devastou um terço da população européia. Em poucos anos ela varreu do mapa milhares de indivíduos. Não escolhia idade nem classe social. A sua ferocidade deixou marcas profundas na sensibilidade medieval. Segundo os cronistas da época, ela causava tantas vítimas, que os corpos empilhavam-se nas
portas das casas. Os cemitérios não conseguiam abrigar tantos cadáveres, os quais, largados por toda parte, deixavam um cheiro de podridão e morte no ar. Não havia caixão para todos, e tornou-se comum colocar num mesmo féretro dois, três corpos. Os pais não tinham tempo de chorar seus filhos. Todos tentavam escapar, mas não sabiam para onde ir. A peste é uma síntese da crise medieval. Segundo as fontes e cronistas da época, ela chegou à Europa em navios genoveses. Mercadores da importante cidade de Gênova foram sitiados pelos tártaros num posto de comércio na Criméia, mas resistiram ao cerco. Como a peste abateu parte do exército tártaro, antes da retirada, os comandantes ordenaram que fossem lançados cadáveres contaminados por meio de enormes catapultas. Os comerciantes voltaram para a sua cidade, mas traziam consigo a contagiosa doença, que encontrou uma população debilitada e ignorante em relação às suas formas de contágio. Segundo alguns demógrafos, o nível populacional da Europa só foi restabelecido no final do século XVI.

No campo religioso, a situação também era bastante tensa. A unidade cristã experimentava fortes golpes: as heresias ganhavam corpo, os poderes papais e imperiais entravam em conflito pela supremacia, e a população buscava saída para as suas angústias espirituais na heterodoxia. Era a crise da cristandade e, ao mesmo tempo, o anúncio de uma nova era.

Pode-se dizer que foi uma época marcada por avanços e recuos no campo da paz, da produção, das doenças e da política. Uma época de muitos conflitos, mas que teve a força de definir o que seria o Ocidente. Hoje, quando olhamos para o mapa da Europa, deparamo-nos com vários países que estavam sendo gestados na Idade Média. Quando pensamos no cristianismo e em sua enorme força, podemos observar o seu crescimento e estabelecimento como religião soberana na Europa medieval.

As universidades nasceram de exigências e conflitos tipicamente medievais. Importa aqui ressaltar que neste período, chamado por muitos Idade das Trevas, forjaram muitas das instituições que até hoje caracterizam a História do Ocidente.

O período compreendido entre o desmoronamento do Império Romano e o final da Idade Média é um capítulo complexo da História do Ocidente. Foi marcado pela oscilação entre centralização e descentralização do poder e pela variação no estatuto do trabalhador e sua relação com a terra. O poder estava diretamente ligado à posse de terra; os cavaleiros formavam uma elite especializada no mando e na guerra, e a Igreja crescia auxiliada por imperadores. Foi pontuada, ainda, por oscilações de fome e pela cruel decadência que se abateu depois de um período de prosperidade e exploração agressiva da Natureza.



Resumo hist 2- aula 6 - A Idade Média: o nascimento do Ocidente 2
Ana Maria Santiago

O começo da Idade Média foi um período durante o qual foram lançadas sementes políticas e sociais. Em pouco mais de seis séculos os invasores criaram uma sociedade nova e viva que substituiu uma sociedade decadente, e transformou o mundo ocidental num aglomerado de principados independentes voltados para o mar do Norte e o Atlântico. A esta nova ordem social chamamos feudalismo (SIMONS, 1980, p. 11-20).

O texto selecionado nos impõe algumas reflexões iniciais! A primeira é que, ao contrário da imagem de trevas e retrocesso propagada por muitos séculos, a Idade Média foi um período de intensas transformações e criação para as sociedades européias.
Uma segunda reflexão é que, como já observamos em outras aulas, o confronto entre culturas distintas sempre promove processos de troca e mudança. Nesse sentido, os invasores – germanos –, considerados “bárbaros” pelos romanos, com suas diversas culturas, contribuíram decisivamente para a criação dessa dita “nova ordem social”.
Uma terceira reflexão é que a consideração da existência de uma “nova ordem social” – o feudalismo – impõe a busca de elementos comuns num conjunto muito diverso de relações socioeconômicas desenvolvidas entre o século V e XIV, na Europa. Assim, organiza-se o conhecimento, mas não se pode perder de vista que essa percepção global, generalizante, não dá conta das especificidades que existiram. Poderíamos, talvez, falar em “feu¬dalismos” para termos uma dimensão mais correta da “nova ordem social” que se estabeleceu.
Por fim, seria bom lembrarmos que o termo Idade Média nos remete a um tempo específico – séculos V e XIV – do processo histórico europeu. A utiliza¬ção da expressão em outros contextos históricos e cronológicos é, portanto, perigosa e desaconselhável no âmbito do Ensino Básico.

A servidão e a escravidão
A servidão e a escravidão são formas de trabalho compulsórias, recorrentes em vários momentos da história da Humanidade, pautadas na exploração e na dominação, que pressupõem a legitimação da desigualdade social.
Entre as obrigações servis podemos destacar: a corvéia (trabalho gratuito nas terras do senhor em alguns dias da semana); a talha (porcentagem da produção das tenências – lotes cultivados pelo servo e sua família); a banalidade (tributo cobrado pelo uso de instrumentos ou bens do senhor. Ex: uso do forno, do moinho etc.); captação (imposto pago por cada membro da família servil); mão-morta (tributo cobrado na transferência da tenência de um servo falecido para seus herdeiros); formariage (taxa cobrada quando o camponês casava).

A referência nas séries iniciais do Ensino Fundamental ao chamado Período Colonial da História do Brasil pode trazer à discussão esses conceitos. Os alunos tendem – a partir da perspectiva contemporânea de relações de trabalho assalariado – a ver servidão e escravidão como sinônimos. Ao professor cabe desde cedo zelar pela percepção, cada vez mais profunda, das diferenças entre essas duas relações de trabalho.
A servidão e a vassalagem
Uma outra confusão conceitual encontrada em materiais didáticos é a da servidão com a vassalagem.
Ambas as relações geram interdependências entre as partes envol- vidas, mas em universos diversos. As relações servis são essencialmente relações de trabalho entre desiguais no âmbito da sociedade; enquanto as relações feudo-vassálicas são relações políticas estabelecidas entre pares, entre pessoas pertencentes aos segmentos privilegiados da socie- dade (nobres e clérigos). Suseranos e vassalos compartilhavam do mesmo ideal de vida: o de cavalheiro. Estavam unidos por um compromisso de apoio mútuo para a manutenção do status quo. Esse compromisso se consolidava através da concessão de terras (feudo) pelo suserano a um nobre guerreiro com- panheiro de batalhas (vassalo). Em troca do benefício (feudo), o vassalo devia fi delidade, conselho, apoio militar e outras obrigações. As relações feudo-vassálicas eram a base, portanto, de uma aliança político-militar que podia se desmembrar em vários níveis, já que os vassalos de uns poderiam ser suseranos de outros. Formava-se uma rede de relações que se articulava de acordo com as alianças estabelecidas nos momentos de confl ito.

RELIGIÃO E PODER
Deus criou o mundo, pôs no firmamento dois grandes astros para iluminar: o Sol que preside ao dia, e a Lua que preside à noite. Do mesmo modo, no firmamento da Igreja universal instituiu Ele duas dignidades: o Papado, que reina sobre as almas, e a Realeza, que domina os corpos. Mas o primeiro é superior à segunda.

Incrível, não? Mais extraordinário ainda é se levarmos em conta que se trata de um pronunciamento do Papa Inocêncio III (1198-1216)!
A Igreja Romana foi, após a decadência do Império Romano, a única instituição reconhecida no Ocidente europeu. Atuou de forma marcante no processo de aculturação que então se desenvolveu, especialmente através da cristianização das tribos germânicas que se fixaram na Europa ocidental.

De fato, o pronunciamento do Papa Inocêncio III chama atenção para o papel que a instituição desempenhou na legitimação do poder político constituído, por meio dos novos reinos que sucederam ao poder Imperial de Roma. No cerimonial de coroação dos reis, por exemplo, havia um espaço reservado para receber as bênçãos das autoridades religiosas.

A íntima relação entre poder religioso e político implicou, também, uma complexa rede de relações feudo-vassálicas, na qual tanto nobres quanto dignitários religiosos trocavam feudos e fidelidade, estabelecendo uma profunda aliança de interesses. Por outro lado, as funções de liderança dentro da Igreja foram crescentemente ocupadas por membros da própria nobreza.

Identifique uma situação do mundo contemporâneo na qual a religiosidade vem sendo utilizada como argumento de convencimento de ações políticas e, até mesmo, de ações violentas.
No contexto das relações internacionais contemporâneas evidenciamos que tanto o discurso norte-americano quanto islâmico radical evocam uma missão sagrada e a uma guerra santa.

No contexto das séries iniciais do Ensino Fundamental, a história da Europa entre os séculos V e XIV – Idade Média – não se configura como conteúdo específico a ser trabalhado, mas algumas referências, direta ou indiretamente a esse período, podem ser necessárias.
Duas preocupações iniciais são fundamentais. A primeira se refere à especificidade existente entre o conceito de servidão e escravidão. A segunda trata da diferenciação entre o significado da servidão e da vassalagem. A correta aplicação dos conceitos na elaboração de exemplos e comparações deve ser uma preocupação do docente, pois propiciará a elaboração posterior, sem conflito, dos conceitos centrais mencionados.
Problematizar a associação explícita da religiosidade com o poder político e econômico no medievo é o ponto de partida para o estabeleci¬mento de comparações úteis à formação do cidadão contemporâneo.
O monopólio da terra, exercido no período por segmentos restritos da sociedade, apresenta-se como possibilidade de reflexão sobre a exclusão social, a partir do impedimento de usufruto da natureza e do resultado do trabalho humano.

(...) nos primeiros anos da Era Cristã, a atividade sexual foi julgada com severidade crescente. (...), o elo matrimonial foi fortalecido; as relações sexuais só eram permitidas no casamento. A sexualidade e o casamento tornaram-se uma coisa só. (...) à proporção que o prazer carnal se tornou suspeito, o casamento também passou a ser questionado e o celibato foi mais valorizado. O casamento era tratado como uma concessão aos que não conseguiam se conter, uma permissão para a satisfação da luxúria ou do prazer aqueles que os consideravam indispensáveis. A preferência pelo celibato e a abstinência em detrimento do casamento já tinham sido esboçadas pelo estoicismo e atingiu a plenitude no ideal cristão da virgindade (RANKE-HEINEMANN, 1996, p. 22-3).

O texto evidencia que certos valores que estão presentes na formação dos homens e mulheres ocidentais, notadamente cristãos, como a virgindade, a valorização do celibato, a legitimidade do sexo apenas no casamento, têm suas matrizes históricas na Idade Média. Nesse sentido, o estudo do passado tem como meta sempre a compreensão do presente.

Embora a História da Idade Média não seja conteúdo explícito das séries iniciais do Ensino Fundamental, o domínio dos conceitos de servidão, escravidão e vassalagem e as reflexões sobre o papel da Igreja e do monopólio da terra são pontos destacados para o estabelecimento de relações profícuas para o amadurecimento do aprendizado do aluno.



Resumo Hist 2 aula 7 História Moderna: a reinvenção do homem
Ricardo Mariella

O RENASCIMENTO
Não há nenhum emissário especial andando pelas ruas e anunciando: Senhores, nós vivemos o começo de um novo tempo. Geralmente, são os historiadores que olham para o passado e definem que determinados períodos marcam uma nova etapa na história da humanidade. E ocorreu o mesmo com o Renascimento. Foi apenas no século XIX, que as experiências vividas nas grandes e ricas cidades italianas, no campo do pensamento, da política e das artes, foram isoladas como um fenômeno histórico independente. eles acreditavam ser fundamental recuperar os valores políticos, éticos e estéticos da Antigüidade Clássica. O modelo de renovação seguido foi buscado na Antigüidade.
O Renascimento é marcado, em primeiro lugar, por um grande esforço no sentido de se conhecer melhor a História, a Filosofia, a Arquitetura, a Retórica, a Poesia, dentre outras áreas de saber da Antigüidade Clássica. Alguns estudiosos foram verdadeiros caçadores de documentos antigos. E algumas bibliotecas importantes nasceram de coleções privadas; nasceram do empenho de pessoas apaixonadas pelo conhecimento, que não pouparam esforços para recolher, organizar, analisar e interpretar qualquer fragmento que pudesse esclarecer um pouco mais a Antigüidade.
Um bom exemplo deste empenho pode ser retirado da vida de Niccolo Niccoli (1364–1437). Ele foi um dos mais apaixonados bibliófilos de Florença à época do Renascimento. Para tornar-se um profundo conhecedor de manuscritos antigos, gastava imensas somas de dinheiro e vivia endividado. Sua casa estava sempre aberta àqueles que desejassem consultar as peças de sua rara e grande coleção. Quando morreu, sua biblioteca contava com mais de 800 volumes, um número bastante impressionante para a época, pois os manuscritos custavam muito caro. Antes de morrer, Niccoli expressou o desejo de que seus livros e manuscritos estivessem à disposição de outros estudiosos e amantes da Antigüidade. Cosme de Médice, o rico e poderoso Senhor de Florença, um mecenas e também apaixonado pelos saberes antigos, tomou para si a responsabilidade de realizar a vontade do amigo. Pagou as muitas dívidas deixadas por ele e doou toda a coleção à Biblioteca do Mosteiro de São Marcos, com a condição de que permanecesse acessível aos interessados. E assim nasceu a primeira biblioteca pública da Europa depois da Antigüidade.

HUMANISMO
Para alguns uma filosofia, para outros um conjunto de idéias e posturas não-sistematizadas, para todos a valorização plena do homem como ser racional e senhor dos seus passos.
O foco do Humanismo estava, antes de tudo, no homem. Uma abordagem do mundo que coloca o homem no centro dos interesses, no centro do Universo.
O Humanismo valorizava a indagação. Era importante perguntar, a partir da observação, como funcionavam os fenômenos naturais, o corpo humano, a vida dos
animais, os costumes de outros povos, a estrutura do Universo. Na Idade Média, o conhecimento era fruto de constantes releituras de autoridades intelectuais que haviam comentado a Bíblia. O conhecimento era encarado como revelação, ao passo que, no Humanismo ele passou a ser encarado como investigação.
Embora os humanistas não tenham sido teocêntricos, isso não quer dizer que eles tenham sido ateus. Colocar o homem no centro das atenções não é o mesmo que negar a existência de Deus. A diferença está no fato de que Deus, para os humanistas, estava na Natureza e na razão. O conhecimento deveria buscar as glórias do criador nas suas obras. E a grande obra do criador é a Natureza. Para bem conhecê-la, é preciso usar a razão e não apenas a tradição. É preciso investigar e formular novas explicações e não apenas repetir o que foi dito por outros pensadores.
A inquietação, a empatia e a versatilidade foram valores que os humanistas cultuaram, e com os quais ajudaram a construir uma nova Era, o período Moderno da História do Ocidente.
Essa visão do mundo, que brota dos pensadores humanistas e serviu de alimento para todo o Renascimento, vai se desdobrar na chamada revolução científica.
Uma das figuras mais importantes da revolução científica do século XVII foi René Descartes, que viveu na França entre 1596 e 1650. Ele escreveu um livro muito importante sobre as mudanças na concepção de ciência. Chama-se Discurso sobre o método, onde se encontra uma frase muito famosa que você deve conhecer: “penso, logo existo”. Pensar, acima de tudo, seria a garantia de existência. Apenas do pensamento racional poder-se-ia arrancar as certezas sobre a vida e a Natureza.

ESTADO MODERNO
Os reis passaram a dispor de um corpo armado à sua disposição. Eles se tornavam mais
poderosos do que os senhores e passavam a controlar a violência. Burocracia. Assim como ocorreu nos casos dos impostos e do exército, a burocracia se fortaleceu à medida que o rei necessitava, com o aumento do seu poder e de suas atribuições, de um corpo administrativo mais eficiente. Era preciso ter uma capital, a partir da qual seria administrado todo o reino. E esta administração deveria ser exercida por funcionários treinados e competentes que dessem conta das crescentes exigências do Estado Moderno. Ela precisava organizar a documentação e centralizar as ordenações reais. Junto com a burocracia, desenvolveu-se enormemente a justiça. Não aquela justiça executada pelos senhores no interior de seus domínios, seguindo os seus critérios, mas uma justiça que almejava cobrir todo o reino, independentemente das tradições locais e das vontades de poderosos proprietários. Uma justiça que emanasse do rei, o único soberano, que estava acima de todos os outros homens.

ABSOLUTISMO
Um soberano que esteja acima de todos os homens. Um escolhido por Deus para comandar a nação, portador do direito natural de promulgar leis e executá-las sem estar sujeito a nenhuma delas. O rei torna-se, então, o representante do poder de toda
a nobreza. Ele deveria controlar todos os acontecimentos do reino e nada poderia ocorrer sem a sua autorização.
Nicolau Maquiavel (1469-1527), autor de O príncipe, um importante tratado sobre como deveria se comportar um príncipe para manter a ordem e a soberania em seu território, afirmava que o governante poderia fazer qualquer coisa para alcançar o seu intento, inclusive lançar mão da violência e da traição. É dele a frase: “Os fins justificam os meios”. Já o cardeal francês Jacques Bossuet (1627-1704) defendia a idéia de que o rei era o representante de Deus na Terra, justificando que todos deveriam obedecê-lo sem levantar oposição às suas atitudes e idéias.

MERCANTILISMO
O Mercantilismo estava baseado num conjunto de procedimentos: a acumulação de metais preciosos, a balança comercial favorável e a industrialização.
A teoria econômica mercantilista acreditava que a riqueza não aumentava, ela apenas mudava de lugar. Baseados nesse princípio, os reis e seus ministros investiam no controle alfandegário e na taxação de produtos importados. Eles objetivavam desestimular as importações para evitar a saída de moedas do país, numa tentativa constante de manter a balança comercial favorável e elevar os estoques de ouro e prata.
Pretendiam, também, com a alta taxação de mercadorias importadas, estimular a produção interna. Toda nação que se pretendia rica e poderosa deveria buscar mercados consumidores para os seus produtos e fornecedores de matérias-primas baratas. Por isso, a colonização foi tão importante para o Mercantilismo.

NAVEGAÇÕES
As colônias fazem parte do mundo moderno tanto quanto do Mercantilismo. Para as nações que se formavam no alvorecer do período Moderno, para além do horizonte de terras e mares conhecidos, erguiam-se infindáveis paisagens. O mundo se ampliava. Regiões nem mesmo supostas emergiam do total desconhecido. Um mundo novo era
descoberto e construído pelos europeus.
A primeira grande façanha dos europeus foi a abertura dos mares. A descoberta dos caminhos que levavam à Ásia e à Costa Oriental da África foi dos portugueses, seguida de perto por outras nações européias. A segunda façanha foi a colonização. A transformação do continente América em um substrato do mercantilismo variou da simples pilhagem à colonização sistemática de territórios gigantescos.
Com os descobrimentos, os homens pela primeira vez a real dimensão do planeta e de suas espécies. O comércio diminuiu as diferenças entre povos, fazendo com que culturas que se desconheciam passassem a conviver, dando o traço definitivo do período ao qual denominamos História Moderna.

A teoria mercantilista apregoava a necessidade de manter a balança comercial favorável por meio da exportação de produtos manufaturados e da conquista de colônias, a sua atividade foi bem desenvolvida.

REFORMAS RELIGIOSAS
A Europa medieval foi cristã e viveu sob a autoridade de uma única Igreja, a Católica. Alguns grupos se organizavam em torno de um pregador que interpretava a Bíblia de maneira discordante do credo romano. Eles eram perseguidos e calados, pois a igreja era considerada infalível e a grande responsável pela unidade européia.
A devoção moderna, uma maneira mais individualista e subjetiva de lidar com Deus e com Cristo, esteve na base das transformações da época e não foi alvo de perseguição.
No interior da própria Igreja, muitos de seus membros demonstravam descontentamento com a situação da instituição.
Reconheciam que alguns padres não eram suficientemente instruídos para o desempenho das funções sacerdotais; que a venda de indulgências carecia de critérios rígidos; que o luxo exacerbado era incompatível com a mensagem de Cristo e que a população estava carente de uma orientação espiritual mais adequada. Porém, o descontentamento era negociado e pequenas e sutis mudanças eram efetuadas aqui e acolá.

É nesse contexto que emergiu o discurso e a postura mais enfática de Martinho Lutero, um estudante de Direito que resolveu abandonar a vida mundana para melhor compreender as inquietações espirituais que atravessavam o seu coração, ingressando num convento agostiniano. Inquietações que não eram exclusivamente suas, mas marcaram a vida de milhares de fiéis, seus contemporâneos, preocupados com a salvação da alma. Então, com 22 anos, a despeito dos protestos de seu pai e da falta de apoio geral, Lutero retirou-se da vida mundana. Não foi com a intenção de promover uma reforma que ele adotou o hábito de monge.
Mas à medida estudava e refletia sobre a sua condição e o estado geral da Igreja, a suas inquietações cresciam e ele não conseguia encontrar alívio nem paz nos caminhos que lhe eram oferecidos. Por mais que se esmerasse nas práticas religiosas e observasse a ortodoxia, as respostas que tanto buscava escapavam-lhe. Estudou muito. Tornou-se doutor em teologia e professor. Ao começar a lecionar, as suas interpretações começaram a ganhar força, notoriedade e a incomodar aos mais
ortodoxos. Entre os pontos importantes de suas lições, que se tornaram a base de suas doutrinas, estava a infalibilidade somente da Bíblia, a idéia do sacerdócio universal e a tese de que a salvação se conquista pela fé e não pelos atos.

Lutero foi advertido de que a sua conduta e as suas interpretações eram incompatíveis com a ortodoxia e foi convidado a mudar o tom e o teor de suas lições, ao que respondeu com recusas sucessivas. A situação foi se agravando a atingiu o ápice no ano de 1517, quando publicou as suas 95 teses, provocando tremendo incômodo em Roma. Em 1520, 41 das 95 teses foram consideradas heréticas. Lutero reagiu queimando publicamente o documento que condenava suas idéias. Em 1521 foi excomungado.
O resultado foi a criação de novas igrejas, agora orientadas por outras interpretações da Bíblia. Aliás, a Bíblia teve um lugar de destaque nas discussões reformistas, pois Lutero defendia que os fiéis deveriam ter livre acesso, como única e verdadeira fonte da verdade divina. Um de seus trabalhos mais notáveis foi a tradução da Bíblia para o alemão, uma maneira de torná-la acessível aos que não sabiam latim. É importante lembrar que a invenção da imprensa por Gutenberg, um gigantesco passo para a divulgação do conhecimento na era Moderna, foi de fundamental importância para o sucesso da Reforma. Antes só era possível ler em manuscritos caríssimos. Depois do advento da imprensa, os livros tornaram-se mais baratos e foram produzidos em escala industrial, popularizando o seu uso.

A reação católica veio com o Concílio de Trento numa resposta vigorosa aos protestantes. A Igreja católica afirmava a sua discordância em relação ao credo luterano e calvinista, acentuava a moralização do clero, ampliava os poderes da Inquisição e tomava a frente no processo de colonização. Criou uma ordem que seria a expressão máxima, no campo religioso, dos novos tempos: os jesuítas. Foram eles os principais religiosos da colonização. Adentraram as matas virgens, aprenderam as línguas desconhecidas, assumiram a hercúlea tarefa de catequizar povos
que desconheciam completamente o Deus dos cristãos, submeteram as suas forças humanas e teológicas às necessidades de uma instituição combalida.
A História Moderna, entre outras novidades, oferece ao mundo uma Igreja dividida e paisagens desconhecidas. O seu desfecho foi marcado pela ascensão do discurso democrático, que fluiu sob o emblema de liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução Francesa.

Concluindo, um período de profundas transformações, que presenciou o Renascimento, a formação dos Estados Modernos, a expansão marítima e a criação do novo mundo. A História Moderna foi o palco de conquistas espetaculares. Pela primeira vez na história, o homem adquiriu a noção de como era o planeta, colocando cara a cara povos que se desconheciam. Foi um período também conturbado, no qual as lutas religiosas, provocadas pela Reforma protestante, crivaram de inimizades a unidade da Europa; no qual os Estados emergentes se defrontaram em sangrentas batalhas pelo controle de rotas comerciais e colônias espalhadas pelos continentes recém descobertos. Um período que termina com uma das mais espetaculares revoluções que o mundo já presenciou, a Revolução Francesa, que tentou jogar por terra as diferenças entre os homens, estabelecendo o critério de igualdade perante a lei.

A história Moderna começa com a queda de Constantinopla (1453), a capital oriental do Império Romano e vai até a Revolução Francesa (1789). Durante estes três séculos, a Europa assistiu ao desfile de fenômenos grandiosos na História do Homem. O Renascimento, o Humanismo, as Grandes Navegações, a Revolução Científica e o Iluminismo são eventos históricos que marcaram a invenção de um homem cada vez mais ligada e consciente de suas capacidades de construir e reinventar o planeta e as formas de convívio.



Resumo Hist 2 aula 8 História Moderna: a reinvenção do homem 2
Ana Maria Santiago

O período moderno foi um momento em que o homem adquiriu autoconfiança na sua capacidade criadora, um momento em que o Humanismo confrontou o teocentrismo medieval e predominou sobre ele.
Profundas mudanças na organização política, econômica e social foram se processando ao longo dos séculos XV, XVI e XVII. Paralelamente, ocorreram significativas transformações nos costumes, nas crenças e nas manifestações artísticas européias.
Expansão marítima e comercial; formação dos Estados modernos; estruturação do Absolutismo; conquista e colonização da América, África e Ásia; reformas religiosas; arte renascentista e barroca e Humanismo foram processos e manifestações históricas que demarcaram a chamada Era Moderna da História européia.

CONQUISTA E COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA E ÁFRICA
A navegação oceânica propiciou o acesso direto dos europeus a regiões conhecidas (África e Ásia) e desconhecidas (América) até o século XV. Esse acesso permitiu o contato com diferentes culturas, intensificou as relações comerciais e produziu mudanças profundas nas áreas contatadas.
Uma primeira questão que pode ser mencionada é a incompreensão européia em relação às culturas que encontrava. Predominou um desejo civilizatório e cristianizador entre os europeus, que se viram como agentes de uma sociedade mais evoluída, portanto, predestinada a levar padrões e valores de vida mais desenvolvidos àqueles pagãos e infiéis. Claro que esse era o sentimento do europeu colonizador, não do colonizado.

O COMÉRCIO DE ESCRAVOS AFRICANOS
Embora a escravidão fosse conhecida na África antes do processo de expansão islâmica, e de o comércio de escravos ter crescido com o domínio islâmico do norte do continente através das ROTAS TRANSAARIANAS (através do deserto do Saara), foi com o estabelecimento do comércio atlântico, a partir da expansão marítima européia, que houve uma progressão geométrica da migração forçada de africanos.
O tráfico de escravos africanos foi responsável pela maior transferência populacional, fruto da migração forçada, da histórica da humanidade.

Até o século XV, os cativos africanos eram absorvidos pelo mundo islâmico e encaminhados também para a Europa, mas a escravidão era uma característica marginal das sociedades que a praticavam.

No contexto africano
A organização das sociedades africanas tinha por base a etnia e o parentesco. O sistema produtivo de linhagem, também chamado doméstico, baseava-se em distinções estabelecidas por faixa etária e sexo. Os mais velhos controlavam o acesso a terra e às mulheres – principais trabalhadores agrícolas. Nesse contexto, os escravos eram dependentes e ampliavam o coletivo mobilizado pelos mais velhos. Desempenhavam as mesmas funções que os demais membros da linhagem: trabalhavam nos campos, caçavam, defendiam as cidades contra agressores e participavam de cerimônias religiosas. O escravo podia, ao longo do tempo, ser incorporado à linhagem, especialmente se fosse mulher.

Dentre outras formas de dependência dos escravos estava o penhor de indivíduos — os membros das categorias etárias secundárias, as esposas e as concubinas — como garantia de dívidas.

No contexto africano, várias circunstâncias podiam tornar um homem livre escravo: a guerra, o seqüestro, a compra, a expulsão de sua comunidade como punição por crimes graves cometidos, o pagamento ou a garantia de dívidas e a fome.

Leia atentamente o texto de Mattos e Grinberg (2003), que ressalta essa característica da escravidão africana antes da chegada dos europeus.

Ao ser inserido em uma linhagem, o escravo “adotado” era tido como “filho” do senhor, embora não fosse considerado filho de verdade. Dependendo do tipo de relação que estabelecesse com seu senhor, o escravo até podia ser bem tratado, chegando mesmo a ter alguma possibilidade de mobilidade social (p. 33).

A característica predominante da escravidão nas sociedades africanas pré-coloniais era, portanto, o seu caráter doméstico ou de linhagem, cuja base estava na relação extremamente pessoal entre senhor e escravo.

É muito importante a percepção, no processo educativo, de que certas instituições – como a escravidão – foram reinventadas pelos colonizadores na África, na América e na Ásia. Essa consciência evidencia a complexidade dos processos de dominação. A escravidão existia antes da expansão marítima européia, mas foi reestruturada em novas bases, de acordo com os interesses coloniais, mudando seu sentido e sua inserção socioeconômica.

O escravo era basicamente um dependente do senhor; até podia servir de mercadoria, podendo ser trocado ou vendido, até podia exercer funções produtivas – podia trabalhar como agricultor, mineiro, carregador, artesão –, mas, em essência, era uma fonte de prestígio social e poder político para seu senhor (MATTOS; GRINBERG, 2003, p. 33).

Identifique a principal diferença entre a escravidão desenvolvida na África pré-colonial e a praticada na América.
A escravidão na América era o centro da atividade produtiva. O escravo era adquirido como mão-de-obra para desempenho das mais diversas atividades econômicas, destacando-se a sua inserção na agricultura de exportação. A possibilidade de mobilidade social era ínfima. A relação senhor/escravo de completa submissão da “mercadoria” ao seu proprietário.

No contexto islâmico
Os Estados islâmicos do norte da África incorporaram a longa tradição de escravidão, interpretando-a de acordo com sua religião. Nesse sentido, os primeiros cativos foram produzidos pelas próprias guerras de expansão, tidas como santas. A escravidão era uma espécie de aprendizado religioso para os pagãos, um instrumento de conversão ao islamismo.
O escravo não precisava ser necessariamente negro, mas ser pagão. Diante do impedimento de escravização dos islâmicos, a demanda crescente por cativos passou a ser atendida pelas regiões de fronteira. Nesse contexto, a África subsaariana, negra, tornou-se a principal fornecedora de escravos para o mundo islâmico, através de reinos como os de Gana, Mali, Songai, Bornu e Senar.

Assim como no contexto das sociedades africanas, as mulheres e crianças eram preferidas aos homens. As guerras locais, as condenações por crime, os seqüestros, a escravidão por dívida eram a fonte básica de produção de cativos, que eram utilizados em funções domésticas, administrativas e militares. Cabe lembrar sua utilização como concubinas e eunucos.
Diferentemente das sociedades subsaarianas, ocasionalmente eram empregados na produção (minas de sal, agricultura em larga escala e artesanato).

No contexto africano, os motivos pelos quais a tradição legitimava a escravização eram variados (guerra, penhor, fome, dívida, crimes etc.). Cabe notar que a visão divulgada de que os africanos escravizavam seus “irmãos” não leva em conta que na maioria dos casos a escravização era fruto da guerra entre inimigos tradicionais, entre os quais não havia sentimento de identidade/ igualdade. No contexto europeu, a justificativa de caráter religioso e civilizatório esteve bastante presente. Não podemos esquecer do papel evangelizador da expansão, especialmente após as Reformas Protestantes e a Contra-Reforma. Por outro lado, o padrão cultural europeu era tomado como referência, devendo ser ensinado para a recuperação das sociedades que viviam em desordem, caos e descrença

No contexto da expansão européia
O tráfico de escravos africanos tornou-se indispensável para o colonizador europeu, em função da ausência de mão-de-obra substitutiva nessas regiões e da lucratividade que proporcionava aos europeus.
É interessante observar que o europeu se interessava pelo cativo de baixa procura no contexto africano e islâmico: o homem. Nesse sentido, a demanda externa não afetou a dinâmica do tráfico interno, complementando-o de certa forma.
Diversas regiões foram progressivamente se integrando e se destacando no atendimento crescente da demanda por cativos: Senegâmbia, Costa do Ouro (litoral do golfo da Guiné), Costa dos Escravos (golfo de Benim), baía de Biafra e, por fim, Congo-Angola.

Nesse processo de integração e desenvolvimento do tráfico foram se destacando certos entrepostos como São Jorge da Mina, São João Batista de Ajudá, São Tomé, Loango, Mpinda, São Paulo de Luanda e Benguela.
Marca registrada da presença européia na África, essas cidades portuárias, geralmente fortificadas, evidenciam a não-ocupação sistemática do território (colonização) e a opção pelo estabelecimento de alianças com as lideranças locais.
De fato, a África só seria efetivamente ocupada por europeus em um processo colonizador no século XIX.

Com o crescimento da demanda por escravos, alguns desses reinos promoveram processos de expansão territorial intimamente ligados à busca por prisioneiros. Crescentemente, o tráfico se interiorizou, buscando cada vez mais longe os cativos que o comércio atlântico demandava.

A economia local perdia sua autonomia. Voltava-se para atender aos interesses externos. No século XIX, essa situação agravou-se com a instalação de grandes propriedades produtoras de gêneros de exportação, utilizando, inclusive, mão-de-obra escrava. De certa forma, podemos dizer que as ondas de fome que assolam a África, constantemente presentes no noticiário internacional, são fruto da interferência desastrosa do homem. A fome não mais está presente por limitações ou catástrofes naturais, mas em função da desarticulação da economia voltada para o abastecimento, para a subsistência das sociedades africanas.

Urge, em uma sociedade na qual o racismo está latente e que tem suas raízes históricas ligadas à África, que se promova o resgate da história das sociedades africanas. Só com o conhecimento dessa trajetória, que une África e América pelo tráfico, pela escravidão e pela colonização, será possível chegar a uma reflexão madura sobre a identidade brasileira.

Resumo História na Educação 2 aula 13 O Império brasileiro (1822-1889) – Ricardo mariella

o Brasil do século XIX foi a época de D. João VI, de D. Pedro I, de D. Pedro II e da Princesa Isabel, das fofocas e bailes da Corte, mas também foi a época da independência do país, do uso em larga escala do trabalho escravo e de sua abolição. Foi a época em que as primeiras instituições brasileiras foram criadas, as cidades cresceram, a eletricidade chegou às ruas e a fotografia foi inventada. Mas também foi o século do crescimento das grandes propriedades rurais, do trabalho forçado, das torturas e castigos para aqueles que se negavam a fazê-lo.
Antes de começar, porém, é importante que você saiba como esse período é comumente dividido pelos historiadores:
• Primeiro Reinado (1822-1831): da Independência à Abdicação de D. Pedro I.
• Regência (1831-1840): da Abdicação de D. Pedro I à Maioridade (posse) de D. Pedro II.
• Segundo Reinado (1840-1889): da Maioridade de D. Pedro II à proclamação da República.
É possível fazer outras periodizações. Levando-se em conta os marcos políticos do século XIX. Outra possibilidade, por exemplo, seria demarcar o período de acordo com as mudanças na economia, na cultura etc.

Nossa história tem início com a vinda da Corte portuguesa de Lisboa para o Rio de Janeiro, em 1808. Esse acontecimento foi único na história dos impérios coloniais europeus. Imagine a situação: a família real e toda a sua bagagem – baús com roupas, malas, obras de arte, obje¬tos de museus, as jóias da Coroa, todo o dinheiro do Tesouro, a Biblioteca Real com mais de 60 mil livros, cavalos, bois, vacas, porcos e galinhas – e mais dez mil pessoas, todas embarcadas às pressas, em um dia de chuva, pouco antes de as tropas de Napoleão invadirem Portugal.

Napoleão e o Bloqueio Continental
Napoleão Bonaparte, imperador francês desde 1804, para conseguir colocar em prática seus planos de dominar toda a Europa, precisava vencer a supremacia inglesa. Para isso, decretou o Bloqueio Continen¬tal, fechando todos os portos de todos os países europeus ao comércio inglês. Como aliado do governo inglês, Portugal não aderiu ao decreto francês. Por isso foi invadido pelas tropas francesas; daí a fuga da Corte portuguesa para o Brasil

A vinda da família real provocou mudanças profundas no co¬tidiano brasileiro, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, agora transformada em Corte e sede do Império Português. Seus habitantes passaram a conviver com vários estrangeiros, entre viajantes e artistas que chegavam em várias missões culturais; ganharam hábitos refinados e passaram a se vestir e a se comportar como os europeus que aqui che¬gavam. O Rio de Janeiro mudou muito. A família real e os súditos por¬tugueses se adaptaram tão bem ao Brasil que, mesmo depois da derrota de Napoleão na Europa, em 1814 – que possibilitou às monarquias por ele depostas reassumirem seus tronos –, a maioria não quis voltar para lá. Foi então que, em 1815, a capital do Império Português, que ainda era Lisboa, mudou-se para o Rio de Janeiro, que passou então a ser sede do Reino Unido (Portugal, Algarves e Brasil). Se esta medida atendeu aos interesses dos habitantes do Brasil, provocou grandes insatisfações entre aqueles que haviam permanecido em Portugal. Imaginem só a situação: primeiro, eles assistiram à fuga da família real, que os deixou abandonados às tropas de Napoleão; depois, ao invés de retornarem assim que podiam, não só continuaram na colônia brasileira, como ainda resolveram definitivamente mudar a sede do governo!
Alguns anos depois, em 1821, estas insatisfações tornaram-se maiores. Os portugueses pretendiam que o Brasil voltasse a se subor¬dinar a Portugal. A pressão foi tão forte que D. João VI voltou para lá. Mas, ao mesmo tempo, a idéia da independência começou a ganhar força, com a recusa do príncipe-regente, que mais tarde seria aclamado D. Pedro I, em retornar a Portugal. Apesar de a independência não ter sido aceita por todas as províncias, onde militares e comerciantes por¬tugueses não gostavam da idéia, a independência acabou proclamada no dia 7 de setembro de 1822.

De nada adianta a independência de um país se os outros não o reconhecem como tal. A independência do Brasil foi imediatamente reconhecida pelos Estados Unidos e pelas nações sul-americanas, todas recém-independentes. A Inglaterra reconheceu a independência ao conseguir que Portugal também o fizesse, respeitando os antigos tratados comerciais que envolviam os três países.
Podemos dizer que as principais características do Primeiro Reinado, governado por D. Pedro I entre 1822 e 1831, foram os conflitos de interesses entre o grupo de D. Pedro I, que pretendia aumentar seu próprio poder, por meio da instituição do Poder Moderador, e o grupo de brasileiros, que pretendia preservar as estruturas socioeconômicas já existentes.
A Constituição de 1824 e o Poder Moderador
Outorgada por D. Pedro I no início de 1824, a Constituição Imperial ficou em vigor durante todo o período imperial, até ser substituída em 1891 pela primeira constituição republicana. Ela estabeleceu as bases da estru¬tura política e do funcionamento do Império brasileiro e de suas principais instituições, como a adoção da forma de governo monárquica, heredi¬tária e constitucional, a divisão político-administrativa do território em províncias e a separação do poder político em quatro instâncias – Poder Executivo, exercido pelo Imperador e seus ministros de Estado; Poder Legislativo, composto por senadores e deputados gerais e provinciais; Poder Judiciário, formado pelos juízes e tribunais e Poder Moderador, exercido pelo Imperador.
O Poder Moderador, exercido pelo Imperador, é considerado a “chave mestra da organização política” imperial brasileira, porque ele é superior aos demais. A ele cabe manter a harmonia dos demais poderes – legislativo, executivo e judiciário – e a ele cabe também exercer as principais atividades necessárias ao exercício político da nação, como nomear senadores e os magistrados, convocar a assembléia legislativa etc.

D. Pedro I não era uma pessoa popular. Além de uma forte crise econômica e financeira, sua política autoritária não o ajudava a governar. Debaixo de forte oposição na imprensa e na Câmara dos Deputados, D. Pedro I abdicou na madrugada do dia 7 de abril de 1831, deixando o trono para seu fi lho D. Pedro de Alcântara, então com apenas cinco anos.

A REGÊNCIA (1831-1840)
O período da regência foi marcado por muitas crises. Como o país não tinha um governante forte, as diversas forças políticas das províncias competiam pelo poder.
Embora, durante esses anos, a crise econômica e financeira bra¬sileira ainda fosse grande, foi nesta época que ocorreu a expansão do plantio do café no Vale do Paraíba.
A cultura cafeeira trouxe à baila dois importantes grupos sociais do Brasil no século XIX: o dos “barões do café” e o dos escravos, responsáveis por todo o trabalho braçal realizado no período. Justamente por isso, apesar de os ingleses já pressionarem pelo fim do tráfico atlântico de escravos, a manutenção da escravidão era tão importante.
A situação do Brasil neste período com atenção: os revoltosos eram muitos, e os motivos para revolta também. Os proprietários de escravos tinham medo de que as revoltas de escravos e homens livres e pobres, que ocorriam nas províncias, levassem o Império à desintegração. Todos os membros da elite política concordavam que era importante manter a unidade nacional e o controle da nação, e que só uma pessoa poderia fazer isso: D. Pedro II, que não passava de uma criança. Mesmo com sua pouca idade, a solução na época encontrada foi a antecipação da maioridade do Príncipe, que permitiu que um adolescente de 14 anos assumisse o trono, passando a se chamar, a partir de então, D. Pedro II.

O SEGUNDO REINADO (1840-1889) O reinado de D. Pedro II, além de ter sido o mais longo da história do Brasil, foi também o da consolidação do Império. Com o imperador assumindo pessoalmente o governo e com os proprietários de terras e escravos guiando a economia, o Brasil conheceu um período de expansão econômica, através do incremento no cultivo do café, que passou a ser o principal produto de exportação brasileiro. O crescimento do cultivo do café veio acompanhado de outra crise: a da mão-de-obra. Desde meados do século XIX, a Inglaterra pressionava pelo fim do tráfico de escravos. Como, no entanto, o café dependia da mão-de-obra escrava, interromper o tráfico significava contrariar os interesses dos grandes proprietários, dos vendedores de café e dos traficantes, que à época vendiam escravos. Como o Brasil dependia da Inglaterra, principalmente para obter créditos e financiamentos exte nos, foi impossível resistir à pressão, embora ela tenha causado muitos incômodos no país. Assim, o ano de 1850 marcou a proibição do tráfico africano, embora hoje em dia os historiadores saibam que africanos foram trazidos ilegalmente para o país como escravos até 1857. Como essa crise ocorreu justamente na fase de abolição do tráfico atlântico, ela estimulou a política imigrantista, responsável por incentivar a vinda de imigrantes europeus para o Brasil. O fim do tráfico e a vinda de imigrantes, aliados à grande insatisfação de escravos – que resistiam à escravidão de todas as formas que podiam – fi zeram com que o regime de trabalho escravo fosse, aos poucos, entrando em sua crise final. Decisivas para o fi m da escravidão foram a Guerra do Paraguai e a Lei do Ventre Livre. Esta última estabeleceu que nenhum recém-nascido seria escravo no Brasil. A partir dela, a escravidão, embora tenha durado mais de vinte anos, estava com os dias contados.


A Guerra do Paraguai
A Guerra do Paraguai (1864-70) foi o conflito militar mais importante e sangrento dentre todos os ocorridos na América Latina no século XIX. Morreram em combate cerca de 150 a 300 mil soldados. A guerra envolveu a aliança entre o Brasil, a Argentina e o Uruguai, todos unidos contra o Paraguai, desde 1862 governado por Francisco Solano Lopez. A guerra mudou a história do Brasil imperial, ao evidenciar a fragilidade do exército e o “atraso” que a manutenção da escravidão representava em relação aos outros países latino-americanos, que já tinham abolido a escravidão e proclamado suas repúblicas.

Depois do fim da guerra do Paraguai, o crescimento do abolicionismo e do movimento republicano demonstraram que também o Império estava com os dias contados. A abolição da escravidão, assinada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888, foi o estopim para que os proprietários de terras passassem a apoiar os republicanos. Pouco mais de um ano depois, em 15 de novembro de 1889, um golpe militar poria fim ao Império brasileiro.

1822 Independência do Brasil.
1824 Outorga da Constituição.
1826 Morre, em Portugal, D. João VI.
1831 D. Pedro I abdica o trono brasileiro em favor de seu filho Pedro de Alcântara.
1834 D. Pedro I morre em Portugal.
1835 Início da Regência Una do padre Feijó. Início da Cabanagem no Pará e da Farroupilha no Rio Grande do Sul.
1837 O Regente Feijó renuncia ao cargo. Início da Regência Una de Araújo Lima. Início da Sabinada na Bahia.
1838 Início da Balaiada no Maranhão.
1840 Termina o Período Regencial, com a decretação da maioridade de D. Pedro II. Início do Segundo Reinado.
1842 Revolta dos liberais em São Paulo e Minas Gerais.
1847 Chegada dos primeiros imigrantes para a fazenda de café Ibicaba.
1848 Início da Revolução Praieira.
1850 Fim do tráfico de escravos no Brasil.
1854 Inauguração da primeira estrada de ferro do Brasil.
1865 Início da Guerra do Paraguai.
1870 Fim da Guerra do Paraguai. Publicação do Manifesto Republicano.
1871 Lei do Ventre Livre.
1886 Lei dos Sexagenários.
1888 Lei Áurea, declarando extinta a escravidão no Brasil.
1889 Fim do Império e proclamação da República.

A periodização baseada nos principais acontecimentos relativos à escravidão ocorridos no Brasil Imperial teria como marcos principais: 1831 – 1ª Lei que extinguiu o tráfico atlântico de escravos. 1850 – Lei Euzébio de Queiroz, que extinguiu de fato o tráfico atlântico de escravos. 1871 – Lei do Ventre Livre, que estabeleceu que, a partir de então, todos os escravos nascidos no Brasil seriam livres. 1888 – Abolição da escravidão.

O período compreendido entre a vinda da Corte portuguesa para o Brasil e a proclamação da República, embora curto – não chega a um século –, é crucial para a compreensão da história brasileira. Nele, o Brasil se torna independente, o café, o principal produto exportador de todos os tempos, passa a ser produzido, ocorre a maior guerra já enfrentada pelo país e são introduzidas modificações fundamentais no regime de trabalho, que, de escravo, passa a livre. Esta última mudança provoca mudanças substanciais na composição demográfica da população brasileira, com o fi m da importação de africanos e o início da vinda de imigrantes europeus.


Resumo História na Educação 2 aula 14 O Império brasileiro 2 – Ana Maria Santiago

No Brasil, as primeiras décadas do século XIX foram marcadas pelas dificuldades econômicas. A retração do comércio e a redução dos preços do açúcar e do algodão se somaram à decadência do ouro.
A chegada da Família Real suavizou, em parte, a situação, abrindo o comércio da colônia à livre negociação; contudo, não podia resolver a questão dos preços dos principais produtos de exportação. Em contrapartida, a abertura dos portos propiciou a penetração econômica inglesa sem controle, afetando os negócios nacionais. O Rio de Janeiro passou a ser a corte, sede do Império português, experimentando uma atividade comercial e um crescimento urbano sem precedentes. Verificou-se também, nessa época, o surgimento e o estímulo de uma economia de abastecimento ao seu redor.
Com a independência política, na década de 1820, surgiu, na província do Rio de Janeiro, uma nova cultura, com um mercado externo em franca expansão: o café.

CAFÉ, CAFÉ, CAFÉ...
Conhecido antigo dos habitantes da colônia, o café era mais utilizado como planta ornamental ou produzido em pequena escala, não recebendo, até então, um tratamento de produto comercial de exportação.
A primeira fase de crescimento – 1830 a 1870 – esteve associada à expansão do cultivo do café no entorno da cidade do Rio de Janeiro (Estácio, Serras da Tijuca e Gávea, Jacarepaguá, Campo Grande) e no Vale do rio Paraíba do Sul (Resende, Barra Mansa, Vassouras, Valença, Piraí, Paraíba do Sul, Cantagalo – núcleos do Rio de Janeiro – e Guaratinguetá, Roseira, Taubaté, São José dos Campos – núcleos de São Paulo).
No âmbito do Rio de Janeiro, a cultura do café pode representar, também, um ponto de partida para a discussão de questões ligadas ao meio ambiente. A cafeicultura, como foi praticada, alterou a paisagem e promoveu o empobrecimento do solo. Após a decadência do cultivo, algumas regiões, especialmente as do Vale do Paraíba do Sul, passaram por dificuldades para se recuperarem. Em alguns casos, certas alternativas econômicas agravaram ainda mais os problemas ambientais ocasionados pela longa prática da monocultura do café.

Um outro aspecto que pode ser tratado é o papel que a cafeicultura brasileira assumiu no contexto internacional. Já sabemos que a economia cafeeira tornou-se sustentáculo da monarquia no Segundo Reinado e, também, na Primeira República. O que nos interessa agora é destacar que o Brasil passou a ser responsável por boa parte da produção mundial de café a partir da década de 1840, chegando a plantar, na década de 1880, 56,63% do café de todo o mundo!
No século XX, a concorrência gerou graves problemas para a economia brasileira. Além de perder mercados para outros países, o aumento da oferta ocasionou uma baixa acentuada dos preços do café, o que gerou instabilidade econômica no Brasil, especialmente com a crise de 1929.

O café ainda controlava, em 1929, 70% das exportações brasileiras – justificando o abalo que sofremos com a crise –, mas, em 1992, esse percentual era de apenas 6%!
Essas informações podem servir de base para discutir o papel da soja, hoje, na balança de exportações brasileiras; assim como para refletir sobre o próprio cultivo da cana-de-açúcar.

Os brasileiros da segunda metade do século assistiram, ainda, a outras transformações. Modernidades davam um ar de progresso, principalmente às capitais. As ferrovias se multiplicavam. O telégrafo passou a ser mais utilizado. Os bancos se tornaram instituições importantíssimas. Urbanizaram-se as grandes capitais. A mecanização da produção recebia apoio. A indústria aparecia ao lado da economia agrária de exportação, muitas vezes ligada à própria agricultura.
Essas mudanças denotavam novas relações econômicas, sociais e culturais desenvolvendo-se e consolidando-se no contexto da própria expansão do capitalismo, mas também evidenciaram a forte resistência a transformações estruturais. Foi dessa forma que o Brasil deixou de ser escravista e até monárquico, mas manteve a estrutura agrário-exportadora e a ordem social excludente.


Resumo História na Educação 2 Aula 15 - O Brasil republicano: da proclamação aos anos 2000 – Lucia Grimberg

A idéia de República tem origem no grego: res publica. Quer dizer, coisa pública. O Estado republicano se caracteriza por dois preceitos básicos: a.deve cuidar do bem comum, do bem de todos; b. todos são iguais diante da lei, respondem a uma lei comum.
República se contrapõe à monarquia. A principal diferença entre os dois regimes é a possibilidade de na República qualquer pessoa exercer o cargo de chefe de Estado. No regime republicano, o chefe de Estado é eleito pelo povo. No regime monárquico, o chefe de Estado tem acesso ao poder por direito hereditário. Em uma República, o chefe de Estado tem acesso ao poder por meio de eleições. Quer dizer, a princípio qualquer cidadão pode se candidatar ao cargo, não importando sua origem familiar, social ou étnica. A república se caracteriza também pela rotatividade dos ocupantes no poder. Em vez de ficar no poder toda a vida, o governante desempenha essa função durante um mandato temporário. Isso é muito importante porque garante ao povo a possibilidade de mudar o governante, caso a maioria considere que ele não esteja comandando bem, ou se entender que há um candidato melhor nas eleições seguintes.

A História do Brasil republicano pode ser compreendida a partir de determinadas rupturas políticas. Logo após cada uma destas rupturas,
houve conjunturas de incerteza, quando ainda não se sabia ao certo como seriam as novas regras do jogo. Isso aconteceu por que os participantes de cada um desses movimentos tinham concepções diferentes sobre como deveria ser o novo regime. O estudo destas divergências tem o objetivo de mostrar que não há um caminho predeterminado na História do Brasil, não estamos fadados a viver em regimes autoritários, mas, para que as instituições democráticas funcionem, é preciso não descuidar. É fundamental perceber que o sistema político e as políticas públicas implementadas são expressão da luta de todos pelos direitos de cidadania.

Cada um destes períodos é conhecido por mais de uma designação, uma vez que alguns historiadores divergem sobre alguns aspectos da sua interpretação. Ao longo da aula você vai perceber as diferenças e os significados dessas designações.
- a partir da proclamação da República tem início a Primeira República (1889 – 1930);
- a Revolução de 1930 inaugura a chamada Era Vargas (1930 –1945);
- após a dissolução do Estado Novo, o país viveu uma experiência democrática, de 1945 até 1964;
- o movimento de 1964 instaurou uma ditadura civil-militar (1964 – 1979).
PRIMEIRA REPÚBLICA (1889 – 1930)
Em 15 de novembro de 1889, o marechal Deodoro da Fonseca proclamou a República. Era o fim da monarquia, o fim do Império do Brasil fundado com a Independência (1822). D. Pedro II deixou de ser imperador. Cetro e coroa já não eram mais símbolos de poder no novo regime. Tornaram-se peças de museu. A antiga família imperial foi para o exílio, em Paris.
Com a proclamação da República, o nome do país passou a ser Estados Unidos do Brasil. A partir da Constituição de 1891, de fato, os estados passaram a ter maior autonomia: podiam contrair empréstimos no exterior e organizar forças militares próprias, por exemplo. De acordo com as novas regras do jogo, o sistema político era presidencialista. Quer dizer, o presidente da República representava o poder Executivo. O presidente, os governadores, os senadores, os deputados, os prefeitos e vereadores eram eleitos pelo voto direto. Mas as mulheres e os analfabetos não tinham o direito de votar, muito menos o direito de se candidatar.
Quem participava desse jogo? Quem podia se candidatar a cargos públicos? Na Primeira República, as oligarquias monopolizavam o espaço político parlamentar. Quer dizer, os presidentes da República, ministros, senadores e governadores tinham origem, principalmente, em famílias de grandes proprietários de terras, os quais formavam as OLIGARQUIAS ( Palavra grega que significa governo de poucas pessoas, pertencentes a uma classe ou família). estaduais.
Na Primeira República, a Comissão de Verificação de Poderes reconhecia apenas os candidatos eleitos pelos partidos dos governadores em cada estado. Quer dizer, independentemente dos resultados eleitorais, o poder continuava com as oligarquias relacionadas aos governadores.
ECONOMIA
Durante a Primeira República, a produção do café era a principal atividade econômica do país. O café era o produto brasileiro mais exportado, cerca de 60% do valor total. Naquela época, a produção cafeeira cresceu muito, o que fez o preço baixar no mercado internacional.
Ao longo da Primeira República, o país mudou bastante. A agricultura ainda era a principal atividade econômica, mas aumentavam as pequenas propriedades nas quais trabalhavam as famílias de agricultores. As cidades cresciam e a sua população também. A sociedade se diversificava, a classe média urbana e a classe operária cresciam.
CULTURA
No aniversário de 100 anos da Independência do Brasil foram realizados dois eventos importantes. No Rio de Janeiro, a Exposição Internacional do Centenário da Independência. Em São Paulo, a Semana de Arte Moderna. Em ambos os casos seus participantes buscavam mostrar para o mundo uma imagem positiva do país. O que representava o Brasil independente? A Exposição Internacional construiu seus prédios justamente na área aberta após o desmonte do Morro do Castelo. A Semana de Arte Moderna reivindicava um Brasil moderno. Os modernistas buscavam romper com os padrões estéticos do academicismo e do romantismo nas artes, mas sempre valorizando a cultura nacional.
A ERA VARGAS (1930 – 1945)
Em 1930, Getúlio Vargas e outros políticos do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais e da Paraíba junto com alguns militares, tomaram o poder. Contaram com o apoio das classes médias e com a presença difusa das massas populares. O que unia essas pessoas tão diferentes? Muitas das regras vigentes na Primeira República. Esse acontecimento entrou para a História como a Revolução de 1930. Os protagonistas queriam fazer uma “revolução” no país. Os historiadores concordam que eles foram bem-sucedidos porque esse fato inaugurou transformações que tiveram desdobramentos importantes de curto, médio e longo prazos na História do Brasil.
O ESTADO INTERVENCIONISTA: TRABALHO, EDUCAÇÃO E ECONOMIA
Uma das características principais da Revolução de 1930 é a afirmação do Estado intervencionista. Do Estado como ator fundamental na política nacional. A Revolução de 1930 criou dois ministérios considerados “revolucionários”: o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e o Ministério da Educação e Saúde Pública. De maneiras diferentes, ambos tinham como objetivo implementar políticas de incorporação da classe trabalhadora na política.
O Ministério do Trabalho, a partir de uma nova legislação trabalhista, desenvolveu a idéia de uma cidadania por meio do trabalho. Na Era Vargas foram criadas várias leis regulamentando as relações de trabalho. Patrões e empregados passaram a seguir várias determinações do Estado.
A educação escolar é uma das principais maneiras de socializar os indivíduos. É na escola que formamos muitos dos nossos valores. Na Era Vargas, o Estado investiu no “abrasileiramento” da educação. Muitas escolas públicas foram abertas. Ao mesmo tempo em que as escolas organizadas por comunidades de imigrantes italianos e alemães, principalmente, eram fechadas. As crianças precisavam aprender, em primeiro lugar, a língua, os costumes e a História do Brasil. Não podiam pensar que eram italianos ou alemães morando no Brasil, como seus pais ou avós, precisavam se identificar como brasileiras: cantar o hino nacional e se emocionar.
Compare a política do Estado brasileiro diante das reivindicações do movimento operário na Primeira República e na Era Vargas.
Na Primeira República, o Estado não reconhecia o movimento operário como um interlocutor legítimo. A chamada questão social era tratada como caso de polícia. Na Era Vargas, o Estado enfrentou a questão social regulamentando as relações trabalhistas.

A DITADURA CIVIL – MILITAR (1964 – 1979)
Você já deve ter escutado pessoas diferentes falando sobre 1964 de pelo menos três maneiras: revolução, golpe ou movimento de 1964. Cada uma dessas expressões caracteriza esse acontecimento de maneira distinta. Quem usa cada um desses termos? Por quê?
a. “Revolução de 1964”: os militares e os políticos que participaram da conspiração para depor João Goulart se consideravam “revolucionários”. Até hoje, as pessoas que concordam com esse movimento político usam essa expressão.
b. “Golpe” é uma abreviação de “golpe de Estado”: de fato, em primeiro lugar, o presidente da República João Goulart foi destituído do cargo devido a uma conspiração entre civis e militares. Isto quer dizer que ele saiu do poder diante da ameaça de uso da força, e não por motivos legais. Golpe é uma designação utilizada pelos opositores deste movimento, e destaca o aspecto violento da medida.
c. “Movimento de 1964”: muito utilizada por historiadores atualmente, indica a importância do apoio social ao golpe, enfatiza a participação da sociedade no regime. Muitas pessoas naquela época imaginavam que o presidente João Goulart transformaria o país em uma “república sindicalista” e que os comunistas podiam fazer uma revolução. Em 1964, depois que os militares ocuparam o poder, milhares de pessoas foram para as ruas comemorar nas “Marchas da Família com Deus pela Liberdade” organizadas em várias cidades. Nesse sentido, nos referimos ao período como uma ditadura civil-militar, para não nos esquecermos de que muitos civis apoiaram o novo regime.

Depois da deposição do presidente João Goulart, o marechal Castelo Branco tomou posse na Presidência da República. Em 1965, Castelo Branco decretou o ATO INSTITUCIONAL n. 2, impondo novas regras para o jogo: a. os presidentes deixaram de ser eleitos pelo voto direto, passaram a ser escolhidos entre generais do Exército; b. os partidos políticos em atividade desde 1945 foram extintos, novas organizações deveriam ser criadas.

A ABERTURA POLÍTICA
Mas, por que boa parte dos brasileiros apoiava o governo? Muitas pessoas ainda temiam os comunistas. No entanto, há outros motivos. No início dos anos 1970, a economia do país cresceu muito, o que gerou muitos empregos para a classe trabalhadora e aumentou os salários da classe média. Veja os índices anuais de crescimento do Produto Nacional Bruto (PNB): 9, 5 % (1970), 11,3 % (1971), 10, 4% (1972) e 11, 4% (1973).
Em 1973, os países árabes produtores de petróleo organizaram-se na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), o preço desse produto aumentou muitíssimo provocando uma diminuição no crescimento econômico de todos os países, a chamada “crise do petróleo”. No Brasil, colocou um ponto final no “milagre econômico” – crescimento de cerca de 10% do PNB durante quatro anos seguidos.
No ano seguinte, em 1974, o general Ernesto Geisel assumiu a presidência da República com dois desafios: a. enfrentar a crise mundial procurando alternativas ao petróleo, para que o crescimento econômico do país não continuasse caindo; b. encaminhar o Brasil para a democracia por meio de uma “abertura, lenta e gradual”. Nos dois casos, o governo encontrou obstáculos difíceis de contornar.

Os estudos sobre o movimento de 1964 e a ditadura civil-militar (1964 – 1979) mostram algumas nuances na participação de diferentes grupos sociais nesses processos históricos. Analise as atitudes de militares, de políticos, de estudantes e da sociedade em geral.
Os militares apoiaram o golpe em 1964. Na década de 1970 alguns defendiam a continuidade da ditadura, outros a “volta aos quartéis”. Os políticos da Arena apoiavam o governo, os do MDB faziam oposição. O movimento estudantil foi um importante campo de oposição ao regime. O movimento de 1964 teve um apoio social considerável. No entanto, devido ao aprofundamento da ditadura, muitas pessoas passaram a apoiar a oposição e votar no MDB.

DE 1980 A 2000: UMA NOVA DEMOCRACIA E NOVOS DESAFIOS ECONÔMICOS
Dos anos de 1980 para cá, o Brasil passou por um processo de consolidação da democracia. Desde a posse de José Sarney (1986 – 1989), o regime democrático não foi mais interrompido. Em 1988, deputados e senadores aprovaram a atual Constituição. Em 1989, depois de tantos anos, os brasileiros votaram em Fernando Collor de Mello para presidente da República. No entanto, devido a vários crimes de corrupção, o Congresso Nacional seguiu a Constituição e votou o seu impedimento. Nenhuma regra foi desrespeitada, ao contrário, o vice-presidente assumiu e completou o mandato. De lá para cá, as maiores mudanças aconteceram na esfera econômica.

Ao longo da República houve uma disputa entre diferentes atores sociais pela participação política junto ao Estado brasileiro. Proprietários de terras, industriais, militares, profissionais liberais e trabalhadores defenderam as suas idéias sobre como organizar a República.
A história da República é uma história da ampliação da cidadania no país, através das disputas sociais e políticas pela participação no Estado e pelo reconhecimento de direitos de determinados grupos. Mas os nossos direitos não estão assegurados para sempre, é preciso estar atento todos os dias para o seu cumprimento.

Escreva uma redação sobre a conquista e a perda de direitos políticos e sociais na história do Brasil republicano comparando os períodos: a. Primeira República; b. Era Vargas; c. a experiência democrática de 1945 – 1965; d. a ditadura civil-militar; e. dos anos 1980 até hoje.
Na Primeira República, a Constituição previa direitos políticos, não tratava de direitos sociais. Durante a Era Vargas, os direitos políticos foram negados no Estado Novo, mas foram criadas várias leis trabalhistas. Entre 1945 e 1964, os direitos políticos e muitos direitos sociais foram respeitados. Na ditadura, os direitos políticos foram cerceados. Desde os anos 1980, os direitos políticos são respeitados.

Desde a proclamação da República, nós podemos identificar a expansão da cidadania no país. Na Primeira República (1889 – 1930), apenas uns poucos decidiam sobre a ordenação política e econômica do país. Na Era Vargas (1930 – 1945), foram extintos os direitos políticos e regulamentados os direitos sociais. Durante a experiência democrática de 1945 a 1964, os brasileiros reconquistaram os direitos políticos e lutaram pela ampliação dos direitos sociais. O movimento de 1964 diminuiu o alcance da participação política, cassou parte dos direitos políticos; não garantiu os direitos civis e, através da repressão, dificultou a reivindicação dos trabalhadores por direitos sociais.


Resumo História na Educação 2- aula 16 - História do Brasil república 2 – Ana Maria Santiago
Em geral, a História dos vencedores tende a ser mais divulgada e a dos vencidos apagada, esquecida, relegada a um segundo plano.
No ensino de História observa-se claramente esse fenômeno quando percebemos a pouca ênfase que se dá à abordagem das revoltas populares dos períodos Colonial, Imperial e Republicano. Estamos falando de movimentos, em sua grande parte, derrotados com violência ou que tiveram seu êxito abafado.
Nesse sentido, é importante recordarmos o papel questionador da organização social, política e econômica que essas revoltas tiveram. Essa percepção pode contribuir, decisivamente, para a formação de cidadãos atuantes e conscientes dos seus direitos.

OS EXCLUÍDOS DA “ORDEM” E DO “PROGRESSO”
Os primeiros anos da República não foram nada tranqüilos. Diversos grupos políticos disputavam entre si o controle do Estado, ao mesmo tempo em que a população rural e urbana mostrava seu descontentamento com uma política que se consolidava de forma oligárquica, perpetuando os privilégios dos grandes proprietários de terras e mantendo exclusões sociais antigas.
Já no início da década de 1890, a própria Marinha se revoltou contra o governo republicano criado por um golpe do Exército e estourou a REVOLUÇÃO FEDERALISTA no sul do país. O movimento operário cresceu muito, apoiando-se principalmente nas idéias ANARQUISTAS. As greves se multiplicaram e a repressão do governo foi implacável, pois a greve era negócio de polícia! Os imigrantes envolvidos na liderança do movimento operário eram presos, surrados e expulsos do país. Mas, quais eram as reivindicações desses indivíduos? Lutavam por melhores condições de trabalho (jornada de oito horas, salários mais altos, condições de segurança e higiene nas fábricas, regulamentação para o uso da força de trabalho de mulheres e crianças etc.) e de vida (diminuição do preço dos alimentos que sofriam acréscimos com a especulação dos comerciantes, melhores habitações, respeito aos direitos civis, ampliação dos políticos etc.).
Foram, entretanto, as grandes revoltas populares que abalaram a República mais duramente no seu início. Vejamos, sinteticamente, algumas dessas rebeliões.

REVOLTA DE CANUDOS
Movimento rural ocorrido na Bahia entre 1893 e 1897, sob a liderança de Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido como Antônio Conselheiro, o fundador do arraial de Canudos, às margens do rio Vaza-Barris.
As origens do movimento prendem-se, basicamente, às crônicas dificuldades de vida dos grupos sertanejos locais e também ao mandonismo regional exercido pelos coronéis.

REVOLTA DA VACINA OBRIGATÓRIA
A chamada Revolta da Vacina ocorreu durante o governo de Rodrigues Alves (1902-1906) na cidade do Rio de Janeiro.
Objetivando modificar a imagem da capital e “civilizá-la”, presidente Rodrigues Alves estabeleceu seu programa de governo: o saneamento e o melhoramento do porto do Rio de Janeiro. Para tal, associou-se, em 1903, a dois homens: Pereira Passos (engenheiro nomeado prefeito) e Oswaldo Cruz (médico sanitarista nomeado diretor
da Saúde Pública).
Embora o programa de governo tivesse seu valor, sua execução ocorreu de forma impopular e autoritária. Seus executores receberam direitos ditatoriais para executar seus projetos.
Nesse clima de desencanto e revolta para com o governo foi votada a lei que tornava a vacina contra a varíola obrigatória (31 de outubro de 1904); isto é, os grupos organizados pela Saúde Pública visitariam as casas para vacinar os moradores que não procurassem espontaneamente os postos de vacinação.
Alegava-se, especialmente, que se tratava de um desrespeito ao direito constitucional de liberdade e da propriedade privada, pois haveria violação dos lares, além da indignidade, para moral da época, da aplicação da vacina por homens desconhecidos nas mulheres, sem a presença e consentimento dos seus maridos ou dos seus pais. Em 10 de novembro de 1904 a cidade teve suas ruas, especialmente as do centro, tomadas por revoltosos.
A revolta durou mais de uma semana.
Em meio ao tumulto popular, a Escola Militar da Praia Vermelha se rebelou, em 14 de novembro, tentando, inutilmente, liderar um golpe militar.
Nem mesmo a revogação do decreto, em 16 de novembro, acalmou os ânimos. A revolta não era só contra a vacina obrigatória, mas fruto do descontentamento popular com um governo autoritário que atendia só aos interesses de privilegiados.

REVOLTA DA CHIBATA
Nome popular da revolta de marinheiros ocorrida em 1910, tendo como foco os maiores navios de nossa esquadra – o Bahia e o Minas Gerais –, sob a liderança de João Cândido.
A revolta estourou no dia 22 de novembro por ocasião da punição de um marinheiro do navio Minas Gerais com a chibata. Isso mesmo, com o chicote! Em plena República ainda se utilizava o chicote como mecanismo de punição. Dava-se a marujada brasileira – recrutada compulsoriamente entre segmentos pobres da população, delinqüentes e marginais – tratamento semelhante ao dos escravos. Não se pode deixar de mencionar que muitos desses marujos eram negros e mestiços, desconsiderados pelos, tradicionalmente aristocráticos, membros – brancos – do oficialato da Marinha.
Os revoltosos reivindicavam o fim dos castigos físicos, em especial a chibata, a diminuição das horas de trabalho, o aumento de soldo, a redução do tempo de serviço de 15 anos e novos critérios de recrutamento militar. Nenhuma dessas reivindicações nos parecem absurdas, mas foram tratadas com frieza e dureza pelo governo.
Os revoltosos pediam mudanças e anistia aos rebelados, ameaçando de bombardear os bairros chiques da capital caso não fossem atendidas suas exigências. Em três dias o Senado aprovou o acordo e o governo o ratificou. Entretanto, a anistia não foi respeitada, muitos foram expulsos dos quadros da Marinha, outros foram presos, torturados e mortos. Nem mesmo os protestos dos parlamentares puderam conter a repressão/traição.


A proclamação da República, no Brasil, não significou igualdade civil, ampliação dos direitos de participação política, alteração da organização social e econômica.
A economia continuou agrário-exportadora, destacando-se a produção de café. O poder político republicano se consolidou de forma oligárquica, mantendo privilégios e acentuando exclusões. A grande maioria da população não viu sua vida melhorar em nada, até mesmo sentiu-a piorar nos primeiros anos republicanos. Nem mesmo a elite se entendia: as oligarquias agrárias brigavam entre si, o Exército lutava contra os civis, enquanto a Marinha combatia o Exército.
As revoltas se multiplicaram na cidade e no campo. Quantas delas, por terem sido rapidamente sufocadas, nem chegaram a ser registradas pelos que constroem a História? Quantas outras se sucederam nas décadas seguintes?

Resumo História na Educação 2 aula 17 Idade Contemporânea: a ascensão da burguesia – Ricardo Mariella

Esse período teve início a partir da Revolução Francesa (1789) e chegou até o momento atual da história do mundo ocidental. Mas também podemos dizer que este foi o período em que as palavras “indústria”, “industrial”, “fábrica”, “classe média”, “classe trabalhadora”, “capitalismo”, “socialismo”, “greve”, “nacionalidade”, “liberal”, “conservador”, “proletariado”, “crise econômica”, “máquina” e muitas outras foram cunhadas ou ganharam seus significados modernos. Segundo o historiador inglês ERIC J. HOBSBAWM, o mundo sofreu e vem sofrendo a maior transformação desde os longínquos tempos em que o homem inventou a escrita, a agricultura, a metalurgia, a cidade e o Estado.

O COMEÇO: “LIBERDADE, IGUALDADE, FRATERNIDADE”
A Revolução Francesa inaugurou uma era: fortaleceu o vocabulário e os temas da política liberal e radical-democrática para a maior parte do planeta. Suas idéias influenciaram fortemente a política e a ideologia do mundo contemporâneo. Dentre outras coisas, a França, por exemplo, forneceu o conceito de nacionalismo, os códigos legais, o modelo de organização técnica e científica e o sistema métrico de medidas para a maioria dos países.

A separação entre Estado e Igreja; participação popular pelo voto; a educação pública (estatal e gratuita); o serviço militar generalizado; os direitos da cidadania; a igualdade dos filhos perante a herança e a igualdade de todos perante a lei; o divórcio; a abolição das torturas e dos castigos físicos, acompanhada do abrandamento das leis penais; os primórdios da emancipação feminina; a extensão da cidadania aos judeus; a condenação da escravidão e a imorredoura idéia de que devemos viver em liberdade, igualdade e fraternidade, lema da revolução que se universalizou, tornando-se no decorrer do século seguinte uma bandeira da humanidade inteira – esses elementos fi zeram a Revolução Francesa ser considerada o mais importante acontecimento da História contemporânea. Inspirada pelos ideais iluministas, ecoou em todo o mundo, pondo abaixo regimes absolutistas e ascendendo os valores burgueses.

Por volta de 1789, a França era o país mais populoso da Europa e vivia um momento calamitoso. Os cofres reais ficaram vazios após a GUERRA DOS SETE ANOS. a indústria têxtil passava por grandes dificuldades devido à concorrência dos tecidos ingleses que
inundavam o mercado interno da França, ocasionando desemprego e aumentando o número de famintos e marginalizados. Enquanto isso, a rainha Maria Antonieta distraía a corte com boa música, jogos e festas caríssimas que arrastavam o país ao extremo da irresponsabilidade administrativa. No verão de 1788, a França estava na bancarrota.
A nobreza boicotava todas as tentativas de reforma. Os custos da participação francesa na Revolução Americana foram fatais para a
economia do país. Os camponeses precisavam de terra e a classe média francesa, ao mesmo tempo que ganhava confiança, desejava um poder político proporcional às suas posses e por isso atacava os privilégios garantidos à aristocracia.
Diante da crise, Luís XVI convocou os Estados Gerais em 1789. Os representantes da burguesia, com o apoio dos setores do clero, fundaram em 17 de junho a Assembléia Nacional, e no dia 20 do mesmo mês juraram manter-se reunidos até que se conseguisse a aprovação de uma Constituição. O rei aceitou, mas o fez apenas para ganhar tempo.
Enquanto isso, concentrou tropas nos arredores de Paris para prender os deputados. A atitude do rei provocou um motim popular: o povo de Paris tomou a Bastilha, presídio do Antigo Regime, no dia 14 de julho de 1789. A queda da Bastilha juntamente com a formação da Assembléia Nacional marcaram o início da derrubada do absolutismo na França.

A Assembléia Nacional elaborou a Declaração do Cidadão e a Constituição Civil do Clero, que estabelecia a lealdade às instituições. A Convenção Nacional, que substituiu a Assembléia em 22 de setembro de 1792, proclamou a República. Após uma tentativa de fuga, Luís XVI foi guilhotinado em janeiro de 1793 . As rebeliões na região da Vendée levaram ao estabelecimento do Terror, período durante o qual o Comitê de Salvação Pública, liderado por Robespierre, mandou executar centenas de aristocratas e oponentes da revolução, além de revolucionários moderados. As divisões entre os revolucionários levaram à execução de Robespierre em 1794 e à formação de um Diretório moderado, que se consolidou no poder graças às vitórias militares francesas contra as potências absolutistas, nas quais se destacou Napoleão Bonaparte.
Quando o Diretório se transformou em consulado, Napoleão Bonaparte foi nomeado primeiro-cônsul. O general derrotou os exércitos ingleses, aliados dos monarcas absolutistas. Em 1812, proclamou-se imperador, mas, após uma desastrosa campanha na Rússia, as potências européias o obrigaram a abdicar e a se retirar para a ilha de Elba. Em 1815 Napoleão voltou à França, onde foi reconhecido como soberano pelo exército e pelo povo, mas acabou derrotado na Batalha de Waterloo e foi enviado ao exílio em Santa Helena, onde morreu em 1821.

A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

No início do século XIX, a maioria da população européia vivia no campo; a terra ainda era a principal fonte de riqueza. Apesar disso, a indústria já havia iniciado seu desenvolvimento.
Vários fatores contribuíram para revolucionar a forma de produzir manufaturas: utilização da energia do vapor e inovações técnicas que originaram o maquinismo; ampliação das vias de comunicação, com a construção de canais e novos sistemas de pavimentação; ampliação dos mercados consumidores por causa do aumento da população e do colonialismo europeu; existência de capitais provenientes do comércio
colonial, dos bancos e da agricultura; aumento da produção de matérias primas, estimulado por novos sistemas de cultivo e mineração.
Esses fatores contribuíram para uma grande mudança nas relações de trabalho: se antes a maioria das pessoas vivia no campo ou em vilarejos e trabalhava em pequenos grupos, produzindo em pequena escala o que precisavam, com a Revolução Industrial as pequenas oficinas de artesãos foram, aos poucos, sendo substituídas pelas fábricas. As ferramentas foram trocadas pelas máquinas. As tradicionais fontes de energia, como água, vento e força muscular, foram substituídas pelo carvão e pela eletricidade. Em contrapartida, o CERCAMENTO das terras comuns e a aplicação de novas técnicas no campo – tais como os novos sistemas de irrigação e a utilização de máquinas – expulsaram grande parte da população rural. Tal êxodo contribuiu para o rápido crescimento das cidades, onde a grande concentração da mão-de-obra em torno dos centros industriais originou um imenso contingente de operários, que passou a ter como única mercadoria sua força de trabalho vendida em troca de um salário.
Ocorria o nascimento de uma nova classe: o proletariado.
Assim nasceu o capitalismo industrial, que concentrou a produção em grandes estabelecimentos, em detrimento dos artesãos que produziam manufaturas em casa.
Além das questões econômicas e trabalhistas, a expansão do capitalismo estimulou as idéias imperialistas que justificavam a colonização da África e da Ásia. Por isso os países europeus “democráticos” não quiseram abrir mão do controle econômico e político sobre suas colônias.

O surgimento do marxismo, na verdade, não é obra só de Karl Marx (1818-1883), mas também de Friedrich Engels (1820-1895), que, além da colaboração ideológica, era industrial e pôde, por diversas vezes, ajudar Marx financeiramente nos momentos mais críticos. Escreveram juntos Manifesto comunista e A ideologia alemã, dentre outras obras, e conclamaram o proletariado: “Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos.” Estava lançada uma das ideologias mais marcantes da História Contemporânea: o comunismo.

De acordo com Karl Marx, toda a história foi a história da luta de classes. Uma das primeiras formas de hierarquização dos membros foi a divisão homem/mulher, quando os homens começaram a explorar as mulheres. A luta de classes se origina, no entanto, no momento em que a sociedade passa a ser composta de diferentes castas. É a força motriz por trás da história. Ela teria começado com a criação da propriedade
privada dos meios de produção. A partir daí, a sociedade passou a ser dividida entre proprietários (burguesia) e trabalhadores (proletariado).
Na sociedade capitalista, os primeiros se apoderariam do que é produzido pelos últimos. Os trabalhadores seriam forçados a vender seu trabalho por uma fração do seu real valor, enquanto os proprietários se apoderariam do restante. A luta de classes, para ele, só acabará com a implantação do comunismo, quando as classes sociais deixarão de existir.

As grandes potências precisavam obter matérias-primas para alimentar suas indústrias e mercados para escoar seus produtos. Além disso, o progresso expressado na utilização de máquinas causava desemprego e instabilidade social. As potências européias ocuparam novas terras visando, também, a resolver o problema do excedente de mão-de-obra. Entre 1835 e 1914, mais de sessenta milhões de europeus emigraram para outros territórios, inclusive para as Américas.
Durante esse período surgiram duas novas potências econômicas na América do Norte e na Ásia: os Estados Unidos e o Japão.
Este novo panorama mundial era permeado por um clima de rivalidade entre as grandes potências (Inglaterra, Alemanha e França, além da Rússia e do Japão) e deu origem ao que alguns historiadores chamam de “paz armada”, ou seja, diante do risco de um conflito, as potências iniciaram uma corrida armamentista que estimulava a
produção de armas e o fortalecimento de seus exércitos. Os governos das grandes potências implementaram uma tática que consistia nos tratados de aliança entre si, com o objetivo de somar forças para enfrentar os rivais. Depois de muitas negociações e tratados bilaterais, a Europa, em 1907, ficou dividida em dois grandes blocos: a Tríplice Aliança (formada pelas forças da Alemanha, Áustria e Itália) e a Tríplice Entente (formada pelas forças da Inglaterra, França e Rússia).

A ECLOSÃO DA PRIMEIRA GRANDE GUERRA
Ao visitar Saravejo, capital da Bósnia – região anexada ao Império Austro-Húngaro em 1908 – o príncipe herdeiro Francisco Ferdinando terminou sofrendo um atentado que lhe roubou a vida, juntamente com sua esposa, em 28 de junho de 1914. O autor foi um estudante nacionalista chamado G. Princip, ligado à organização secreta paneslavista denominada “Unidade ou Morte” (também conhecida como “Mão Negra”), que possuía vínculos na Sérvia e era rival dos austríacos na disputa pelo controle da região. A partir de então, os acontecimentos se precipitaram. A partir de então, os acontecimentos se precipitaram. Em 6 de julho a Alemanha assegura seu apoio incondicional à Áustria, sua aliada (política de “carta branca”). Alguns dias depois a França renova seus acordos com a Rússia. Em 23 de julho, a Áustria responsabiliza a Sérvia pelo assassinato do príncipe herdeiro enviando um ultimato infamante que, se aceito, liquidaria com a independência do país. Dada a negativa dos sérvios, os austríacos ordenaram a mobilização de suas forças armadas. Foi como se um imenso mecanismo político administrativo-militar fosse posto em movimento e ninguém mais pudesse controlá-lo. No prazo de uma semana (de 28 de julho a 3 de agosto) todas as potências se mobilizaram e entraram em conflito.
A economia foi direcionada para aumentar a produção dos artigos exigidos pela guerra – armas, munições, veículos de transporte etc. Como um grande número de homens participava dos combates, uma considerável parcela de mulheres ingressava no mercado de trabalho industrial, principalmente na Inglaterra, França e Itália.

A REVOLUÇÃO RUSSA
Marx supunha que o processo revolucionário seria desencadeado nos países mais industrializados, como a Inglaterra, onde o acirramento da luta entre classes antagônicas (capitalista e proletários) chegaria a um ponto insuportável. No entanto, a revolução socialista aconteceu em 1917 na Rússia, país de monarquia absoluta (czarismo) e de economia semifeudal, cuja industrialização começara apenas no final do século XIX.
A Revolução de 1917 ocorreu durante a Primeira Guerra Mundial, e o imenso e arcaico império russo não suportou o peso de uma guerra moderna. Em 1917, a burguesia russa tomou o poder durante alguns meses. No mesmo ano, o movimento da burguesia cedeu terreno para a primeira revolução socialista da história contemporânea. A partir de então, a possibilidade de ruptura dos padrões da sociedade burguesa e liberal tornou-se uma realidade no mundo em que vivemos.
Em 1922, a Rússia tornou-se a União Soviética, com a supressão da propriedade privada dos meios de produção, planificação econômica, reformas agrárias, nacionalização dos bancos, fábricas etc.
Apesar do quadro opressor, a URSS transformou-se nos anos 1940 em uma potência mundial desenvolvida e industrializada. A planificação econômica rigidamente centralizada deu ênfase à indústria pesada, ainda que nos setores de agricultura e produção de bens de consumo tenham sido enfrentadas dificuldades maiores.
A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Uma das características da Segunda Guerra Mundial, talvez a mais brutal, foi a supressão da diferença entre aqueles que combateram no front e a população civil na retaguarda. Essa guerra foi total. Nenhum dos envolvidos selecionou seus objetivos militares excluindo os civis. Como em nenhuma outra, o engenho humano foi mobilizado integralmente para criar instrumentos cada vez mais mortíferos, sendo empregados a bomba de fósforo, o napalm e finalmente a bomba política de genocídio em massa (judeus, ciganos, homossexuais etc.), construída nos campos de concentração. Como bem disse o historiador R.A.C. Parker: “O conceito que a humanidade tinha de si mesma nunca voltará a ser o mesmo.”
Quase todos os historiadores concordam que a causa diplomática mais profunda da Segunda Guerra Mundial tem sua origem no Tratado
de Versalhes, acordo assinado entre as potências vencedoras da Primeira Grande Guerra (Estados Unidos, Inglaterra, França) e as vencidas (Alemanha e Áustria).
As sanções aplicadas pelos vencedores tornaram-se fonte de amargos rancores, os quais foram facilmente explorados pela extrema direita nacionalista (nazistas e capacetes-de-aço, que começaram a proliferar na Alemanha a partir de 1919). O grande erro do Tratado de Versalhes foi ter ferido profundamente o sentimento nacional dos alemães. A questão patriótica, no entanto, não chegou a suprimir o potencial industrial alemão.

A EXPANSÃO DO NAZISMO
O governo de Hitler incitou o expansionismo e a anulação do Tratado de Versalhes, a devolução de suas colônias e a restituição dos territórios perdidos, especialmente aqueles que eram habitados por germanos. Em 1936, selou uma aliança com Benito Mussolini (estadista que governou com poderes ditatoriais a Itália, entre 1922 a 1943), criando o eixo Roma–Berlim. No mesmo ano, ocupou a Renânia militarmente, contrariando as disposições do Tratado de Versalhes.
Em 1938, invadiu a Áustria e a Tchecoslováquia, iniciando o projeto de formação da Grande Alemanha. No mesmo ano, assinou um pacto de não-agressão com a União Soviética de Stalin. Em 1939 foi a vez da Polônia. Hitler invadiu seu território, exigindo a devolução do Corredor de Gdansk. Então, a França e a Inglaterra declararam guerra à Alemanha. Era o início da Segunda Guerra Mundial.
Logo no início, o alinhamento de dois grandes blocos ficou claro: o dos Aliados, liderados pela Inglaterra, URSS – No dia 22 de junho de 1941, 150 divisões do exército nazista iniciaram a invasão da União
Soviética. Estava rompido o pacto de não-agressão entre os dois países, assinado em 1939 por Hitler e Stalin –, França e Estados Unidos; e o que se formou em 1940, quando o Japão se juntou à Alemanha e à Itália para formar o Eixo: Roma-Berlim-Tóquio. Esse importante e triste conflito terminou somente no ano de 1945 com a rendição da Alemanha e da Itália. O Japão, último país a assinar o tratado de rendição, sofreu um forte ataque dos Estados Unidos, que despejou bombas atômicas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasáki provocando a morte de milhares de cidadãos japoneses inocentes, deixando um rastro de destruição nestas cidades.
Com o final do conflito, em 1945, foi criada a ONU (Organização das Nações Unidas), cujo objetivo principal era a manutenção da paz entre as nações. Iniciou-se também um período conhecido como Guerra Fria, colocando, em lados opostos, Estados Unidos e União Soviética. Tal período foi marcado por uma disputa geopolítica entre o capitalismo norte-americano e o socialismo soviético, e ambos os países buscavam ampliar suas áreas de influência sem entrar em conflitos armados.

O MUNDO PÓS-GUERRA
O embate dessas duas superpotências que emergiram do pós-guerra vai ocorrer não no campo de batalha já que uma guerra, naquele momento, seria sinônimo de destruição da raça humana, em razão da multiplicação dos arsenais atômicos de ambos os lados, mas no terreno sombrio que passou a ser conhecido como Guerra Fria. Outro efeito significativo do pós-guerra foi o processo de esfacelamento dos grandes impérios coloniais, principalmente com a perda do poderio de França e Inglaterra, duas grandes potências até a Segunda Guerra.
Outro legado importante do pós-Segunda Guerra foi a questão da condição da mulher na sociedade ocidental, que passou por significativas e permanentes mudanças. Ao substituir a mão-de-obra masculina durante a guerra, a mulher conquistou um espaço até então inédito do qual não houve mais retorno.

Mesmo com as crises, é neste período que aconteceu o que o historiador britânico Eric Hobsbawn chama de “Era de Ouro do Capitalismo”. A partir do final da década de 1950 até início da década de 1970, o mundo capitalista apresentou um crescimento extraordinário, agora sob uma nova condição, que era justamente aquela de que as contradições internas do próprio capitalismo não levariam a um conflito mundial, já que as contradições principais eram direcionadas ao combate ao socialismo. Simultaneamente, o sistema socialista começava a mostrar sinais de fragilidade. Se por um lado a URSS tinha conseguido se transformar em uma potência industrializada, erradicar o analfabetismo e resolver inúmeros problemas sociais como os relacionados à moradia e à saúde, por outro lado sempre cerceou a liberdade individual. Quanto à política, muito cedo a promessa de que o poder deveria ser dado aos sovietes foi desmentida com a crescente identificação entre Estado e Partido Único. A centralização do poder criou a camada dirigente dos burocratas que mantinham privilégios e não conseguiam evitar a corrupção.

Entre 1991 e 1992, o comunismo da União Soviética recebeu o golpe final, com a implementação das políticas da PERESTROIKA e GLASNOST (reestruturação e transparência). Apesar da tentativa de comandar a transição de forma pacífica, o então líder soviético Mikhail Gorbachov sofreu um golpe, foi derrubado, mas voltou em um contragolpe encabeçado por Boris Ieltsin. Este último acabou assumindo o poder, que,
por sua vez, promoveu o desmembramento da antiga União Soviética, com grande parte de suas Repúblicas se tornando países independentes. A Rússia, que era o coração do Império, no entanto, passou a enfrentar uma séria crise, tanto política como econômica, para se adaptar à nova realidade pós-socialismo.

Chegamos, dessa forma, à situação presente, na qual sobreviveu uma só superpotência mundial: os Estados Unidos. É a única que tem condições operacionais de realizar intervenções militares em qualquer canto do planeta (Kuwait, em 1991, Haiti, em 1994, Somália, em 1996, Bósnia, em 1997). Enquanto em uma fase anterior vivia-se na esfera da libra esterlina, agora é a era do dólar e do idioma inglês, que se tornou a língua universal por excelência. Pode-se até conjecturar que a globalização recente nada mais é do que a americanização do mundo acompanhada por uma sempre ascendente padronização cultural e de consumo.

Mesmo estando hoje distantes sessenta anos do fim da Segunda Guerra Mundial e tendo agregado à raça humana uma série de elementos que determinaram novas realidades à existência do homem, como o fortalecimento das bases da democracia, especialmente no mundo ocidental e o desenvolvimento das tecnologias que têm ajudado a salvar vidas permitindo que o ser humano viva mais e melhor, ainda hoje podemos dizer que os alicerces construídos ao fim daquele triste conflito seguem dando base aos atores que determinam os caminhos por onde estamos a escrever nossa história.

O Muro de Berlim tornou-se um dos mais expressivos símbolos de Guerra Fria. Na época de sua construção, a URSS controlava todo o Leste Europeu e estendia a sua influência a Cuba e a vários países africanos e asiáticos recém-emancipados. Por outro lado, a queda do Muro, em 1989 – abrindo caminho para a reunificação da Alemanha e para a alteração do mapa geopolítico na Europa Centro-Oriental – reflete a situação de crise vivida pela URSS. Tal situação, que levaria ao fim da Guerra Fria, do “socialismo real” e da própria União Soviética, começou a evidenciar-se com a ascensão de Gorbachev (1985) e a implantação de seus projetos reformistas (Glasnost e Perestroika).

O período compreendido entre a Revolução Francesa até os dias atuais é um dos mais turbulentos da História do Ocidente. Tem como emblemas o fortalecimento do capitalismo, o Estado laico, as disputas ideológicas e as duas maiores guerras que o mundo moderno já viu. O poder estava diretamente ligado ao capital; os burgueses formaram uma elite especializada no controle deste capital, e a Igreja se separou do Estado. Foi pontuada, ainda, pelas mudanças nas relações de trabalho; pela dominação da natureza pelo homem; pela ascensão e queda do comunismo; pela ascensão e consolidação do poderio norte-americano e pelo grande desenvolvimento tecnológico. Além do mais importante fenômeno de nosso tempo, que é o processo de aprofundamento da integração econômica, social, cultural e espacial e do barateamento dos meios de transporte e comunicação dos países do mundo no final do século XX: a globalização.





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ALFABETIZAÇÃO 1

Questão 1
Que critérios definem a pessoa como analfabeta funcional?

De acordo com o INAF, “é considerada analfabeta funcional a pessoa que, mesmo sabendo ler e escrever, não tem as habilidades de leitura, escrita e cálculos necessárias para viabilizar seu desenvolvimento pessoal e profissional”.

Questão 2
O INAF define quatro níveis de alfabetismo. Cite-os e explique-os.

ANALFABETISMO – Corresponde à condição dos que não conseguem realizar tarefas simples que envolvem a leitura de palavras e frases ainda que uma parcela destes consiga ler números familiares (números de telefone, preços etc).

ALFABETISMO NÍVEL RUDIMENTAR – Corresponde à capacidade de localizar uma informação explícita em textos curtos e familiares (como um anúncio ou pequena carta), ler e escrever números usuais e realizar operações simples, como manusear dinheiro para o pagamento de pequenas quantias ou fazer medidas de comprimento usando a fita métrica.
ALFABETISMO NÍVEL BÁSICO – “São consideradas funcionalmente alfabetizadas, pois já lêem e compreendem textos de média extensão, localizam informação mesmo que seja necessário realizar pequenas inferências, lêem números na casa dos milhões, resolvem problemas envolvendo uma sequência simples de operações e têm noção de proporcionalidade. Mostram, no entanto, limitações quanto às operações requeridas envolvem maior número de elementos, etapas ou relações”.
ALFABETISMO NÍVEL PLENO – “São pessoas cujas habilidades não mais impõem restrições para compreender e interpretar textos em situações usuais: lêem textos mais longos, analisando e relacionando suas partes, comparam e avaliam informações, distinguem fato de opinião, realizam inferências e sínteses. Quanto à matemática, resolvem problemas que exigem maior planejamento e controle, envolvendo percentuais, proporções e cálculo de área, além de interpretar tabelas de dupla entrada, mapas e gráficos”.

Questão 3
De acordo com o INAF, embora o nível de escolaridade seja sinônimo de competência na leitura, escrita, interpretação de textos e números, os resultados verificáveis demonstram haver incompatibilidades cognitivas com os níveis de escolaridade atingidos.

Questão 4
Quais as conclusões gerais do documento INAF 2009? Comente-os criticamente

Para o INAF as habilidades no uso da leitura, escrita e matemática não devem significar um ato contínuo dos estudos, mas sim possibilitar ao aluno enfrentarem os desafios do cotidiano do trabalho. Um ensino qualitativo e não quantitativo, condições essenciais para o pleno exercício da cidadania.

Questão 5

A avaliação diagnóstica é um procedimento de ensino a ser adotado com o objetivo de se estabelecerem relações entre a proposta de ensino, o perfil pedagógico da turma e as necessidades de aprendizagem específicas de cada aluno. O planejamento pedagógico, por sua vez, como o projeto de trabalho do professor, só se torna efetivo se elaborado a partir da articulação entre a proposta de ensino e os sujeitos da aprendizagem (Monteiro e Baptista)

Comente a relação de importância que as autoras atribuem à avaliação diagnóstica, à proposta de ensino, ao perfil pedagógico da turma, às necessidades específicas de cada alunos e ao planejamento de ensino.
Para as autoras, a interação professora/docente requer um trabalho coletivo envolvendo todo o corpo docente e os demais profissio¬nais na sua elaboração. Essa construção co¬tidiana da prática educativa exige dos seus profissionais a capacidade de fazer esco¬lhas, criar, recriar, pesquisar, experimentar e avaliar constantemente suas opções. Portanto, somente uma prática peda¬gógica autônoma garante as condições para o exercício profissional competente e para a construção de uma educação comprometida com a qualidade referenciada socialmente. Nesse sentido, para as autoras, “o direito de ter acesso ao mundo da linguagem escrita e dele se apro¬priar não pode descuidar-se do direito de ser criança”.

Questão 6
Como Monteiro e Mourão (2009) entendem os termos ALFABETIZAÇÃO e LETRAMENTO e que relações sugerem haver entre eles na prática pedagógica?

Para as autoras, “alfabetização se refere ao processo por meio do qual o sujeito domina o có¬digo e as habilidades de utilizá-lo para ler e escrever. Trata-se do domínio da tecnologia, do conjunto de técnicas que o capacita a exercer a arte e a ciência da escrita”.
“Letramento é o exercício efetivo e competente da escrita e im¬plica habilidades, tais como a capacidade de ler e escrever para informar ou informar-se, para interagir, para ampliar conhecimento, capacidade de interpretar e produzir diferentes tipos de texto, de inserir-se efetivamente no mundo da escrita, entre muitas outras”
Segundo Monteiro e Mourão, a relação entre alfabetização/Letramento na prática pedagógica visa considerar a realidade sociocultural dos alunos e o contexto da escola com o objetivo de mobilizar os processos de aprendiza¬gem das crianças de modo a ajudá-las no desenvolvimento das capacidades relaciona¬das à leitura e à escrita e na construção de representações sobre esse objeto de estudo. Buscando, nesse sentido, referên¬cias metodológicas para projetar seus traba¬lhos junto às crianças.

Questão 7
Tomando por base o artigo de Monteiro e Baptista (2009), reúna as idéias principais das autoras nos tópicos indicados a seguir, e em seguida comente-os criticamente.
a. O desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita de palavras, frases e textos em sala de aula
b. Elementos para a construção de uma proposta pedagógica

A) De acordo com Batista e Monteiro, “a escrita de palavras, frases e leitura de textos leva tempo e requer treino por parte das crianças. Para isso, um conjunto de atividades de leitura e escrita de palavras e frases deve fazer parte do planejamento pedagógico dos professo¬res desde o primeiro ano do Ensino Funda¬mental. Simultaneamente, as crianças terão ainda que desenvolver a capacidade de ler e interpretar textos com autonomia”. Entende-se, portanto, que as autoras sugerem um contato pleno dos mais diversos textos, escritos ou imagéticos, para que as crianças identifiquem, desde a tenra idade, em contato com esses materiais, a mensagem, relativos aos seus contextos sociais.

B) Para as autoras, o conhecimento de elementos que compõem os textos escritos, os seus esti¬los, a identificação do autor, a finalidade e o contexto, são construídos na prática cotidiana de leitura e escrita. Essa construção requer uma orientação adequada no sentido de, as crianças, mesmo antes de terem domínio do sistema de escrita, conhecerem as especi¬ficidades dos gêneros textuais, a forma como os textos devem ser interpretados de forma a desenvolverem uma postura de leitores críticos.

Questão 8
A partir da leitura do texto de Monteiro e Baptista (2009), explique os níveis conceituais da escrita construídos por crianças.

Para Monteiro e Batista, a criança, no primeiro momento de confrontação com as marcas gráficas, sejam elas impressas em livros, cartazes etc, vê nascer um longo processo de construção de esquemas conceituais. O desenrolar desse processo apresenta-se, em primeiro período, pela distinção entre o modo de representação icônico e não icônico. No segundo período, ocorre a construção de formas de diferenciação; o aprendiz busca exercer um controle progressivo das variações sobre os eixos qualitativos e quantitativos para, finalmente, no terceiro período, concretizar o processo fonético que se inicia com um período silábico e culmina em um período alfabético.
Nesse sentido, para as autoras, o longo processo de construção de esquemas conceituais que se desenvolve desde os primeiros contatos da criança com a escrita se inicia com a capacidade de distinguir desenho de escrita. Posteriormente elabora hipó¬teses sobre a quantidade, a combinação e a distribuição das letras. Compreende o que é que a escrita representa e, finalmente, tenta fazer coincidir a escrita e o enunciado oral.



Resumo Alfabetização e Letramento
O ENSINO E A APRENDIZAGEM DA LINGUAGEM ESCRITA EM CLASSES DO PRIMEIRO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL Sara Mourão Monteiro / Mônica Correia Baptista

Como único nível de ensino de matrícula obrigatória no País, o Ensino Fundamen¬tal, ao ter ampliada sua duração de oito para nove anos, trouxe para essa etapa da educação básica um novo contingente de crianças. Ainda que algumas das crianças de seis anos frequentassem instituições pré-escolares, a incorporação desse segmento no Ensino Fundamental impõe novos de¬safios, sobretudo pedagógicos, para a área educacional.

Para se assegurar aos aprendizes o ple¬no desenvolvimento de suas potencialidades, é fundamental, dentre outros aspectos, que a ação educativa se baseie em uma orientação teórico-metodológica, que se definam os ob¬jetivos de ensino, a organização do trabalho pedagógico, o tipo de abordagem que se quer dar ao conhecimento e, por fim, que se con¬sidere a realidade sociocultural dos alunos e o contexto da escola.
Para mobilizar os processos de aprendiza¬gem das crianças de modo a ajudá-las no desenvolvimento das capacidades relaciona¬das à leitura e à escrita e na construção de representações sobre esse objeto de estudo, as propostas de atividades e as estratégias metodológicas precisam ser sequenciadas, articuladas e contextualizadas, ou seja, as crianças precisam participar de um conjun¬to de atividades caracterizado por um ciclo de ações e procedimentos de ensino-apren¬dizagem – as chamadas Situações de Apren¬dizagem.
Vale ressaltar, ainda, que, para uma propos¬ta de ensino se tornar um referencial e se materializar em uma prática de ensino ade¬quada, ela deverá ser validada e reconstruí¬da a partir do conhecimento que se tem das crianças e também das interações que se es¬tabelecem entre os participantes do grupo escolar e deles com os objetos do conheci¬mento.

A avaliação diagnóstica é um procedimento de ensino a ser adotado com o objetivo de se estabelecerem relações entre a proposta de ensino, o perfil pedagógico da turma e as necessidades de aprendizagem específicas de cada aluno. O planejamento pedagógico, por sua vez, como projeto de trabalho do professor, só se torna efetivo se elaborado a partir da articulação entre a proposta de ensino e os sujeitos da aprendizagem.

O LETRAMENTO
Os conceitos de alfabetização e letramen¬to ressaltam duas dimensões importantes da aprendizagem da escrita. De um lado, as capacidades de ler e escrever propriamente ditas, e, de outro, a apropriação efetiva da língua escrita: “[…] aprender a ler e escrever significa adquirir uma tecnologia, a de co¬dificar em língua escrita e de descodificar a língua escrita; apropriar-se da escrita é tornar a escrita ‘própria’, ou seja, assumi-la como sua propriedade” (SOARES, 1998, p.39).
Alfabetização se refere ao processo por meio do qual o sujeito domina o có¬digo e as habilidades de utilizá-lo para ler e escrever. Trata-se do domínio da tecnologia, do conjunto de técnicas que o capacita a exercer a arte e a ciência da escrita.

Letramento, por sua vez, é o exercício efetivo e competente da escrita e im¬plica habilidades, tais como a capacidade de ler e escrever para informar ou informar-se, para interagir, para ampliar conhecimento, capacidade de interpretar e produzir diferentes tipos de texto, de inserir-se efetivamente no mundo da escrita, entre muitas outras.
Em geral, é na escola que as crianças se alfabe¬tizam, desenvolvem capacidades de leitura e produção de textos. Mas a importância da escola se acentua, sobretudo, para aquelas crianças cujo acesso a materiais escritos é restrito. A escola, para esse segmento, se constitui no espaço privilegiado e, às vezes, único para adquirir capacidades e habilida¬des que permitam usufruir a cultura letrada, interagir com ela e ampliar suas oportuni¬dades de se apropriar de bens culturais que, pela sua valorização, têm dominado as rela¬ções sociais em contextos mais amplos.

Além do contato com o ma¬terial escrito, as crianças precisam ter opor¬tunidades de observar e reelaborar suas re¬presentações sobre o “para que” e “como” as pessoas lêem e escrevem em suas ativi¬dades diárias. Para isso, é importante que a ação pedagógica promova a participação das crianças em práticas autênticas de leitu¬ra e de escrita, no cotidiano da sala de aula, nas quais elas possam sempre interagir com esse objeto do conhecimento.

Mas o que ler e escrever para e com as crian¬ças? A leitura de livros de literatura em voz alta pelos professores pode ser um desses momentos em que se pratica a leitura com a participação dos alunos. A cada livro lido pela professora, as crianças vão incorporando no¬vas referências sobre como se configuram os livros de literatura (localização do título, do nome do autor, da editora, etc.) A leitura em voz alta desperta o desejo e a curiosidade das crianças. Quando elas gostam da história que foi lida em sala de aula, acabam buscando os livros em momentos livres de leitura. Portan¬to, a leitura em voz alta para as crianças pode despertar o desejo de ser leitor. Vale ressaltar a importância de se lerem outros materiais de leitura e buscar apresentar às crianças va¬riados gêneros textuais.

Também é importante levar para a sala de aula as experiências de leitura que as pro¬fessoras têm como adultos. Trazer materiais que estão sendo lidos ou escritos pelos pro¬fissionais da escola e relatar para as crian¬ças como são produzidos os textos e como se caracterizam os momentos de leitura na escola e em outros lugares são atitudes que podem aguçar o interesse das crianças para as práticas de leitura e escrita.
Nos contextos sociais em que os adultos fazem uso da língua escrita em suas ações cotidianas, desde muito cedo as crianças co¬meçam a lidar com textos escritos por meio da observação e do acompanhamento dessas situações de prática de leitura e escrita. Elas começam, mesmo antes de terem domínio do sistema de escrita, a conhecer as especi¬ficidades dos gêneros textuais, apreendendo não apenas o sentido das atividades de leitu¬ra e escrita, mas também a maneira como os textos devem ser interpretados.

Qualquer que seja a estratégia ado¬tada, a professora pode propor às crianças que:

Reescrevam o texto com palavras mais simples para expressar seu conteúdo;
Marquem partes dos textos lidos de acordo com a informação requerida ou com o objetivo da leitura;
Grifem palavras de acordo com o que se quer ressaltar;
Façam resumos do que está escrito;
Façam anotações sobre o texto;
Realizem leituras individuais ou em duplas (um aluno que já se apropriou do funcionamento do sistema de es¬crita pode ler para outro que ainda não o faz);
Realizem leituras teatralizadas de tex¬tos ou de trechos de textos;
Realizem leituras com pausas planeja¬das e contextualizadas, com pergun¬tas que orientem a interpretação das crianças;
Realizem leituras seguidas de conver¬sas orientadas por questões previa¬mente planejadas pela professora;
Produzam textos em pequenos grupos ou em duplas (também se podem agru¬par as crianças de forma que aquelas que já são capazes de ler e escrever se façam de escribas do grupo);

A escrita infantil segue uma linha regular de evolução que, con¬forme comprovaram as investigações de Ferreiro e Teberosky (1991), independem da procedência dos sujeitos quanto a meios culturais, situações educativas, línguas, etc.
Na linha da evolução psicogenética6, iden¬tificam-se três grandes períodos distintos entre si, dentro dos quais cabem múltiplas subdivisões:

Primeiro período: Caracteriza-se pela distinção entre o modo de representa¬ção icônico e não icônico7;
Segundo período: Ocorre a construção de formas de diferenciação; o aprendiz busca exercer um controle progressivo das variações sobre os eixos qualitati¬vo e quantitativo;
Terceiro período: Marcado pela fone¬tização8 da escrita, que se inicia com um período silábico e culmina em um período alfabético.

Em síntese

O longo processo de construção de esquemas conceituais que se desenvolve desde os primeiros contatos da criança com a escrita se inicia com a capacidade de distinguir desenho de escrita. A essa etapa se segue uma outra, na qual a criança elabora hipó¬teses sobre a quantidade, a combinação e a distribuição das letras, ou seja, a criança, por seu próprio esforço intelectual, estabelece condições gráficas para a realização do ato de leitura ou de escrita.
O próximo passo é a tentativa de compreender o que é que a escrita representa e, para tentar responder a essa questão que ela mesma se coloca, formula uma primeira ideia: pensar que a escrita é um nome. Para a criança, esta propriedade social, ou esta ma¬neira de chamar as coisas, é o que a escrita representa.

O desafio seguinte é considerar outra unidade que não seja o conjunto de letras com¬preendido entre os espaços em branco, que representa a unidade “palavra gráfica”. O que a criança trata de compreender é o que representam os espaços em branco e, a partir daí, ajustar as segmentações possíveis do enunciado até encontrar unidades equivalentes.
Finalmente, a criança tenta fazer coincidir a escrita e o enunciado oral. Essa primeira relação entre fragmentos escritos e unidades orais se estabelece no nível da sílaba. É o que se chamou de “hipótese silábica”. A partir desse avanço conceitual, o aprendiz se¬gue elaborando hipóteses para encontrar soluções adequadas, capazes de representar os sons graficamente, e, ao contrário, conhecer o som correspondente à grafia.



LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO: PENSANDO A PRÁTICA PEDAGÓGICA
Telma Ferraz Leal / Eliana Borges Correia de Albuquerque / Artur Gomes de Morais

Conceitos (SOARES):
*Alfabetização
*Letramento
*Alfabetizar letrando

Atitude necessária para “alfabetizar letrando”:
*democratizar a vivência de práticas de uso da leitura e da escrita

A apropriação do sistema alfabético exige que o estudante compreenda:
*o funcionamento da escrita alfabética
*a notação alfabética
*a correspondência entre as letras e os fonemas

Apresenta reflexões sobre:
*aspectos constitutivos da prática de alfabetização na perspectiva do letramento
*a alfabetização dos estudantes para lidar de forma autônoma e crítica com a leitura e a escrita
*características de jogos com o propósito de alfabetizar



Resumo Alfa 1 - aula 6 - Cultura e linguagem: a questão da oralidade

Nada melhor do que abordar a questão da oralidade a partir da narrativa de uma professora da Educação de Jovens e Adultos (EJA) sobre as suas experiências com adultos e analfabetos.
Lembro-me da minha surpresa ao descobrir, já adulta, que meu avô era analfabeto. Não conseguia acreditar que aquele homem que tocava vários instrumentos musicais, se comunicava muito bem (embora não falasse muito), dirigia a caminhonete da família e insistia em me ensinar a dirigir não soubesse ler e escrever!

Preconceitos como esse evocam imagens de ignorância e incapacidade, estigmatizando as pessoas cuja característica específica é apenas não saber ler e escrever. Considerar analfabetismo como sinônimo de “ignorância” é uma produção ideológica que reconhece apenas a cultura escrita como legítima de saber e desvaloriza a cultura oral, tratando-a como uma SUBCULTURA.

Na vida cotidiana, internalizamos estereótipos e esquemas já elaborados, que recebemos como herança e tratamos como “verdades”. Assim sendo, podemos passar uma vida inteira sem elaborar uma atitude crítica em relação a essas verdades.

No cotidiano tanto produzimos saberes que emancipam e libertam quanto saberes que marginalizam e excluem (os preconceitos), como nos ensina Heller (1989) “( ...) um preconceito sempre depende de uma escolha relativamente livre (....) Cada um é responsável pelos seus preconceitos” (p. 60).

Ver a cultura oral como uma forma “mais atrasada” de transmissão/ produção de conhecimentos e valores é desconsiderar o fato de que a maioria dos conhecimentos que usamos no dia-a-dia nos foi transmitida oralmente, sob forma de narrativas, conversas, conselhos, metáforas, parábolas.

A cultura oral se vale dos recursos da memória para transmitir, às novas gerações, conteúdos, fatos, valores, normas que considera essenciais. Nas sociedades eminentemente orais (como as antigas sociedades ocidentais e africanas), as dramatizações, as músicas, as danças, os rituais, as rimas e os ritmos dos poemas e cantos, bem como as narrativas, têm uma FUNÇÃO MNEMÔNICA.

São diversas as experiências que cada professor/professora, alunos/alunas, famílias e comunidade levam para o espaço escolar: experiências fundadas e enraizadas nas múltiplas dimensões da vida cotidiana – artísticas, religiosas, amorosas, literárias, sexuais, políticas, silenciadoras... Sendo múltiplas as experiências, são inúmeras as histórias em potencial que habitam cada um de nós. Histórias que, por não se reduzirem à vivências individuais, deixam marcas no ouvinte.

A cultura oral, mais do que uma forma de comunicação, traduz um modo específico de produção e transmissão de conhecimentos.

No que se refere à alfabetização, a incorporação da cultura oral dos alunos das classes populares à prática cotidiana da sala de aula traduz-se na compreensão de que “nós somos a língua que falamos”, e de que esta língua (assim como os sujeitos, assim como a realidade) está em permanente movimento, portanto, não há “erros” ou “acertos” absolutos. Tal postura pedagógica é também uma postura política, ou seja, uma postura político-pedagógica que, ao reconhecer e respeitar a variedade lingüística do aluno e o conhecimento intuitivo-prático que ele possui (produzido oralmente), aceita a língua que ele fala, valoriza a sua história, respeita sua identidade e reconhece seus diferentes modos de aprender e produzir conhecimento.

A oralidade e a cultura oral têm um importante papel na produção de conhecimentos.
– Os mitos tanto podem significar uma construção ideológica que mascara a realidade como uma forma de construção, transmissão e perpetuação de conhecimento.
_ Estereótipos e preconceitos são mecanismos de exclusão e interdição à aprendizagem da leitura e da escrita.
– A narrativa é um instrumento de produção/socialização de saber.
– Reconhecer e valorizar a cultura oral do sujeito-aprendiz é uma postura políticopedagógica essencial na construção de uma prática alfabetizadora emancipatória.



Resumo Alfa 1 - aula 7- Cultura e linguagem: a questão da oralidade

Sendo multidimensional, a alfabetização não pode ser tratada apenas em seus aspectos teórico-metodológicos. A alfabetização é uma prática social e, como tal, deve ser abordada em suas dimensões histórica, política, sociocultural, antropológica, psicológica, lingüística e pedagógica.

Perspectiva Pedagógica
Investiga os processos metodológicos e os procedimentos, didáticos, de ensino e aprendizagem

Perspectiva Política
Possibilita uma reflexão crítica sobre si e sobre o mundo.

Perspectiva Lingüística
Estuda os modos de funcionamento dos sistemas de escrita.

Perspectiva Sociocultural
Busca compreender o valor simbólico da escrita nos diferentes contextos sociais.

Perspectiva Antropológica
Volta-se para redes de comunicação predominantemente

Perspectiva Histórica
Investiga os processos de acumulação, difusão, circulação e distribuição da escrita: livros, imprensa, bibliotecas, informática.

Perspectiva Psicológica
Investiga os processos cognitivos de aprendizagem da língua escrita.

Historicamente, a prática alfabetizadora tem privilegiado a questão do método. Ao eleger o método como conteúdo da alfabetização, a prática pedagógica restringe-se a uma concepção associacionista, que vê o conhecimento da leitura e da escrita como associação mecânica de estímulos visuais e respostas sonoras.

Barbosa nos alerta para os perigos da abordagem associacionista:

Subjacente a essa concepção, transparece um modelo específico de leitura: ler é sonorizar a escrita e, para tanto, o leitor deve mobilizar um dispositivo desenvolvido no processo de alfabetização que permite a transformação de sinais gráficos em sinais sonoros: de posse dessa estratégia, o alfabetizado consegue identificar cada palavra escrita, mesmo aquelas cujos significados ele não conheça (1990, p. 70).

Dessa forma, o associacionismo nega todo um repertório de conhecimento produzido, acumulado e organizado pelo sujeito aprendiz – o conhecimento oriundo de sua experiência de vida – reduzindo a aprendizagem e o ensino a uma questão de método.
Na abordagem associacionista aprender a ler e a escrever é dominar a técnica de codificação e decodificação.
A alfabetização, por sua multidimensionalidade, envolve outros aspectos que se relacionam à codificação-decodificação. Estamos falando dos processos de significação
e de atribuição de sentidos: a apropriação da leitura e da escrita é um processo complexo de codificação do oral e de decodificação do escrito que se desenvolve não pela memorização e repetição, mas sim através da elaboração de significados e da produção de sentidos.

Qualquer falante da Língua Portuguesa possui conhecimentos intuitivo-práticos sobre nossa língua. Tal conhecimento é produzido na vida cotidiana e não adquirido na escola. O desafio que se coloca para a alfabetização é romper com os preconceitos subjacentes às práticas pedagógicas de nossas escolas.
Do ponto de vista lingüístico, a prática alfabetizadora, ao incorporar a variedade e diversidade de falares, reconhece a existência de normas de organização lingüística diferentes da estabelecida como padrão (com uma gramática específica, coerente, lógica e funcional). Tal reconhecimento implica a incorporação dos usos e saberes cotidianos de uma maioria marginalizada da população, que emprega uma variedade não-padrão da Língua Portuguesa.

A alfabetização é uma prática social, multidimensional e, como tal, deve ser abordada
em suas dimensões histórica, política, sociocultural, antropológica, psicológica, lingüística e pedagógica.
As metodologias tradicionais da alfabetização de base associacionista concebem a aprendizagem da escrita como transcrição da fala em sinais gráficos. Reduz a alfabetização aos aspectos de codificação e decodificação.
Para o processo de alfabetização dos alunos e alunas das classes populares, o preconceito lingüístico tem conseqüências extremamente negativas, contribuindo significativamente para a produção do fracasso escolar.



Resumo Alfa 1 aula 10 Concepções epistemológicas da alfabetização: a perspectiva mecanicista – 1ª parte

A concepção mecanicista de alfabetização é fundamentada nos princípios do Positivismo, em um momento histórico de afirmação e consolidação de uma sociedade industrial capitalista. No Brasil, o principal interesse, na definição de políticas públicas para a educação, era o investimento na criação de métodos que garantissem o sucesso dos alunos na aprendizagem do processo de leitura e de escrita.

O Brasil do pós-guerra, especificamente em 1946, voltou-se para uma perspectiva de educação centrada no fortalecimento da democracia e no crescimento econômico. Dessa forma, a alfabetização ganhou um significado atrelado às necessidades de atendimento do mercado de trabalho, e precisava, assim, garantir as habilidades exigidas para a caracterização de mão-de-obra qualificada, com padrões mínimos de atendimento à demanda das indústrias.

Herdamos, desde a Antigüidade, o caminho da abordagem sintética como principal alternativa para alfabetizar. Os primeiros registros de seu uso datam de quase 2000 anos. Foi esse o modelo que atravessou toda a Antigüidade e predominou também na Idade Média, e cujo percurso é bastante conhecido.
A abordagem sintética considera a língua um objeto externo de conhecimento para o aprendiz. Seu aprendizado parte dos aspectos mais simples para os mais complexos. Aprende-se primeiro o alfabeto, depois as sílabas, em seguida as palavras, as frases e, por último, os textos completos. A análise dos elementos da língua é racional, é mecânica. Não se pode avançar sem que as dificuldades de cada etapa sejam superadas. A alfabetização tinha como princípio a soletração, seguida da silabação, e era organizada em função de dificuldades ortográficas crescentes, respeitando uma progressão que ia da letra ao texto.”

Toda a estruturação da matéria a ser ensinada correspondia a uma lógica adulta e não a uma lógica da criança. Por exemplo: propunha-se partir do simples para o complexo, sem pensar se, para a criança, o simples é a letra ou a palavra. (BARBOSA, 1998, p. 47)

A abordagem analítica propõe que o processo de aprendizagem seja disparado pelo reconhecimento global de palavras-chave ou de frases.
A criança, inicialmente, identifica as palavras pelo desenho, pela forma. Acaba por gravá-las, decorando como são escritas e, também, o seu significado. Aos poucos, as palavras vão se decompondo em sílabas que formam novas palavras.
Nessa abordagem, o sentido das palavras é construído internamente pelo aluno. As primeiras frases são escritas a partir das palavras-chave lançadas pela professora, na tentativa de construção de um texto. No entanto, não há nos métodos que seguem a abordagem analítica nenhuma referência ao procedimento com o qual seria realizada a análise do texto que não fosse reduzida à análise dos aspectos gramaticais.

No Brasil, os adeptos do método sintético travaram acirradas discussões e não adotaram o caminho da abordagem analítica. Permaneceram utilizando o velho e conhecido percurso da “sopa de letrinhas”, que bem misturadas renderiam boas receitas.
O que se observou mais tarde, em torno da década de 1940, foi uma tendência a misturar as duas abordagens, o que alguns educadores chamaram de método eclético ou misto. A proposta consistia em apresentar as palavras-chave, escolhidas pelos professores, de acordo com o maior número possível de combinações geradas entre suas sílabas. Posteriormente, eram decompostas e recombinadas. Surgem, então, nossas velhas conhecidas “famílias silábicas” e o conhecido milagre do Ba-Be-Bi-Bo-Bu.

Nas escolas, o advento dos métodos vem salvar as professoras, também formadas no magistério pela educação mecanicista, que acreditavam na fórmula mágica das receitas prontas como solução para os problemas do ensino da leitura e da escrita.
A ideologia subjacente à concepção de alfabetização mecanicista é a mesma que conduz a ciência como verdade absoluta, que reduz a diferença à igualdade, à padronização. Os interesses dominantes recaem sobre a educação, de forma que ela seja vista como um campo de aplicação de teorias pré-concebidas, de valorização do saber científico e esteja à serviço da manutenção das relações de poder.

A concepção mecanicista de alfabetização é fundamentada na idéia de homogeneização, de padronização. O foco recai sobre a questão do método, de acordo com o modelo da ciência positivista vigente e com os reflexos de uma sociedade industrial capitalista.
Na escola, o principal fator de preocupação seria a forma como o professor deveria ensinar, pois com um bom método, todos aprenderiam sem dificuldade, tal como numa experiência de laboratório, em que o cientista controla as variáveis e tudo o que pode interferir no processo. O importante é seguir rigorosamente o que está escrito. Quando algo não dá certo, procura-se um culpado, porque ele, o professor, fez tudo certinho, como consta no manual. Dessa forma, quando algo sai errado, inevitavelmente, a avaliação recai sobre os fatores externos, preferencialmente no aluno, pois a culpa nunca será do método.

RECEITA DE ALFABETIZAÇÃO
Ingredientes
1 criança
1 uniforme escolar
1 sala de aula decorada
1 cartilha

Preparo
Pegue a criança de 6 anos, limpe bem, lave e enxágüe com cuidado. Enfie a criança dentro do uniforme e coloque-a sentadinha na sala de aula (decorada com motivos infantis).
Nas oito primeiras semanas, sirva como alimentação exercícios de prontidão. Na nona
semana, ponha a cartilha nas mãos da criança.

Atenção: tome cuidado para que ela não se contamine com o contato de livros, jornais, revistas e outros materiais impressos.

Abra bem a boca da criança e faça com que ela engula as vogais. Depois de digeridas as vogais, mande-a mastigar uma a uma as palavras da cartilha. Cada palavra deve ser mastigada no mínimo sessenta vezes. Se houver dificuldade para engolir, separe as palavras em pedacinhos.
Mantenha a criança em banho-maria durante quatro meses, fazendo exercícios de cópia.
Em seguida, faça com que a criança engula algumas frases inteiras. Mexa com cuidado
para não embolar.
Ao fim do oitavo mês, espete, ou melhor, aplique uma prova de leitura e verifique se ela devolve pelo menos 70% das palavras e frases engolidas.
Se isso acontecer: Considere a criança alfabetizada. Enrole-a num bonito papel de presente e despache-a para a série seguinte.
Se isso não acontecer: Se a criança não devolver o que lhe foi dado para engolir, recomece a receita desde o início, isto é, volte aos exercícios de prontidão. Repita a receita quantas vezes for necessário. Se não der resultado, ao fim de três anos enrole a criança em papel pardo e coloque um rótulo: “aluno renitente”.

(Adaptado de: CARVALHO, Marlene. Alfabetização sem receita e receita de alfabetização. In: Carpediem. BH: Centro de Aperfeiçoamento de Profissionais da Educação. Ano IV, jan./fev. 1994.)



Resumo Alfa 1 Concepções epistemológicas da alfabetização: a perspectiva mecanicista – 2ª parte

De acordo com o que foi visto na Aula 10, a concepção mecanicista de alfabetização centra-se na questão dos métodos.
No Brasil, as décadas de 1960 e 1970 foram marcadas pela proliferação de métodos de alfabetização, criados com o objetivo de oferecer aos professores eficácia e segurança. Afinal, segundo os defensores desta concepção, bastava seguir fielmente a receita dos manuais para obter sucesso na tarefa de ensinar.
Na realidade brasileira, a proliferação dos métodos tradicionais de alfabetização chegou em um momento histórico no qual tanto a preocupação como o controle sobre o que acontecia na educação eram necessários e imprescindíveis. Vivíamos a realidade
de uma ditadura militar que precisava produzir cidadãos cumpridores dos seus deveres, capazes de ingressar no mercado de trabalho para atendimento da demanda de mão-de-obra qualificada, principalmente na indústria, que se encontrava em crescimento. Dessa forma, estariam garantidos os princípios de ordem e progresso prezados pelo modelo positivista que nos foi imposto naquele momento.
O crescimento industrial e econômico das décadas de 1960 e de 1970 ficou conhecido como o “milagre brasileiro”, mas hoje conhecemos o custo desse crescimento voltado para o atendimento de políticas externas e dos interesses de manutenção e de controle do sistema vigente.

A criação de métodos de alfabetização, indicando ao professor o caminho a seguir, atendia à possibilidade de o poder político saber e controlar o que era feito em sala de aula. Por esse motivo, as políticas públicas incentivavam o uso de cartilhas e ofereciam cursos de diferentes métodos para serem utilizados nas escolas. Com isso, o mercado editorial de livros didáticos viveu tempos áureos, pois para cada método inventado criava-se uma nova cartilha, acompanhada de um livro do professor, de um suplemento com atividades de prontidão e de cartazes para serem usados no mural de apoio da sala de aula. O volume de compra desse material era bastante significativo, de modo que muitos cursos eram patrocinados e realizados pelas próprias editoras.
O professor não precisava pensar no que deveria fazer de novo ou criativo em sua sala de aula.
Na outra ponta, o aluno não precisava pensar para aprender, bastava seguir o que era determinado pelo professor e pela cartilha para fazer as avaliações e conseguir boas notas, o que era considerado ter sucesso.

MÉTODO ALFABÉTICO
Dentro da abordagem sintética, esse método deu origem ao termo “alfabetizar”, partindo dos aspectos mais simples da língua, para os mais complexos. Para seus idealizadores, o mais simples era a unidade mínima constituinte da palavra, a letra. Universalmente aceito, tal como vimos na Aula 10, foi amplamente utilizado desde a Antigüidade até o fim da Idade Média. Em alguns países foi muito difundido, ainda no início do século XIX. A criação e difusão das cartilhas alfabéticas, principalmente na América do Norte, foi, durante um século (1783-1890), forte motivo para sua permanência no cenário educacional. Estima-se que tenham sido vendidos 80 milhões de exemplares de cartilhas (RIZZO, 1980).
Como procedimento didático, o professor ensinava primeiro o nome das letras – maiúsculas e minúsculas – na seqüência alfabética.
Em seguida, as letras eram combinadas duas a duas e deviam ser pronunciadas, pelo aluno, simultaneamente ao reconhecimento de sua forma gráfica. Assim como: ab e ba; ib e bi etc. Daí para a frente as combinações eram ampliadas em grupos de 4 ou 5 letras, para só depois os alunos treinarem a pronúncia das sílabas. Por último, essas eram apresentadas formando as palavras. Considerava-se a soletração uma peça fundamental para o ensino da língua, seguida, paralelamente, pelo ensino da escrita, enfatizando-se a caligrafia. A repetição, a fixação e a memorização das letras e das sílabas eram a base da aprendizagem nesse método. A leitura só se dava após muita soletração e repetição.
No primeiro momento, o reconhecimento dos sons da palavra era mais importante que a apropriação do seu significado.

MÉTODO SILÁBICO
Por ter a sílaba como unidade fonética inicial, esse método difere do método sintético anteriormente descrito. Ainda assim, pouca coisa muda em relação ao método alfabético, que tinha como base a soletração e a repetição. No método silábico, as sílabas são apresentadas às crianças em uma ordem estabelecida, possibilitando o maior número possível de combinações entre elas, tendo como finalidade a formação de novas palavras e, muito posteriormente, a formação de frases.
No prólogo da sua popular Cartilha da infância, Galhardo (1979) condenava firmemente a soletração e defendia a silabação como método eficiente, próprio para ensinar a ler bem, no menor espaço de tempo possível. No entanto, comparando-se a Carta do ABC e a Cartilha da infância, parece haver pouca diferença entre os dois métodos. A principal é que, na primeira, não aparecem frases, só palavras, mas o mecanismo de ensino da leitura é o mesmo (CARVALHO, 2004, p. 13).

As cartilhas do método silábico iniciam a aprendizagem pela apresentação das vogais, de seus sons e dos movimentos para a escrita de cada uma delas. Em seguida, apresentam as possibilidades de combinações entre as próprias vogais, numa artificialidade da língua que quase impossibilita a compreensão das propostas. Por exemplo: os ditongos ai, ui, eu, au, oi são apresentados com desenhos que induzem a uma contextualização, que força a identificação de que ai e ui expressam dor; o uso do eu como pronome pessoal; do au como o som do latido do cachorro e, finalmente oi, como uma saudação comum entre as pessoas.
Depois são introduzidas as famílias silábicas e as combinações entre as vogais e as consoantes. Exemplo: va-ve-vi-vo-vu; as palavras seriam: vovô, vovó, uva, ave, viu, viúva, véu, viva, Ivo, Eva. Este modelo se repete em todas as cartilhas do método silábico, variando muito pouco a ordem em que as famílias são apresentadas. No caso da Cartilha da infância, que já alcançou cerca de trezentas edições, esse modelo se repete nas suas trinta e duas lições.

À época do lançamento, o autor da cartilha dava especial relevo ao fato de apresentar as sílabas salteadas. Afirmava ele: “Apresentamos salteadas todas as sílabas para evitar a decoração inconsciente, que consegue idiotizar meninos inteligentes e ativos. É a indecoração constante” (p. 8).

A ordem de apresentação dos conteúdos proposta pelo autor é ainda hoje largamente seguida em muitos manuais: primeiro, as cinco letras que representam as vogais, depois os ditongos, em seguida as sílabas formadas com as letras v, p, b, f, d, t, l, j, m, n. O autor apresenta, no primeiro momento, as letras v, p, b, f, d, t, ou seja, aquelas cujo som é sempre o mesmo, qualquer que seja a posição que ocupem na palavra. Já as três letras que se seguem – l, m, n – podem representar mais de um som, conforme estejam localizadas no início ou no fim da sílaba; quanto ao j, o som que ele representa pode em certos casos ser escrito com ge ou gi.
As chamadas dificuldades ortográficas aparecem do meio para o fim da cartilha, incluindo os dígrafos, as sílabas travadas (terminadas por consoantes), as letras g, c, z, s e x.
A silabação, um método sintético, ainda continua em uso em algumas escolas, tanto nas cidades quanto no interior, talvez porque do ponto de vista do adulto pareça fácil de aplicar. No entanto, nem todas os alunos, sejam jovens ou crianças, se mostram capazes de entender o mecanismo da combinatória das sílabas. A meu ver, o método tem os mesmos defeitos da soletração: ênfase excessiva nos mecanismos de codificação e decodificação, apelo excessivo à memória e não à compreensão, pouca capacidade de motivar os alunos para a leitura e a escrita.
A propósito da silabação, lembro-me de uma história que ouvi em Brasília, num seminário de Educação de Jovens e Adultos. Uma professora recém-formada foi trabalhar numa escolinha rural, multisseriada, onde se misturavam alunos analfabetos e alfabetizados. Um pouco insegura, começou a trabalhar com os que sabiam ler. Uma semana depois, um dos meninos que tinham sido deixados de lado, analfabeto aos doze anos, chegou-se a ela e perguntou:
– Você não vai ensinar a ler?
– Vou, sim – disse a professora, constrangida.
– Você não sabe ensinar a ler?
– Sei, é claro! Eu sou professora, viu?
Não convencido, o menino abriu a cartilha na página da letra p e disse:
– Está vendo aqui o desenho do pato? Você lê: pato. Depois conta a historinha do pato ou canta a musiquinha do pato. Depois lê assim: pa, pe, pi, po, pu (apontava as sílabas); depois lê aqui: ta, te, ti, to, tu. Só isso, é fácil...
Em resumo, o garoto tantas vezes foi submetido ao mesmo (e infrutífero)
método que achava que sabia ensinar a ler! (CARVALHO, 2004, pp. 13-14).


Não só com o objetivo de oferecer ao professor alfabetizador a garantia e a segurança de um trabalho bem-sucedido, como também com o de controlar o "fazer" docente, surgiram, no panorama brasileiro, vários métodos cujas palavras de ordem eram: motivação, prontidão, testagem e fixação.
Difundia-se a idéia de que se esse professor seguisse, passo a passo, um método, o aluno seria efetivamente alfabetizado e, caso não fosse, o problema residiria no próprio aluno, rotulado como portador de alguma patologia.
No método alfabético, partia-se do ensino do nome das letras para o das suas combinações duas a duas e, simultaneamente, treinava-se a pronúncia e o reconhecimento da sua grafia, até chegar à combinação de quatro ou cinco letras, ao treinamento das sílabas e à formação das palavras. Enfatizavam-se a soletração e a caligrafia. Na leitura, importava mais o reconhecimento dos sons da palavra do que a apropriação do significado.
O método silábico, também com base na soletração e na repetição, tinha na sílaba a unidade fonética inicial apresentada ao aluno em uma ordem estabelecida que possibilitasse o maior número de combinações entre elas. Tinha como objetivo a formação de palavras e só posteriormente a de frases.

ESTUDO DIRIGIDO (QUESTIONARIO) ALFABETIZAÇAO I – MARIA

1) Explique o conceito de Analfabetismo Funcional, fazendo relação com o uso social da Língua materna.

O analfabeto funcional é aquele que lê e escreve o básico (nome, endereço, informações básicas) mas é incapaz de fazer inferências sobre o que lê. Ele foi exposto a algum tipo de metodologia de alfabetização, mas não consegue fazer o uso social da língua materna, ficando excluído da sociedade grafocêntrica.

2) Discuta os avanços e desafios da Educação a partir dos dados do INAF/2009.

Através dos resultados obtidos com a pesquisa, constata-se que houve um aumento no número de vagas na educação, bem como o número de anos de escolaridade, o que é um grande avanço, entretanto a qualidade continua inexistente, como demonstra a tabela Evolução do Indicador de Alfabetismo, onde o nível de analfabetos funcionais chega a 68% em 2009 (alfabetizados rudimentar 21% e básico 47%) e a tabela Nível de Alfabetismo segundo a Escolaridade em que 44% dos alunos de 1ª a 4ª séries são alfabetizados rudimentar e 41% estão no nível básico. Atingir a qualidade na educação continua sendo o grande desafio para o governo e os profissionais da área. Capacitar o indivíduo para atuar plenamente na sociedade, conseguindo entender e se fazer entender deve ser o objetivo de um pais que leva a educação à sério.

3) Qual é a construção ideológica que sustenta o discurso de que analfabetismo é sinônimo de ignorância?

O discurso de hierarquização de culturas, considerando a cultura letrada superior à oral, desprezando o conhecimento popular. Este esteriótipo de que os padrões culturais das classes dominadas são subcultura, gera preconceito e exclusão à aprendizagem da leitura e escrita.

4) Apresente dois argumentos para defender a seguinte idéia: “Não podemos separar oralidade e escrita.”

A maioria dos conhecimentos foi transmitida oralmente, sob forma de narrativas, conversas, conselhos, metáfora, parábolas. Na vida cotidiana observamos, imitamos, reproduzimos modelos, seguimos conselhos e, dessa forma, produzimos nossa existência e desenvolvemos nossas habilidades cognitivas, afetivas, sociais e políticas. Tais saberes se produzem/transmitem por meio da oralidade. As crianças aprendem primeiro através da oralidade, imitando. Reconhecer e valorizar a cultura oral do sujeito-aprendiz é uma postura político-pedagógica essencial na construção de uma prática alfabetizadora emancipatória.

5 ) A alfabetização é uma prática social e, como tal, deve ser abordada em várias dimensões. Apresente as sete dimensões discutidas na aula 07.

A alfabetização é uma prática social e o aluno deve ser visto como um todo e não como alguém que precisa somente aprender a ler e escrever. Diante disso a alfabetização deve ser abordada em suas dimensões:

HISTÓRICA: analisa a história da escrita e os processos de acumulação, difusão, circulação e distribuição da escrita nos diferentes momentos históricos. História da leitura e escrita.
POLÍTICA: se traduz no processo de conscientização , possibilitando a reflexão crítica do sujeito sobre sua própria capacidade de refletir, e refletir sobre sua posição no mundo.
SOCIOCULTURAL: privilegia os significados, os sujeitos, os usos e as práticas socioculturais. São os usos e práticas da alfabetização.
ANTROPOLÓGICA: prioriza os processos de autonomização, subjetivação e reflexividade. Se prende nas diferenças entre cultura oral e escrita.
PSICOLÓGICA: trata da investigação dos processos cognitivos de aprendizagem da língua escrita e das diferenças entre as estruturas de pensamento de indivíduos alfabetizados e não-alfabetizados.
LINGUÍSTICA: trata as questões relativas ao código, à simbolização, à convenção. Aborda o confronto entre o sistema fonológico e o sistema ortográfico da língua. Aquisição dos códigos e regras.
PEDAGÓGICA: investiga os processos metodológicos e os procedimentos didáticos de ensino e aprendizagem.

6) Descreva a concepção mecanicista de alfabetização, identificando a influência dos interesses da sociedade industrial capitalista nos processos educacionais, especialmente na alfabetização.

O crescimento da sociedade industrial nas primeiras décadas do século XX e a necessidade de mão de obra capaz de reproduzir perfeitamente o padrão que lhes era ensinado e obedecer sem criticar, produziram reflexos na educação, os quais permaneceram por um longo tempo. A concepção mecanicista é fundamentada nos princípios do Positivismo, ou seja, na busca pelas verdades absolutas, universais que pudessem ser aplicadas em todos os casos, homogeneizando as diferenças. A valorização da criação de métodos que pudessem ser aplicados, com a possibilidade de quantificar, medir, verificar e controlar os resultados era a fórmula mágica para o sucesso de qualquer empreitada. Essa padronização e homogeneização dos processos educacionais apresentavam-se como maneiras de garantir a qualidade e o sucesso dos resultados.
A ABORDAGEM SINTÉTICA considera a língua um objeto externo de conhecimento para o aprendiz, parte dos aspectos mais simples para os mais complexos (alfabeto/sílaba/palavra/frase). Respeitava uma progressão que ia da letra ao texto.
A ABORDAGEM ANALÍTICA propõe que o processo de aprendizagem seja disparado pelo reconhecimento global de palavras-chave ou de frases. A criança, inicialmente, identifica as palavras pelo desenho, pela forma, Acaba por gravá-las, decorando como são escritas e, também, o seu significado. Aos poucos, as palavras vão se decompondo em sílabas que formam novas palavras.

7) Discuta os conceitos de alfabetização e letramento. Além disso, apresente uma atividade prática para cada conceito.

Alfabetizaçao: saber ler e escrever – é o processo pelo qual o sujeito domina o código e as habilidades de utilizá-lo para ler e escrever. É o domínio da tecnologia, do conjunto de técnicas que o capacita a exercer a arte e a ciência da escrita e leitura.
Letramento: faz uso da leitura e da escrita no exercício da cidadania, é mais crítico - é o exercício efetivo e competente da escrita e implica habilidades, tais como ler e escrever para informar ou informar-se, para interagir, para ampliar conhecimento, capacidade de interpretar e produzir diferentes tipos de textos, de inserir-se efetivamente no mundo da escrita, entre muitas outras.
Atividade de alfabetização: ensinar o aluno a decodificar as letras, podendo ser por exercício de ligar a figura à letra, completar as letras que faltam em determinado nome de acordo com a figura, etc.
Atividade de letramento: através de desenhos, palavras, textos, música, fazer o aluno pensar sobre o assunto, o que aquilo lembra a ele, onde viu, o que sentiu, relacionar com suas experiências e vivências, etc, e com isso ir apresentando as palavras e sua formação.

8) O que você entendeu quando Soares afirma que devemos alfabetizar letrando? Dê um exemplo prático.

Soares afirma que “ alfabetizar e letrar são duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja, ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita”. É disponibilizar ao aluno diversos tipos de textos, principalmente àqueles mais desfavorecidos que têm na escola a oportunidade dessa oferta, para explorar os sentidos, significados e interpretações. O convívio com o mundo letrado em que vivemos abre as portas para a alfabetização numa concepção de letramento. As condições sociais, culturais e econômicas da sociedade em que o sujeito está inserido interferem no grau de letramento. O exemplo prático é a junção das duas atividades acima: apresentar um texto, uma música, poema, receita, lista de compras e trabalhar de forma variada, sempre contextualizando.

9) Em sua opinião, a partir de tudo o que você estudou, quais são os desafios que se colocam para alfabetização na contemporaneidade?

A formação de novos usuários da língua escrita se faz por meio de um longo caminho que exige prática constante e um olhar atento dos formadores para os interesses, as curiosidades, os materiais de acesso, os hábitos e os modos de viver das crianças. Alfabetizar é transformar os vários estímulos, experiências, vivências da criança que habita um mundo letrado e levar para a sala de aula transformado em contexto, desenvolvendo nela a capacidade de leitura ampliada de mundo.

O processo de letramento não é um trabalho a ser conquistado da noite para o dia, ao contrário, acontece aos poucos e envolve uma elaboração criteriosa e planejada do processo, com uma prática reflexiva do dia-a-dia, com o objetivo principal de transformar o sujeito em agente construtor do próprio conhecimento.


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3 - CURRÍCULO

Resumo - Currículo - aula 9 - carta de intenções curriculares – Andréa Rosana Fetzner

Todo Projeto Político-Pedagógico precisa identificar qual a leitura que a instituição tem da sociedade atual e qual a função da educação escolar nessa sociedade. Este é um dos primeiros elementos de uma proposta pedagógica: a quem servirá a escola e com qual sociedade e sujeito ela está comprometida.
É, ao termos a ideia de aonde queremos chegar e (sociedade e sujeito que pretendemos favorecer com esta formação), ao mesmo tempo, de onde estamos (a escola que temos, seu funcionamento, seus pontos fortes e fracos e como queremos que ela seja), que o Projeto passa a ter que responder: o que entendemos por currículo? São os compromissos e as leituras (de sociedade, de sujeito, de escola), que fazem a escola definir sua compreensão de currículo.

O Projeto Político-Pedagógico (tanto de uma rede de ensino quanto de uma escola em particular) precisa expressar o que é entendido como currículo, por exemplo, se a compreensão da escola o percebe como transmissão cultural, como treinamento de habilidades, como fomento do desenvolvimento natural ou como produção de mudanças conceituais, permeadas pela cultura.
A escola (ou rede de ensino) precisa definir em seu Projeto Político- Pedagógico como será organizado o tempo escolar: como serão enturmadas as alunas e os alunos, com que critérios (conhecimento anterior, fase de formação, escolaridade, dificuldades).

Outro aspecto relevante do Projeto Político-Pedagógico trata da forma de participação dos segmentos da escola (famílias, professoras e professores, estudantes, funcionárias e funcionários) na vida da escola: assembleias, atribuições, composição dos fóruns de representação, forma como se dará a gestão e a distribuição dos cargos. Imprescindível a todo Projeto Político-Pedagógico também é a expressão da forma e finalidade da avaliação escolar, em que um dos maiores desafios encontra-se em mantermos coerência entre a avaliação e as concepções expressas na construção do Projeto.
Afirmando o anúncio do título de nossa aula, o Projeto Político-Pedagógico da escola é a bússola que orienta (ou deveria orientar) as práticas curriculares, não apenas por apresentar uma proposta curricular, mas, também, porque tudo que se organiza no PPP apresenta-se relacionado ao currículo:

- as intencionalidades da escola quanto à sociedade que pretende
construir e os sujeitos que pretende formar;
- o próprio entendimento de currículo e aprendizagem que a
escola possui;
- a forma como a escola organiza seus tempos e espaços;
- o tipo de planejamento do ensino que é adotado;
- a participação que é incentivada (de quem, como);
- a avaliação praticada.

Podemos dizer, portanto, que qualquer prática curricular a ser proposta precisa ter conhecimento e dialogar com o Projeto Político- Pedagógico da Escola.

O Projeto Político-Pedagógico busca orientar os fazeres da escola de acordo com suas intenções, ou seja, aproximar a educação que se pratica daquilo a que esse processo (da educação) se propõe. Em síntese, o PPP busca dirigir as práticas para uma intencionalidade de futuro, daí o nome “Projeto”.
Ele pode ser proposto orientado por uma concepção mercadológica de escola ou por uma concepção transformadora (libertadora).
Ao ser construído, o Projeto Político-Pedagógico apresenta as suas finalidades e a organização da escola com vistas a atender essas finalidades. Os aspectos apresentados que se referem à organização da escola referem-se, também, ao currículo praticado.


Resumo Currículo - aula 10 Ciclos de sete cabeças: que organização escolar é esta? – Andréa R. Fetzner

A escola não é o único instrumento de superação dos desafios sociais (violência e fome, por exemplo), econômicos (desigualdade, desemprego, entre outros) e culturais (preconceito, falta de acesso aos instrumentos da cultura, para citar alguns), mas é um importante instrumento de superação desses desafios, na medida em que as formas de ensino e o conteúdo curricular que oferece podem contribuir em maior ou menor grau para a manutenção e/ou a superação de algumas dessas dificuldades.

OS CICLOS NO BRASIL
A escola de Ensino Fundamental no Brasil organiza-se predominantemente em séries. Segundo dados do INEP (2005), no Ensino Fundamental, em 2005, tínhamos 64,84% das matrículas em séries, 19,64% das matrículas em ciclos e 15,52% das matrículas em sistemas que mesclavam séries e ciclos. As séries consistem em oferecer para um grande número de pessoas um mesmo ensino, com os mesmos conteúdos e ao mesmo tempo.

De acordo com o ano letivo, nas escolas seriadas, dividem-se os conhecimentos em séries, e algumas séries em disciplinas. A atividade escolar constitui-se na tentativa de repassar conhecimentos seriados aos alunos durante um ano letivo.
As séries se organizam por meio da divisão dos fazeres e da fragmentação dos conhecimentos a serem trabalhados, reprovando os alunos que não atingem o esperado em alguns dos conteúdos de cada série.
O anúncio de outra organização possível para o Ensino Fundamental tem como princípio a necessidade de criar um sistema escolar democrático e comprometido com aprendizagens importantes, capazes de instrumentalizar os estudantes a lidarem com problemas socioeconômicos e ambientais que se apresentam atualmente.
Em municípios como São Paulo (1992), Belo Horizonte (1995) e Porto Alegre (1995), propostas de organização escolar por ciclos de formação destacaram-se por unir o agrupamento escolar etário a uma intensa transformação curricular.

Nos ciclos de formação, a turma escolar é organizada com predominância da idade aproximada entre os pares. Essas turmas deixam de ser séries de conteúdos e passam a ser consideradas como agrupamentos escolares em que a turma se organiza com base na idade dos alunos.
Por consequência, os conteúdos serão trabalhados de acordo com os saberes e não saberes presentes nesse agrupamento.
No caso dos ciclos de formação, esses agrupamentos buscam considerar os contextos de idade ao propor as atividades escolares.
Por contexto de idade entende-se a prática de considerar, ao propor o ensino, a forma como os alunos se relacionam no meio, seus interesses, a maneira como elaboram suas hipóteses, lidam com o corpo, suas interações na família e na escola, suas curiosidades, suas crises no desenvolvimento.
Essas características não são iguais em todos os estudantes, mas se transformam em cada um deles com o passar das idades.
Os ciclos de formação reúnem alunos entre 6 e 8 anos no primeiro ciclo (ciclo da infância), entre 9 e 11 anos no segundo ciclo (ciclo da pré-adolescência) e entre 12 e 14 anos no terceiro ciclo (ciclo da adolescência).
Os ciclos, basicamente, propõem a superação dos agrupamentos propostos pela escola seriada, agrupamentos esses que se baseavam no conhecimento anterior adquirido. Nesse sentido, a opção por agrupamentos não seriados gera a necessidade de providências para atender àqueles que são considerados pela escola defasados em suas aprendizagens e se oportunize, a todos, o avanço contínuo com atendimento às suas diferenças.

Os conceitos de ciclos hoje podem ser compreendidos, no mínimo, em três perspectivas diferentes que, tendo em comum o rompimento com a série, propõem agrupamentos:
• como uma extensão do tempo de alfabetização inicial na
escola (os ciclos básicos de alfabetização);
• com predominância na idade aproximada (ciclos de formação);
• com certa referência na idade, mas considerando, ao final de um determinado tempo escolar de dois, três ou quatro anos,
o conteúdo anterior adquirido (definidos, por alguns autores, como Ciclos de Aprendizagem).
Em comum, as três perspectivas de ciclos apresentam a proposta de rompimento com a possibilidade de reprovação dos alunos ano a ano.

Acredita-se que a participação popular (da comunidade e dos alunos) na escolha do conteúdo e no planejamento das atividades (bem como na formulação e execução dos processos de avaliação) contribui com a superação da consciência ingênua e a formação da CONSCIÊNCIA CRÍTICA (ver FREIRE, 1975).

Os ciclos são uma forma de organização escolar que propõe a transformação da sociedade e da escola, buscando oferecer uma educação mais democrática e com a vivência de processos mais participativos na escola: desde a escolha do conteúdo programático até os processos de avaliação escolar.
Não se trata de uma proposta nova, pois várias experiências têm acontecido na tentativa de mudança dos princípios de organização escolar. No Brasil, existem propostas de ciclos de alfabetização, ciclos de formação e ciclos de aprendizagem.
As condições de implementação indicam a necessidade de pensar-se sobre a metodologia a ser adotada, o número de recursos humanos necessário ao projeto, a formação docente a ser oportunizada e o entendimento do projeto pelos gestores.


Resumo Currículo- aula 11- Organizando o ensino por meio do diálogo: os temas geradores - Andréa R. Fetzner

Do ponto de vista das teorias curriculares críticas e pós-críticas, podemos dizer que o currículo escolar não é neutro; seus conteúdos e práticas estão permeados de intencionalidades nem sempre reveladas e muitas vezes afirmadas sem que estas sejam sequer reconhecidas (pela escola) como valores (o princípio de levar vantagem, o princípio de desvalorizar o conhecimento daquele que é mais diferente que os demais, o princípio de que as pessoas mais empobrecidas são as que têm dificuldades de aprender, entre outros).
Uma das formas de tentarmos, nas escolas, desvelar as intencionalidades de nossas ações está na prática de uma educação dialógica, isto é, compartilhada no planejamento, nas ações e nas avaliações com aqueles que usufruem do processo da educação escolar: estudantes, famílias, comunidade e trabalhadores da educação (professores, funcionários, gestores, entre outros).
Podemos chamar de planejamento dialógico aquele que, na escola, se organiza com base no diálogo entre os alunos e os professores.

Do ponto de vista social, o diálogo é igualmente importante, pois implica (segundo Freire) uma relação horizontal (monólogo não é diálogo, dar ordens ou obedecer ordens não são diálogos, nessa perspectiva).
É a relação horizontal, o estar junto ao outro, com disponibilidade de trocar saberes, percepções e hipóteses, condição primeira para que o diálogo possa existir. É quando eu permito que o outro seja (ele mesmo: sua palavra, suas questões, suas percepções) que eu me autorizo, também, a ser (minhas palavras, minhas questões e minhas percepções).

A relação pedagógica que toma o diálogo como método começa na escolha do conteúdo da educação. Não é um diálogo sobre os conteúdos predefinidos do ensino. É um diálogo que busca a construção de uma compreensão crítica com e na realidade, por meio de:
(a) distinguir natureza e CULTURA;
(b) destacar o papel ativo que o ser humano tem na sua realidade e com a sua realidade;
(c) identificar o sentido da natureza em nossas relações de comunicação;
(d) perceber a cultura como o acréscimo que fazemos ao mundo, em nossa existência;
(e) reconhecer, também, na cultura, o resultado de nosso trabalho, de nosso esforço criador e recriador;
(f) destacar a dimensão humanista da cultura;
(g) compreender a cultura como, também, aquisição da experiência humana (FREIRE, 1985).
As Artes, a Educação Física, as Matemáticas, a Língua Portuguesa e suas variações linguísticas, as Ciências, as Histórias, as Geografias, tornam-se, nessa perspectiva dialógica, instrumentos de potencialização do diálogo, de enriquecimento das perguntas que nos faremos sobre o mundo, a história, a cultura e sobre nós mesmos.
Agora veremos uma forma de organização do ensino que, partindo da ideia de planejamento dialógico, é adotada em algumas experiências escolares que tentam romper com as perspectivas tradicionais de ensino.
Esse tipo de planejamento pode ser adotado em qualquer sala de aula, de qualquer disciplina escolar, em qualquer tempo. Trata-se de uma possibilidade de organização dos estudos dos conteúdos escolares que parte de um problema (uma questão social relevante para o grupo da escola).
Seus passos básicos seriam:
1. Escolher, com os alunos ou com a comunidade escolar, um problema a ser estudado, que:
a. apresente relevância social;
b. seja importante para a compreensão de questões locais e globais;
c. seja gerador de ação (o seu estudo possibilite aos alunos fazer algo a respeito, o que não significa, necessariamente, resolver o problema, mas tomar algumas atitudes ou desenvolver algumas práticas que possam colaborar para o entendimento e a superação do problema);
d. provoque uma vida melhor para os envolvidos;
e. necessite do estudo de várias disciplinas escolares para sua compreensão.
2. Buscar, como início das atividades de estudo do problema, o entendimento que os alunos e a comunidade já têm do tema, como ele se apresenta nos grupos sociais que participam da escola, quais são os saberes e os limites de compreensão nos saberes existentes. Quais seriam as questões geradoras (perguntas da turma sobre o problema) que orientariam o estudo.
3. Aprofundar os entendimentos já existentes, confrontar com outros entendimentos, problematizar possíveis percepções mágicas do problema, analisar de forma crítica diferentes percepções do problema, recorrer às Artes, às Matemáticas, às Ciências e a todas as disciplinas escolares disponíveis para ampliação do entendimento do problema.
4. Diante dos estudos realizados, propor ações de intervenção na realidade existente.

Planejar o ensino em diálogo com os alunos e a comunidade escolar exige, do docente, uma abertura para investigar, aprender, refletir sobre temas ainda não convencionais às escolas. Implica perceber o ato de ensino como concomitante ao ato de aprender, em que as formas de ver a vida e os problemas passam a ser dialogadas, e em que as disciplinas escolares ganham sentido na compreensão/solução dos problemas estudados.
Para o exercício do diálogo, e das formas de planejamento que dele decorrem (onde o tema gerador é uma destas formas de planejamento), é imprescindível compreender a natureza social e cultural do ser humano. O quanto somos produzidos pela cultura e, ao mesmo tempo, a produzimos e, também, a reproduzimos.
A potencialidade transformadora do diálogo (e do planejamento dialógico, por consequência) está nas interrogações que nele se constroem, nos conhecimentos que com ele (diálogo) construímos e nas possibilidades que se abrem quando percebemos que contribuímos tanto com a inércia das ações como com a ação consciente, para a conservação ou para a mudança da sociedade.


Resumo Currículo - aula 12- Organizando o ensino por meio do diálogo: os complexos temáticos – Andréa R. Fetzner

O complexo temático é uma forma de planejamento do ensino que tem origem nas contribuições de Pistrak, encontradas em seu livro Fundamentos da escola do trabalho (temos a edição de 1981, mas o livro foi escrito na época da Revolução Russa) e, também, nas contribuições do tema gerador de Paulo Freire.
A influência marxista dessa forma de organização do ensino lhe é atribuída porque seus fundamentos político-pedagógicos buscam dar conta de transformar os programas educacionais em programas críticos, na medida em que possibilitem aos professores tomar como conteúdo dos estudos a compreensão (crítica) das relações sociais e de produção e, portanto, instrumentalizem a população para a revolução social (entendida como a formação de uma sociedade justa e igualitária).

Para isso, o complexo temático propõe que os fenômenos sejam estudados:

Como processos em movimento e mudança, com sua história caracterizada por mudanças qualitativas e quantitativas, o trabalho humano e o uso de instrumentos como meios pelos quais o homem transforma a natureza e, ao fazê-lo, transforma a si próprio (KRUG, 2001, p. 57).

Em nossa aula anterior, definimos:
• A educação dialógica como aquela que é compartilhada no planejamento, nas ações e nas avaliações com aqueles que usufruem do processo da educação escolar: estudantes, famílias, comunidade e trabalhadores da educação (professores, funcionários, gestores, entre outros).
• O planejamento dialógico como aquele que, na escola, se organiza com base no diálogo entre os alunos e os professores.

Por sua vez, o planejamento do ensino por meio do complexo temático tem finalidades semelhantes ao planejamento por complexos, apresentados no livro de Pistrak (1981): “preocupação com a autonomia dos alunos, a auto-organização, o mundo do trabalho, a vivência do trabalho, a consciência e a socialização” (KRUG, 1981, p. 57).
Do tema gerador, o complexo temático incorpora a preocupação com a escolha do tema do complexo (problema principal, foco); a significância do mesmo para o grupo/comunidade de trabalho; a abordagem crítica desses temas e a capacidade dos mesmos de problematizarem a forma de pensar a realidade trazida pelos alunos (KRUG, 1981).
O complexo temático pode ser definido como uma forma dialógica de planejamento escolar, que busca dotar os conhecimentos a serem trabalhados na escola de um sentido para os alunos e para a sua comunidade, e que articula as diferentes disciplinas escolares no estudo de problemas sociais relevantes.

Diferente do tema gerador, o complexo temático constitui um planejamento de médio ou longo prazo (seis meses ou um ano), que pode envolver, em um mesmo trabalho, todas as turmas de uma escola.
Para que possa envolver todas as turmas de uma escola, o complexo temático apresenta uma metodologia de construção do planejamento que prevê, após uma proposta inicial a ser desenvolvida com todas as turmas, o desdobramento do planejamento adequando-o às diferentes faixas etárias.
Os objetivos do planejamento por meio de complexos temáticos são:
• superar o ensino descontextualizado dos conteúdos escolares;
• relacionar o sujeito à sua realidade contextual;
• trabalhar com a percepção e a compreensão dessa realidade;
• estabelecer relações entre fazer e pensar, agir e refletir, teoria e prática;
• compreender a realidade enquanto uma totalidade (em sua dimensão ampla);
• provocar o olhar particular de cada área do conhecimento sobre um problema a ser estudado;
• explicitar as relações entre os conhecimentos que serão trabalhados em diferentes áreas do conhecimento;
• articular as quatro fontes do currículo: socioantropológica, sociopsicopedagógica, epistemológica e filosófica, a serem apresentadas a seguir (KRUG, 2001; CICLOS, 1996; ROCHA, 1999).
O complexo temático articula quatro fontes curriculares (orientações curriculares oriundas de diferentes campos do saber): socioantropológica, epistemológica, sociopsicopedagógica e filosófica.

FONTE SOCIOANTROPOLÓGICA I
mplica a compreensão:
- dos significados socioculturais de cada prática no conjunto das condições de existência em que ocorrem;
- dos sistemas simbólicos que constituem a visão de mundo da comunidade.
FONTE SOCIOPSICOPEDAGÓGICA
Resulta:
- no estudo das relações entre aprendizagem e desenvolvimento; - na compreensão do desenvolvimento intelectual na e com a relação com o mundo; - no espaço escolar organizado de forma cooperativa e coletiva.
FONTE EPISTEMOLÓGICA
Por sua orientação interdisciplinar, propõe a reorganização do conteúdo e do trabalho escolar de forma a favorecer a autonomia dos estudantes na compreensão da realidade. Esta fonte curricular também propõe o trabalho orientado para a compreensão e transformação da realidade vivida.

FONTE FILOSÓFICA
Propõe um movimento pedagógico flexível, voltado para a aprendizagem de todas as crianças e os adolescentes na escola.
Do ponto de vista filosófico, o complexo temático considera como princípio a capacidade, inerente a todo ser humano, de aprender e a necessidade de organizar-se o ensino com esse pressuposto. O complexo temático é uma forma de planejamento escolar dialógica, isto é, promove a participação dos alunos no planejamento e na execução das atividades escolares. Também se preocupa com propor o estudo de temas socialmente relevantes para os alunos e sua comunidade e promove a aprendizagem em diferentes disciplinas escolares de forma interdisciplinar e consequente para a construção da autonomia dos alunos.


Resumo Currículo aula 13 Organizando o ensino por meio de projetos de trabalho: desafios para a compreensão da proposta – Andréa R. Fetzner

Vamos retomar as contribuições de Gimeno Sacristán (2007), no entendimento do currículo como texto da experiência, e de autores como Carlini (2004), Machado (2000) e Hernández (1998) na definição de projetos de trabalho.
Todo projeto educacional possui uma finalidade, tanto na Colônia Gorki, no início do século passado, com os agrupamentos produtivos (BERNET, 2003), quanto na experiência contemporânea da Escola da Ponte, com os grupos de desenvolvimento (PACHECO, 2007); as finalidades da educação orientam (ou deveriam orientar) os meios a serem adotados para o alcance das mesmas.
Na busca de concretizar sua proposta educativa, toda escola precisa articular um conjunto de instrumentos que, efetivamente, deveriam oportunizar a formação a qual se propõe: currículo, formas avaliativas, organização dos tempos e espaços, entre outros.

Carlini, ao definir o ensino por projetos, como um dos procedimentos de ensino disponíveis ao docente, assim o resume:

O ensino por projetos organiza-se com base em um problema concreto, presente na realidade do aluno, que pede a busca de soluções práticas. Em parte, é semelhante ao ensino com pesquisa, na fase de coleta e organização de informações, na consulta a fontes e no trânsito por espaços educativos. No entanto, o ensino por projetos não finaliza com um relatório de pesquisa, mas com a elaboração de uma proposta de intervenção na realidade, um projeto (2004, p. 52).

Os projetos precisam, para Hernández, contribuir com os alunos para o desenvolvimento das capacidades relacionadas com:
• a autodireção: favorece as iniciativas para levar adiante, por si mesmo e com os outros, tarefas de pesquisa;
• a inventiva: mediante a utilização criativa de recursos, métodos e explicações alternativas;
• a formulação e a resolução de problemas, diagnóstico de situações e o desenvolvimento de estratégias analíticas e avaliativas;
• a integração, pois favorece a síntese de ideias, experiências e informação de diferentes fontes e disciplinas;
• a tomada de decisões, já que será decidido o que é relevante e o que se vai incluir no projeto;
• comunicação interpessoal, posto que se deverá contrastar as próprias opiniões e pontos de vista com outros, e tornar-se responsável por elas, mediante a escrita ou outras formas de representação (1998, p. 73-74).

Em toda a turma escolar, os estudantes trazem diferentes saberes e uma diversidade de culturas, o que gera a necessidade de abordarmos o currículo escolar como um texto da experiência (GIMENO SACRISTÁN, 2007), em que o espaço para as diferentes falas, experiências e saberes exista de forma consistente e coerente com a proposta educacional a qual dedicamos nosso trabalho. Compartilhando deste entendimento, os projetos de trabalho precisam ser compreendidos como instrumentos para a realização desta diversidade.

Identificamos algumas dificuldades docentes no trabalho com projetos:
• definir o que é um problema desencadeador de um projeto de trabalho;
• estabelecer com quem o problema deve ser definido;
• distinguir estratégias de ensino-aprendizagem de problemas desencadeadores de projetos;
• articular os conhecimentos escolares a serem sistematizados por meio do projeto, de forma a incentivar o desenvolvimento de capacidades como autodireção, criação, formulação e resolução de problemas, integração, tomada de decisões e comunicação interpessoal.
A superação destes problemas exige estudo, mas também prática nestas possibilidades de planejamento, isto quer dizer que, embora o estudo seja importante, ele não é suficiente: o exercício destas possibilidades (tema gerador, complexo temático, projetos de trabalho) torna-se imprescindível.

Como você faria para construir uma proposta por meio de projetos de trabalho?
Por onde começaria? Quais seriam seus objetivos, ao trabalhar com projetos?

O primeiro movimento a fazer no planejamento do ensino por meio de projetos de trabalho é, com os alunos, verificar possíveis problemas a serem estudados. Ao levantá-los, precisamos discutir, com os alunos, se estes problemas “rendem” um projeto de trabalho, ou seja, se atendem às características de relevância, envolvimento/mobilização do grupo e possibilidade de estudo em diferentes disciplinas escolares.
Os objetivos do trabalho com projetos é envolver os alunos, atender as diferentes necessidades dos estudantes, tornar os estudos relevantes para a vida e possibilitar a aplicação dos conhecimentos trabalhados.


Resumo Currículo - aula 14 - A natureza política do trabalho do professor, sua formação e as políticas curriculares – Andréa R. Fetzner

A ação docente é sempre uma ação política, podendo expressar-se pela concordância, discordância ou ignorância das políticas educacionais e seus desdobramentos cotidianos na escola. Dito de outra forma, tudo o que o professor faz, ao apoiar ativamente, ao contrapor-se ou, ainda, ao demonstrar-se alheio às pretensões, propostas e práticas educacionais que lhes são impostas ou oferecidas, é ação política.

Quanto às concepções de formação de professores, podemos considerar em nossas discussões que existem, no mínimo, três modelos:
(1) o modelo clássico: onde quem supostamente sabe (um palestrante, por exemplo) ensina aos professores que trabalham nas escolas, os quais, supostamente, não sabem, pois só teriam os saberes da sua prática e não os saberes teóricos (mais valorizados, segundo esta ótica);
(2) o modelo pesquisa-ação: onde um pesquisador (geralmente da Universidade) atua de forma participativa na escola, pesquisando e interferindo nas práticas cotidianas;
(3) o modelo projeto-escola: quando a comunidade escolar constrói seu projeto de educação a ser desenvolvido na instituição e por meio do qual a formação de professores se dá na relação de aprender com o outro, nas trocas sobre a própria prática.

A voz do estudante é um desejo, nascido da biografia pessoal e da história sedimentada; é a necessidade de construir-se e afirmar-se em uma linguagem capaz de construir a vida privada e conferir-lhe um significado, assim como de legitimar e confirmar a própria existência no mundo (GIROUX; MCLAREN, 2008, p. 137).

Da mesma forma como a reflexão crítica sobre sua experiência deve ser o foco do currículo na escola, os cursos de formação de professores precisam tomar esta diretiva como instrumento e método de transformação: “as escolas são instituições históricas e culturais que sempre incorporaram interesses ideológicos e políticos” (GIROUX; MCLAREN, 2008, p. 142), desvendar estes interesses e a ação política que ali se pratica
é fundamental para uma formação crítica do professor.


Resumo Currículo - aula 15 - Implicações entre a didática e o currículo – Andréa R. fetzner

Didática significa “a arte de ensinar” (Dicionário Michaelis). Ao discutirmos a didática, encontramos as questões relativas ao ensino sendo analisadas por meio da perspectiva humana (focada no desenvolvimento humano), política (questões políticas ligadas ao ensino e as conseqüências políticas do ensino) e técnica (dirigidas especificamente ao como ensinar e as técnicas de ensino).
Entre os temas principais da didática encontramos (FETZNER, 2009):
• o processo de ensino-aprendizagem e sua relação com o contexto global da educação contemporânea;
• a aula como sistema complexo de significados, de relações e de intercâmbios;
• o processo didático na ação docente: ensinar-aprender, pesquisar, avaliar.

As discussões do campo da didática contribuem com as discussões do campo do currículo: as diferentes ênfases da didática assemelham-se a diferentes perspectivas curriculares estudadas, os desafios dos dois campos são convergentes e, fundamentalmente, não há ensino sem conhecimento e não há conhecimento sem processo de conhecer (do qual o ensino é parte constituinte).

A didática é um campo de conhecimento que se dedica a estudar as questões ligadas ao processo de ensinar. No Brasil, este campo foi marcado por diferentes ênfases em diferentes momentos históricos: a predominância das ideias do humanismo moderno (1945-1960); a afirmação da dimensão técnica do ensino (1960-1975) e a afirmação da dimensão política (1975-1990). Sua compreensão atual e seus desafios implicam no reconhecimento de que há uma multidimensionalidade na didática, as dimensões: humana, técnica e política se complementam.

Comente esta frase de Moreira: “O ensino se efetiva com base em um currículo e esse só se materializa no momento do ensino” (1998, p. 34).
O currículo, ao tratar dos conteúdos do ensino, trata não apenas da listagem de conteúdos que uma escola se propõe a ensinar, mas de um conjunto de conteúdos morais, éticos, estéticos, políticos, culturais e sociais que circulam pela escola. Estas aprendizagens escolares realizam-se não apenas pelo estudo de textos ou realização de exercícios, mas também pela linguagem que constrói, nas pessoas e com elas, imagens sobre si, sobre o outro, sobre a sociedade e sobre a cultura. Estas aprendizagens também ensinam valores (para o bem ou para o mal): ensinam se trabalhar em grupo é bom ou não, se ouvir os outros é importante ou não, se os conhecimentos são verdades absolutas ou precisam ser constantemente questionados, por exemplo. A didática, por sua vez, preocupa-se com os elementos presentes neste processo de conhecimento, do ponto de vista do ensino: as questões subjetivas da formação humana, as questões político-sociais e as questões técnicas. Na frase de Moreira (1998), podemos perceber que não é possível pensar a didática sem o currículo e não é possível pensar o currículo sem as questões didáticas. No decorrer desta aula percebemos, inclusive, o quanto os debates, as preocupações e os desafios entre estes dois campos são semelhantes e se complementam. Focando na frase de Moreira podemos dizer que não há ensino sem um conhecimento e não há conhecimento sem o processo de conhecer.

TEXTOS ---- TEXTOS --- TEXTOS

QUEM ESCONDEU O CURRÍCULO OCULTO?

Embora não constitua propriamente uma teoria, a noção de “currículo oculto” exerceu uma forte e estranha atração em quase todas as perspectivas críticas iniciais de currículo, A noção de currículo oculto estava implícita, por exemplo, na análise que Bowles e Gentis fizeram da escola capitalista americana. Aqui, através do “principio da correspondência, eram as relações sociais na escola, mais do que conteúdo explicito que eram responsáveis pela socialização de crianças e jovens nas normas e atitudes necessárias para uma boa adaptação às exigências do trabalho capitalista. Mesmo que não diretamente relacionada à escola, a noção de ideologia desenvolvida por Althusser na segunda parte do seu famoso ensaio, A ideologia e os aparelhos ideológicos de estado, apontava, de certa forma, para uma noção que tinha características similares às que eram atribuídas ao “currículo oculto”. Como lembramos, Althusser fornecia uma definição de ideologia que destacava sua dimensão prática, material. A ideologia, nessa definição, expressava-se mais através de rituais, gestos e práticas corporais do que através de manifestações verbais. “Aprendia-se” a ideologia através dessas práticas: uma definição que se aproxima bastante da definição de currículo oculto.
Na teorização de Bernstein, por exemplo, é através da estrutura do currículo e da pedagogia que se aprendem os códigos de classe. Mas é claro que o conceito de currículo oculto se estendeu para muito além desses exemplos, sendo utilizado por praticamente toda perspectiva crítica de currículo em seu período inicial.
Apesar dessa utilização crítica, o conceito tem sua origem no campo mais conservador da sociologia funcionalista. O conceito foi talvez utilizado pela primeira vez por Philip Jackson, em 1968, no livro Life in classrooms. Nas palavras de Jackson, “os grandes grupos, a utilização do elogio e do poder que se combinam para dar um sabor distinto à vida de sala de aula coletivamente formam um currículo oculto, que cada estudante (e cada professor) deve dominar se quiser se dar bem na escola”. Cabeira e Robert Dreeben, num livro intitulado On what is learned in school, ampliar e desenvolver essa definição funcionalista de “currículo”. Esses autores funcionalistas já destacavam a determinação estrutural do currículo oculto. Eram as características estruturais da sala de aula e da situação de ensino, mais do que seu conteúdo explícito, que “ensinavam” certas coisas: as relações de autoridade, a organização espacial, a distribuição do tempo, os padrões de recompensa e castigo.
O que distingue a utilização funcional do conceito daquela feita pelas perspectivas críticas seria, essencialmente, a desejabilidade ou não dos comportamentos que eram ensinados, de forma implícita, através do currículo oculto. Nessa visão, os comportamentos assim ensinados eram funcionalmente necessários para o bom funcionamento da sociedade e, portanto, desejáveis. Na análise de Dreeben, por exemplo, a escola, através do tratamento impessoal que, em contraste com a família, ela proporciona, ensina a noção de universalismo necessária ao perfeito funcionamento das sociedades “avançadas”. Em direção contrária, nas análises críticas, as atitudes e comportamentos transmitidos através do currículo oculto são vistos como indesejáveis, com uma distorção dos genuínos objetivos da educação, na medida em que moldam as crianças e jovens para se adaptar às injustas estruturas da sociedade capitalista. O exemplo mais claro é talvez o da análise de Bowles e Gentis. Aqui, a escola, através da correspondência entre as relações sociais que ela enfatiza e as relações sociais predominantes no local do trabalho, ensina às crianças e jovens de classe subordinadas como se conformar às exigências de seu papel subalterno nas relações sociais de produção.
Mas o que é afinal, o currículo oculto? O currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita, para aprendizagens sociais relevantes. Precisamos especificar melhor, pois, quais são esses aspectos e quais são essas aprendizagens. Em outras palavras, precisamos saber “o que” se aprende no currículo oculto e através de quais meios. Para a perspectiva crítica, o que se aprende no currículo oculto são fundamentalmente atitudes, comportamentos, valores e orientação que permitem que a criança e jovens se ajustem de forma mais convenientes às estruturas e às pautas de funcionamento, consideradas injustas e antidemocráticas e, portanto, indesejáveis, da sociedade capitalista. Entre outras coisas, o currículo oculto ensina, em geral, o conformismo, a obediência, o individualismo. Em particular, as crianças das classes operárias aprendem as atitudes próprias ao seu papel de subordinação, enquanto as crianças das classes proprietárias aprendem os traços sociais apropriados ao se papel de dominação. Numa perspectiva mais ampla, aprendem-se, através do currículo oculto, atitudes e valores próprios de outras esfera sócias, como, por exemplo, aqueles ligados a nacionalidade, Mais recentemente, nas análises que consideram também as dimensões do gênero, da sexualidade ou da raça, aprende-se, no currículo oculto, como o homem e ao mulher, como ser heterossexual ou homossexual, bem como a identificação com uma determinada raça ou etnia.
Agora, quais são os elementos que, no ambiente escolar, contribuem para essas aprendizagens? Como já vimos uma das fontes do currículo oculto é constituída pelas relações sociais da escola: as relações entre professores e alunos, entre a administração e os alunos, entre alunos e alunos, A organização do espaço escolar é outro dos componentes estruturais através dos quais as crianças e jovens aprendem certos comportamentos sociais: espaço rigidamente organizado da sala de aula tradicional ensina certas coisas; o espaço frouxamente estruturado da sala de aula mais aberta ensina outro tipo de coisa. Algo similar ocorre com o ensino do tempo, a divisão do tempo em unidade, o controle do tempo, a divisão do tempo em unidade discreta, um tempo para cada tarefa, etc. O currículo oculto ensina, ainda, através de rituais, regras, regulamentos,normas. Aprende-se também através das diversas divisões e categorizações explícitas ou implícitas próprias a exigência escolar: entre os mais “capazes” e os menos “capazes” entre meninos e meninas, entre um currículo acadêmico e um currículo profissional.
Finalmente, é importante saber o que fazer com um currículo oculto quando encontramos um. Na teorização critica a noção de currículo oculto implica como já vimos, na possibilidade de termos um momento de iluminação e lucidez, no qual, identificamos uma determinada situação como constituindo uma instância do currículo oculto. A idéia é que uma análise baseada nesse conceito permite nos tornarmos conscientes de algumas coisas que até então estava oculta em nossa consciência. A coisa toda consiste claro, em desocultar o currículo oculto. Parte de sua eficácia reside precisamente nessa sua natureza oculta. O que está implícito na noção de currículo oculto é a idéia de que se conseguirmos desocultá-lo, ele se tornará menos eficaz, ele deixar de ter os efeitos que tem pela única razão de ser oculto. Supostamente, é essa consciência que vai permitir alguma possibilidade de mudança. Tornar-se consciente do currículo oculto significa, de alguma forma, desarmá-lo.
Obviamente, o conceito de “currículo oculto” cumpriu um papel importante no desenvolvimento de uma perspectiva crítica sobre currículo. Ele expressa uma operação fundamental da análise sociológica, que consiste em descrever os processos sociais que moldam nossa subjetividade como que por detrás de nossas costas, sem nosso conhecimento consciente. Ele condensa uma preocupação sociológica permanente com os processos “invisíveis, com os processos que estão ocultos na compreensão comum que temos da vida cotidiana”. Nisso reside, talvez, precisamente sua atração. A noção de “currículo oculto” constituía, assim, um instrumento analítico de penetração na opacidade da vida cotidiana da sala de aula. Ele como que tornava repentinamente transparente aquilo que normalmente aparecia como opaco.
O conceito tornou-se, entretanto crescentemente desgastado, o que, talvez, explique esse declínio na análise educacional crítica. Houve provavelmente certa trivialização do conceito. Alguma análise limitava-se a “caçar” instâncias do currículo oculto por toda parte, num esforço de catalogação, esquecendo-se de suas conexões com processo e relações sociais mais amplos. Por outro lado, a idéia de “currículo oculto” estava associada a um estruturamento que iria ser progressivamente questionado pelas perspectivas críticas. Se as características estruturais do currículo oculto eram tão determinantes, não havia muito que fazer para transformá-lo. O particípio passado-”oculto”- se adjetivava a palavra “currículo indicava que o ato de ocultação era resultado de uma ação impessoal, abstrata, estrutural. Ninguém, precisamente era responsável por ter escondido o currículo oculto. O que tinha constituído sua força acabara por decretar se enfraquecimento como um conceito importante da teorização crítica sobre o currículo. Finalmente, numa era neoliberal de afirmação explicita da subjetividade dos valores do capitalismo, não existe mais muita coisa oculta no currículo. Com a ascensão neoliberal, o currículo tornou-se assumidamente capitalista.


DOCUMENTOS DE IDENTIDADE

Osvaldo Mariotto Cerezer
Professor Departamento de História – UNEMAT
Correio eletrônico: omcerezer@hotmail.com

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de
Identidade: uma introdução às teorias do
currículo. 2002. 2 ed. Belo Horizonte, Autêntica.
A obra intitulada Documentos de Identidade: uma introdução às teorias
do currículo, de Tomaz Tadeu da Silva, (2002) faz uma importante
análise sobre as teorias do currículo, desde sua origem até as teorias
pós-criticas, e a contribuição destas nos estudos sobre o currículo e suas
implicações na formação da subjetividade e identidade dos sujeitos. As
teorias do currículo procuram justificar a escolha de determinados
conhecimentos e saberes em detrimento de outros, considerados menos
importantes.
Para a teoria tradicional, o currículo deveria conceber uma escola
que funcionasse de forma semelhante a qualquer empresa comercial ou
industrial. Sua ênfase estava voltada para a eficiência, produtividade,
organização e desenvolvimento. O currículo deve ser essencialmente
técnico e a educação vista como um processo de moldagem. Na década
de 1960 surgem as teorias críticas que questionam o status quo visto
como responsável pelas injustiças sociais e procura construir uma
análise que permita conhecer não como se faz o currículo, mas
compreender o que o currículo faz. Seguindo Althusser, a escola é
compreendida como aparelho ideológico do Estado, que produz e
dissemina a ideologia dominante através, principalmente, dos
conteúdos. Bowles e Gintis dão ênfase à aprendizagem por meio da
vivência e das relações sociais na escola que irão repercutir na formação
de atitudes necessárias no mercado de trabalho capitalista. Bourdieu e
Passeron desenvolvem o conceito de “reprodução” e “capital cultural”,
onde a cultura dominante incorpora, introjeta e internaliza determinados
valores dominantes através do currículo escolar.
Na década de 1970, o movimento de reconceptualização critica o
currículo por considerá-lo tecnocrático. Este se limitou às questões
fenomenológicas, hermenêuticas e autobiográficas de crítica aos
currículos tradicionais. Na concepção fenomenológica o currículo é
concebido como um lugar de experiência e como local de interrogação e
questionamento da experiência. A hermenêutica contesta a existência
de um significado único e determinado e defende a idéia de
interpretação múltipla dos textos não só escritos, mas qualquer
conjunto de significado. Na autobiografia, o currículo é entendido de
forma ampla, como experiência vivida. Aqui se entrelaçam o
conhecimento escolar, as histórias de vida e o desenvolvimento
intelectual e profissional, permitindo a transformação do próprio eu.
Para Michael Apple, o currículo representa, de forma hegemônica,
as estruturas econômicas e sociais mais amplas. Assim, o currículo não
é neutro, desinteressado. O conhecimento por ele corporificado é um
conhecimento particular. Importa saber qual conhecimento é
considerado verdadeiro. A reprodução social não se dá de forma
tranqüila, há sempre um processo de contestação, conflito, resistência.
Henry Giroux concebe o currículo como política cultural,
sustentando que o mesmo não transmite apenas fatos e conhecimentos
objetivos, mas também constrói significados e valores sociais e
culturais. Vê o currículo por meio dos conceitos de emancipação e
libertação.
Paulo Freire critica o currículo existente através do conceito de
“educação bancária”. Nesse contexto, o currículo tradicional está
afastado da situação existencial das pessoas que fazem parte do
processo de conhecer. O currículo deve conceber a experiência dos
educandos como a fonte primária para temas significativos ou
geradores. Sua teoria é contestada na década de 1980 por Dermeval
Saviani na pedagogia histórico-crítica ou pedagogia crítico-social dos
conteúdos. A educação só será política quando esta permitir às classes
dominadas se apropriarem dos conhecimentos transmitidos como
instrumento cultural que permitirá uma luta política mais ampla. A
crítica de Saviani à pedagogia libertadora de Paulo Freire está na ênfase
dada por esta aos métodos e não à aquisição do conhecimento.
Ao analisar as influências da “nova sociologia da educação” sobre os
estudos curriculares, Tomaz Tadeu da Silva salienta que a preocupação
da mesma estava voltada para as questões de relação entre currículo e
poder, entre a organização do conhecimento e a distribuição do poder. O
currículo é visto como uma “construção social”. Basil Bernstein analisa o
currículo a partir de duas distinções fundamentais: o currículo tipo
coleção e o currículo integrado. Para o primeiro, as áreas e os campos
do conhecimento são organizados de forma isolada. No segundo, há
uma diminuição das distinções entre as áreas do conhecimento. A
classificação determina o que é legítimo ou ilegítimo incluir no currículo.
A classificação para Bernstein é uma questão de poder.
O autor, ao abordar o currículo oculto, analisa-o como sendo aquele
que, embora não faça parte do currículo escolar, encontra-se presente
nas escolas através de aspectos pertencentes ao ambiente escolar e que
influenciam na aprendizagem dos alunos. Na visão crítica, o currículo
oculto forma atitudes, comportamentos, valores, orientações etc., que
permitem o ajustamento dos sujeitos às estruturas da sociedade
capitalista. Na perspectiva das abordagens sobre diferença e identidade,
o currículo multiculturalista se apresenta como uma possibilidade de
abordagem e inclusão dos grupos raciais e étnicos, pois representa um
importante instrumento de luta política. A análise crítica divide o
currículo multiculturalista entre as concepções pós-estruturalista e
materialista. Para a primeira, a diferença é um processo lingüístico e
discursivo. Para o materialismo de inspiração marxista, os processos
institucionais, econômicos e estruturais, fortalecem a discriminação e
desigualdades baseadas na diferença cultural. Importa compreender
como as diferenças são produzidas através das relações de
desigualdade. Para obter a igualdade, é necessário uma modificação
substancial do currículo existente.
As perspectivas críticas sobre relações de gênero e pedagogia
feminista passaram a ser questionadas por não levarem em
consideração a questão de gênero e da raça no processo de produção e
reprodução das desigualdades. Nesse contexto, o currículo refletia e
reproduzia uma sociedade masculina. A pedagogia feminista passa a
desenvolver formas de educação que levassem em consideração os
valores feministas, para contrapor-se à pedagogia tradicional de
valorização do masculino. O currículo é visto como um artefato de
gênero, pois corporifica e ao mesmo tempo produz relações de gênero.
Em relação ao currículo como narrativa étnica e racial, a questão
central consistia em compreender e analisar os fatores que levavam ao
fracasso escolar as crianças e jovens pertencentes a grupos étnicos e
raciais minoritários. Na perspectiva critica, o currículo lidaria com a
questão da diferença como uma questão histórica e política, pois não
importa apenas celebrar a diferença e a diversidade, mas questioná-la.
Para a teoria queer, a identidade sexual, assim como a de gênero, é
uma construção social. Para ela, a identidade é sempre uma relação
dependente da identidade do outro. Não existe identidade sem
significação, assim como não existe identidade sem poder. A teoria
queer pretende questionar os processos discursivos e institucionais, as
estruturas de significação sobre o que é correto ou incorreto, o que é
moral ou imoral, o que é normal ou anormal.
O movimento pós-moderno toma como referência social a transição
entre a modernidade iniciada com o Renascimento e Iluminismo e a pósmodernidade
iniciada na metade do século XX. Questiona as pretensões
totalizantes de saber do pensamento moderno. Nesse contexto, o
pensamento moderno prioriza as grandes narrativas, vistas como
vontade de domínio e controle dos modernos. Nesta perspectiva, a pósmodernidade
questiona as noções de razão e racionalidade. Duvida do
progresso, nem sempre visto como algo desejável e benigno. Critica o
sujeito racional, livre, autônomo, centrado e soberano da modernidade.
Para o pós-modernismo, o sujeito não é o centro da ação social. Ele não
pensa, fala e produz: ele é pensado, falado e produzido.
Fundamentado em Foucault, Derrida entre outros, o pósestruturalismo
coloca sua ênfase na indeterminação e na incerteza sobre
o conhecimento. Destaca o processo pelo qual algo é considerado
verdade, ou seja, como algo se tornou verdade. Seguindo Derrida, o
pós-estruturalismo questionaria as concepções de masculino/feminino;
heterossexual/homossexual; branco/negro; científico/não cientifico dos
conhecimentos que constituem o currículo. Já a teoria pós-colonial dá
ênfase ao hibridismo, mestiçagem, entendendo a cultura nos espaços
coloniais e pós-coloniais como uma complexa relação de poder onde
ambas, dominadora e dominada são modificadas. Com as teorias criticas
e pós-criticas, não podemos mais ver o currículo como algo inocente,
desinteressado.
Recebido em dezembro/2006.
Aprovado em fevereiro/2007.

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GEOGRAFIA 2

Resumo Geo 2 A questão agrária aula 8

Nas últimas décadas, os países desenvolvidos e industrializados, incluindo o Brasil, intensificaram a produção agrícola por meio do avanço intenso da modernização das técnicas produtivas, que lhes permitiu, ao mesmo tempo, economizar mão-de-obra, aumentar a produtividade e obter um enorme volume de produção que não só abastece o mercado interno como é responsável por grande parcela dos produtos que circulam no mercado mundial.
Em países como o Brasil, as regiões agrícolas que abastecem o mercado externo foram as que mais se modernizaram. A conseqüência mais direta foi a concentração de terra, que resultou numa acentuação das migrações do campo para a cidade e no inchaço das periferias urbanas, por trabalhadores que foram expulsos de suas terras ou perderam seus empregos na zona rural.
Por isso, dizemos que a modernização da agricultura brasileira não significou a modernização das relações sociais de produção e das relações de trabalho, relações essas que perpassam o campo e a cidade. Assim, falar em modernização significa referir-se ao aprimoramento das técnicas, pura e simplesmente, ou seja, significa dizer que a modernização aconteceu na substituição do trabalho humano por máquinas, no uso da biotecnologia para o desenvolvimento de sementes e mudas mais aprimoradas e no uso de insumos ditos modernos (agrotóxicos, corretivos e fertilizantes).
A modernização proporcionou, cada vez mais, a subordinação da agropecuária ao capital industrial, transformando as terras cultiváveis em um bem precioso, promovendo a concentração das propriedades nas mãos dos grandes fazendeiros, a intensificação do abandono do campo pelo trabalhador e os conflitos com mortes no campo.
A PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA BRASILEIRA
Existe uma contradição profunda no nosso setor agropecuário: o mesmo Brasil campeão nas exportações desses produtos precisa recorrer à importação para abastecer o mercado interno. Entenda por quê.
A opção do Estado brasileiro, nas últimas três décadas, de investir nas culturas voltadas à exportação, representadas pelo setor do agronegócio, fez com que o país se tornasse dependente da importação de vários produtos, inclusive da cesta básica, como é o caso do trigo e do arroz, e até mesmo os produtos em que ele é campeão de exportações, caso da soja. Isso se explica porque em uma economia globalizada, em que os clientes comerciais podem estar espalhados por qualquer lugar do mundo, a intenção da agricultura do agronegócio é vender seus produtos para quem paga mais e melhor. Não interessa se esse cliente está no Japão, na Inglaterra ou mesmo aqui no Brasil.
O país produz e exporta a comida que falta nos pratos da maioria dos trabalhadores brasileiros. Em 2003, entre os 100 principais produtos, o complexo soja (soja em grão, farelo e óleo) respondeu pelo item de maior valor em dólar na saída de mercadorias para o exterior. Esteve e está à frente das exportações de aviões, minério de ferro, terminais portáteis de telefonia celular, alumínio etc. Depois dele vêm o café e o açúcar e, em seguida, a pasta de celulose, calçados e couro, a carne de frango, o suco de laranja concentrado, o fumo, a carne bovina, a carne suína, o milho, madeiras e a castanha-de-caju.
E as importações? Esse é o outro lado da moeda. Entre os 100 primeiros, o trigo esteve, no ano de 2003, em segundo lugar, e a soja (isso mesmo, nós importamos soja!), em décimo nono; o arroz aparece em vigésimo quinto, o leite integral em pó (você sabia que nós importamos leite em pó?) e quase todos os outros citados na pauta de exportações estão entre os 100 primeiros.
Essa é a grande contradição da produção agropecuária brasileira. Quem produz, produz para quem paga mais, não importa em que parte do planeta esteja o cliente. Logo, a lógica que valoriza o agronegócio vai deixando o país vulnerável no que se refere à soberania alimentar, ou seja, em pouco tempo, se essa lógica se confirmar, o Brasil será um país totalmente dependente da importação de alimentos para abastecer sua população.
1. Relacione o projeto de modernização da agricultura brasileira, criado pelos militares, ao aprofundamento das questões sociais ligadas ao campo, levando em conta a seguinte afirmação: “A modernização foi técnica, mas não social.”
Ao optarem por modernizar parte do campo brasileiro (a modernização foi excludente porque atendeu, em sua grande maioria, aos grandes proprietários de terra), os governantes brasileiros auxiliaram no aprofundamento de uma questão social que já é histórica: a questão agrária. Modernizaram-se as relações técnicas, enquanto as relações sociais continuaram, em grande parte, tão arcaicas quanto há cem anos.
QUEM PRODUZ OS ALIMENTOS CONSUMIDOS PELOS BRASILEIROS? PRODUÇÃO FAMILIAR X PRODUÇÃO DO AGRONEGÓCIO
Podemos classificar praticamente todos os estabelecimentos ou propriedades pertencentes à agricultura familiar na categoria de tamanho de terras que vai até 100 hectares. Nessa categoria estão mais de quatro milhões dos quase cinco milhões de estabelecimentos ou propriedades rurais do país.
Entre as décadas de 1950 e 1980, a monocultura e a mecanização foram estimuladas em todas as políticas governamentais criadas como base para o modelo de desenvolvimento e crescimento econômico. Os resultados nós já citamos: concentração da terra, expulsão dos trabalhadores rurais e aumento da pobreza nas cidades, resultado do movimento migratório rural-urbano.
Mas quais são as vantagens da agricultura familiar? Onde está sua superioridade?
A agricultura familiar mostra superioridade e eficiência se comparada à agricultura patronal, à do agronegócio. No entanto, sua importância vai além da produção e da relevância econômica. É, sobretudo, social.
Só para exemplificar a importância social da agricultura familiar, observe que ela é muito mais eficiente na produção de postos de trabalho. Entre 1985 e 1996, houve uma redução de 23% do pessoal empregado na agricultura. Os estabelecimentos com menos de 10 hectares foram responsáveis pela ocupação de 40,7% da mão-de-obra empregada no meio rural em 1996, enquanto que os situados entre 10 e 100 hectares empregaram 39,9%, restando para os estabelecimentos com área superior a 100 hectares apenas 19,2%, e os estabelecimentos com mais de 10.000 hectares foram responsáveis pela geração de menos de 1% dos empregos no período.
A superioridade da agricultura familiar se expressa no abastecimento alimentar, na distribuição de riqueza e na geração de empregos. Entretanto, as políticas governamentais orientadas pelo ideário neoliberal têm resultado no aniquilamento dos pequenos produtores, no favorecimento da grande produção, na deterioração das condições de vida dos trabalhadores e no aumento da concentração fundiária.
Para ser eficiente e efetiva, a reforma agrária, como política governamental, deve se constituir numa política que seja voltada para alterar as bases do atual modelo de desenvolvimento. Deve ser uma política destinada a retomar o crescimento, com garantia de segurança alimentar e que se baseie na agricultura familiar.
A luta pela Reforma Agrária deve, sobretudo, pautar-se em questionamentos sobre a modernização agrícola, a qual não é vista como tão bem-sucedida assim, e na criação de alternativas produtivas que sejam mais equilibradas, social, econômica e ambientalmente.
A reforma agrária deve ser pensada como parte de um conjunto de reformas que abarque os mais diversos setores – financeiro, industrial, tecnológico, educacional etc. – e redirecione o modelo de desenvolvimento, para que este possa ser efetivamente mais democrático, por representar o interesse e a luta dos setores populares.
São muitos os motivos e fatores que justificam a emergência de um reforma agrária efetiva no Brasil.
1– É a forma mais barata de gerar emprego e renda para a população excluída da modernização, além de combater os efeitos nefastos da globalização e os efeitos perversos do capitalismo.
2– É necessária para melhorar o perfil da renda no país, na democratização do capitalismo brasileiro, na segurança alimentar e na sustentação de uma nova era de crescimento econômico. Deve ser acompanhada de uma profunda alteração da política agrícola, direcionando-a para o apoio ao SETOR REFORMADO.
3– É um passo na direção da construção de um novo modelo de sociedade no país. A reforma agrária é encarada como um processo amplo que deverá abarcar todo o campo brasileiro e todas as categorias de agricultores.
ASSENTAMENTO RURAL Trata-se de uma experiência de reforma agrária, quando o trabalhador rural sem terra recebe do Estado o direito de possuir a terra e sobreviver de seu trabalho nela.
É necessário que o Estado esteja pronto para assumir seu verdadeiro papel, que é o de realizar efetivamente a reforma agrária, que começa com o acesso à terra e continua na constituição da infra-estrutura necessária ao assentado, para que ele se mantenha nela, tais como políticas de crédito agrícola, acesso à educação e saúde rurais, estradas, energia elétrica etc.
Os conflitos e a violência no campo prosseguem, porque há uma luta sem trégua e sem fronteiras travada pelos camponeses e trabalhadores do campo por um pedaço de chão e contra as várias formas de exploração de seu trabalho. As elites, que precisam garantir sua herança histórica de concentração da terra, vêem na violência e na barbárie a única forma de manter seu patrimônio. Os números de mortes e conflitos por terra no Brasil já dizem tudo.
O que significa fazer a reforma agrária?
Significa transformar a sociedade brasileira, criando um novo projeto de sociedade, que seja mais justo e equilibrado na divisão de suas riquezas, que produza mais trabalho, que seja mais coerente na utilização dos recursos de seu território e do planeta. A reforma agrária no Brasil é uma questão de se fazer justiça com milhares de seus filhos que vivem uma discriminação histórica: a não-possibilidade de acesso ao trabalho, que lhes traga dignidade.
As reformulações que o espaço agrário brasileiro sofreu a partir da modernização, estratégia criada dentro do modelo econômico do “milagre”, materializada através dos CAI, tornaram o processo de produção agrícola brasileiro totalmente capitalista. Essa modernização de caráter conservador acentuou as migrações do campo para a cidade e inchou as periferias com trabalhadores expulsos de suas terras ou desempregados no campo.
Mesmo muito criticada, a modernização é exaltada por alguns como tendo sido a redenção da agricultura brasileira, considerada arcaica e ineficiente, que transformou o país em grande exportador mundial de alguns produtos agropecuários. Só que o mesmo país campeão em exportações é também dependente da importação de muitos dos produtos exportados, porque a lógica que está imposta é a lógica do mercado, e é a ele que a agricultura do agronegócio no Brasil visa atender. Não importa onde está o cliente, mas qual cliente paga melhor. Assim, o Brasil vai ficando vulnerável no que se refere à sua soberania alimentar. Entre a agricultura patronal ou do agronegócio e a agricultura familiar, exalta- se a superioridade desta última, expressa na distribuição da riqueza e na capacidade de geração de empregos. Entretanto, as políticas agrícolas dos últimos governantes têm orientado para o aniquilamento dos pequenos produtores e para o favorecimento da grande produção moderna. Nesse sentido, a luta pela reforma agrária no Brasil, que é uma questão histórica, deve se transformar numa política que seja voltada para alterar as bases do atual modelo de desenvolvimento, retomar o crescimento e garantir a segurança alimentar, baseando-se na agricultura familiar.



Resumo Geo 2- A concentração e a dispersão da indústria no Brasil - aula 9
No Brasil, as ferrovias predominaram na economia agroexportadora. Porém, os trens ligavam apenas as regiões produtoras com os portos de embarque das mercadorias para o exterior, mas não faziam a ligação entre as regiões do Brasil. A opção pelo modelo rodoviário feita após a Segunda Guerra, coincidiu com a criação da Petrobras e com o desenvolvimento da indústria automobilística no país.
A análise do processo de industrialização dos países desenvolvidos nos revela um padrão: no início do processo, costuma ocorrer uma nítida concentração industrial em pontos restritos do território. Com o passar do tempo, quando a indústria atinge sua maturidade, ocorre o inverso. A indústria dispersa-se pelo território em busca de novas localizações fora das velhas regiões fabris. As antigas regiões industriais tornam-se desvantajosas, devido ao aumento dos custos dos terrenos, à elevação dos impostos e dos salários, as desconforto ambiental típico das metrópoles e à força do movimento sindical que ali se instala.
A cidade de São Paulo, já nas primeiras décadas do século XX, transformou-se no principal pólo industrial do país. A economia cafeeira de exportação gerou as condições para o seu arranque industrial. Foram vários os fatores que levaram São Paulo a alcançar essa posição:

• A localização geográfica estratégica, pois situava-se no nó de ligação entre o leque de ferrovias que se abria para o oeste cafeeiro e o porto de Santos.
• O fato de ser o centro dos negócios de exportação e importação e das atividades bancárias, atraindo capitais e empresários investidores.
• A chegada dos imigrantes, fato que gerou uma classe operária e também um mercado consumidor numeroso, constituído por trabalhadores italianos e espanhóis.
• O crescimento econômico do interior, com o café, que abriu mercado consumidor para os produtos industriais que começaram a ser fabricados
1. Com base na análise das causas que levaram à concentração da indústria brasileira na região Sudeste, principalmente São Paulo, indique que tipos de conseqüências essa opção histórica provocou na distribuição espacial das indústrias no Brasil.
São Paulo transformou-se no principal pólo industrial do país em função da economia cafeeira de exportação, que gerou as condições necessárias para tal. São Paulo foi favorecido pelo fato de se situar no nó de ferrovias que ligavam o oeste cafeeiro ao porto de Santos; de ter sido o centro dos negócios de exportação e importação do café; pela chegada dos imigrantes, que gerou mão-de-obra e mercado consumidor; por possuir condições favoráveis de energia elétrica, transportes, mercado consumidor, mão-de-obra qualificada. São Paulo e Rio de Janeiro passaram a fazer parte do planejamento governamental, na década de 1950, como áreas ideais para se criar um grande pólo de desenvolvimento. Isso foi terrível para a distribuição espacial das indústrias, pois as demais regiões foram prejudicadas em seu desenvolvimento, já que o modelo que o país escolhera para se desenvolver baseava-se num projeto urbano- industrial, sobretudo, concentrado na região Sudeste.
A DESCONCENTRAÇÃO DA ATIVIDADE INDUSTRIAL NO BRASIL
Um dos motivos foi a política oficial de distribuição da indústria, adotada a partir da década de 1970, na qual o governo estabeleceu programas de incentivo à industrialização do Nordeste. Para o Centro-Oeste e a Amazônia, foram instalados projetos industriais integrados de mineração e agropecuária, e ainda, a Zona Franca de Manaus. Os governos brasileiros visavam corrigir o problema da acentuada concentração espacial que estava atraindo movimentos migratórios e causando aumento das tensões sociais nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, principalmente.
Um outro fator responsável pela desconcentração industrial foi a abertura da economia brasileira à entrada de empresas transnacionais, na década de 1990. Diante desse fato, muitas indústrias instalaram-se no Nordeste, ou para lá se deslocaram em busca de mão-de-obra mais barata, abandonando as áreas onde os salários, por conta da atividade sindical, já estavam mais elevados. Essas indústrias, porém, não estavam preocupadas em racionalizar os custos de produção utilizando-se, para isso, de tecnologias mais avançadas. Estavam trabalhando ainda com o modelo de desenvolvimento arcaico, aquele que predominou nas décadas de 1950 até 1970, o qual, para baratear o custo da produção, utilizava-se da mão-de-obra mais barata.
A desconcentração dos antigos centros industriais ocorreu em três principais eixos periféricos:
• o eixo Sul, que segue uma linha litorânea desde a cidade de Curitiba, no Paraná, até Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Neste eixo predominam os ramos tradicionais e a fabricação de bens de consumo;
• o eixo Nordeste, que se limita ao entorno das cidades de Salvador, Recife e Fortaleza;
• o eixo Norte, que corresponde apenas à Zona Franca de Manaus.
Em geral, podemos dividir em duas partes os impactos socio-espaciais causados pela mudança de localização das indústrias. Os primeiros são os impactos sofridos pelas áreas de onde as indústrias saíram. A maioria delas entra em processo de decadência, repetindo-se o fenômeno que ocorreu nas antigas áreas canavieiras do Nordeste quando o Ciclo da Cana declinou. Lembra-se do que aconteceu? Nós já estudamos isto. O declínio de uma atividade econômica gera desemprego, empobrecimento e fuga de população. No caso da indústria, as antigas áreas industriais urbanas, tanto centrais como periféricas, entram em decadência, o que pode ser verificado nas construções locais e no aspecto urbano, que se deteriora.
Outros impactos são verificados nas novas áreas ou novas cidades para as quais a indústria se deslocou, levando junto uma caótica implantação de inúmeras atividades que superlotam a área, atraem população, derrubam as antigas atividades locais, principalmente o comércio, atraem os vícios do capitalismo, como o tráfico e a prostituição, além da poluição ambiental. Causam, também, o aumento da desigualdade socioeconômica nas áreas estagnadas. Assim, ao se dispersar a concentração industrial, dispersam-se parte dos problemas dessas áreas; por outro lado, ao se concentrar em outro espaço, com o passar do tempo, concentram-se nele também os problemas.
Aponte as conseqüências socioespaciais do processo de dispersão da indústria pelo território brasileiro e que tipos de impacto podem ser provocados nas antigas áreas industriais.
As conseqüências da dispersão industrial podem variar. No caso do eixo Nordeste, houve baixa absorção de mão-de-obra local, o que pouco contribuiu para elevar os níveis de vida e emprego da população. As limitações de consumo dessa população direcionam a produção das indústrias para atender aos mercados do Centro-Sul. Com relação à Zona Franca de Manaus, a atual política de abertura econômica do país coloca em risco o projeto, o que representa o aumento da pobreza em Manaus, que não tem alternativas de substituição dos empregos gerados pela indústria. Agora temos um processo de desconcentração espacial da indústria, associado a uma crescente concentração do capital. Os impactos locais sofridos pelas áreas de onde as indústrias saíram geram um processo de decadência econômica e causam desemprego, empobrecimento e fuga de população. Isso pode ser verificado, em alguns casos, no aspecto urbano, que se deteriora. Nas áreas que recebem as indústrias deslocadas, há uma caótica implantação de atividades que atraem população e dão origem a problemas como o tráfico e a prostituição e geram poluição ambiental, além do aumento da desigualdade socioeconômica.

A indústria brasileira sempre esteve concentrada na região Sudeste, principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Só a partir de 1970 começamos a notar uma certa tendência à desconcentração espacial da indústria pois o estado, preocupado com as crescentes desigualdades regionais, passou a adotar uma política de incentivo à instalação de indústrias nas áreas menos desenvolvidas. Além disso, a saturação de algumas áreas urbanas já bastante ocupadas faz com que algumas empresas comecem a buscar novas áreas para evitar os problemas decorrentes dessa excessiva concentração, como o aumento do preço da terra, as dificuldades de transportes, o aumento dos impostos e tarifas públicas e, em alguns casos, a ampliação das pressões trabalhistas.
Entretanto, essa desconcentração espacial não vem acompanhada de uma desconcentração de capital, pois boa parte das indústrias que se instalam nas áreas periféricas são, na realidade, filiais de empresas com sede no Centro-Sul ou no exterior, o que faz com que o Centro-Sul ainda mantenha e até amplie sua característica de centro econômico do país. O que temos, agora, é um processo de desconcentração espacial da indústria associada a uma crescente concentração do capital. Essa tendência nada mais representa que uma repetição do que acontece no plano internacional, que foi a expansão para a periferia, isto é, para os países pobres, das multinacionais oriundas dos países ricos, em busca de vantagens.


Resumo aula 10 - População brasileira: formação, crescimento e estruturas
FORMAÇÃO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA

A população brasileira compõe-se de três elementos principais: os índios, que já se encontravam nestas terras; os brancos, que aqui chegaram para colonizar; e os negros, que foram trazidos pelos brancos na condição de escravos.
Em 1973, durante o governo militar, a Funai iniciou a demarcação das terras indígenas. Na mesma época, a Amazônia, último reduto das populações indígenas no Brasil, tornou-se objeto de uma política de colonização e ocupação com finalidade produtiva.
De 1500 até 1808, somente portugueses tinham livre acesso ao território brasileiro, com exceção de alguns milhares de espanhóis que entraram durante a união ibérica, e os holandeses que por aqui permaneceram depois das invasões. A partir de 1818, o governo financiou a vinda de algumas centenas de suíços e alemães. Estes se fixaram nas serras do atual estado do Rio de Janeiro, em torno da cidade de Nova Friburgo, pois o peso numérico das populações negras e indígenas assustava os governantes que começaram a buscar uma forma de “branquear” a população brasileira.
Os negros começaram a chegar no início do século XVI, na Zona da Mata nordestina. No século XVII, a cultura do algodão os levou para o Maranhão e, no século XVIII, os metais preciosos, para Minas Gerais. Na sociedade atual, para o negro, a marginalização se tornou uma nova forma de escravidão, ou seja, uma “escravidão moderna”. Um exemplo disso é a taxa de analfabetismo, que entre os brancos é de 12% e entre os negros e mestiços corresponde a 30%. Os brancos predominam nas atividades não-manuais, enquanto negros e mestiços fazem o trabalho pesado e de baixa remuneração.
Um dos maiores surtos de crescimento populacional ocorreu na Europa, no final do século XVIII, em função da Revolução Industrial, fato que espantou muitos estudiosos do assunto. Um deles foi Thomas Malthus, que, em 1798, formulou uma teoria catastrófica sobre a relação população/alimentos. Para ele a produção de alimentos cresceria em progressão aritmética (1,2,3,4,5) e a população cresceria em progressão geométrica (1,2,4,8,16), o que causaria, cada vez mais, fome e miséria.
Hoje sabemos, porém, que Malthus estava errado, pois a tecnologia foi capaz de ampliar a produção de alimentos. Hoje produzimos quase o dobro de alimentos necessários para alimentar a população mundial. No entanto, o problema da fome e da miséria não foi resolvido, devido à concentração de riquezas no mundo. Em contrapartida, verifica-se uma tendência à estabilização do crescimento populacional. Surgiu daí o conceito de transição demográfica, que é a transição entre dois momentos de crescimento populacional.
a) período de pré-transição, no qual o crescimento da população obedece a um ritmo lento devido às elevadas taxas de natalidade e mortalidade.
b) período de pós-transição, no qual o crescimento da população obedece também a um ritmo lento, porém, agora, ao contrário do primeiro momento, em função das baixas taxas de natalidade e mortalidade.
c) no auge do processo de transição demográfica, este período de crescimento rápido resulta do fato de que primeiro ocorre a redução da mortalidade (resultado da maior oferta de alimentos e da melhoria das condições médico-sanitárias), enquanto as taxas de natalidade ainda se mantêm altas, gerando uma explosão demográfica (nascem muitos e morrem poucos).
A transição demográfica dos países pobres gerou um novo surto de crescimento demográfico (maior do que aquele que ocorreu nos países ricos), quando a população mundial passou de 2,5 bilhões, na década de 1950, para 6,6 bilhões no ano 2000. E a concepção de Malthus foi ressuscitada. Para os neomalthusianos, o elevado crescimento populacional é a principal causa da pobreza nos países subdesenvolvidos, pois desvia recursos para setores não-produtivos, como creches e escolas, e cria uma relação desfavorável entre o número de pessoas que trabalham, passando este a ser bem menor do que o número de pessoas a serem sustentadas (crianças e aposentados).
Prova-se, estatisticamente, que entre os grupos de maior escolaridade, e portanto de maior renda, a natalidade é mais baixa. Em função disso, a forma mais eficaz de controlar a natalidade consistiria na melhor distribuição de recursos entre a população de um país, diminuindo a desigualdade social dos países subdesenvolvidos. Essa população, então com mais recursos, teria mais condições de investir na educação das futuras gerações, o que resultaria numa redução mais rápida da natalidade, acelerando a tendência já comprovada pelos estudos demográficos.
De acordo com a transição demográfica ocorrida nos países pobres, desde a década de 1970 a população brasileira vem diminuindo o ritmo de crescimento, como resultado da queda da taxa de fecundidade, que é o valor médio do número de filhos por família. A transição demográfica brasileira está prestes a se completar. Prevê-se que o Brasil atingirá sua estabilidade populacional até 2050, quando terá quase 250 milhões de habitantes. Este fato nos trará grandes problemas relacionados às necessidades básicas da população, como trabalho, saúde e educação.
Em 1940 a população brasileira totalizava 42 milhões e, em 1970, 93 milhões. Um crescimento de 130% transformou o controle do crescimento da natalidade numa prioridade do Estado. Porém, as correntes contrárias ao neomalthusianismo, apoiadas na filosofia marxista, afirmam que está ocorrendo o inverso. A transição demográfica não se concretiza porque a pobreza constitui a principal causa da elevada natalidade. Elas acreditam que a melhor forma de diminuir a natalidade resume-se em elevar o nível de vida da população, por meio de melhor distribuição da renda nacional.
ECONOMIA DOS VÁRIOS TIPOS DE PAÍSES
1. Países de economia agrária: são os mais pobres, e neles existe maior concentração da força de trabalho e da renda do país nas atividades do SETOR PRIMÁRIO, pois são países pouco industrializados.

2. Países de economia pós-industrial: são os países mais desenvolvidos, e neles os avanços agrícolas, incluindo a mecanização, economizaram mão-de-obra, liberando os trabalhadores do campo para as cidades. Instalados nas zonas urbanas, estes formaram os mercados consumidores que provocaram o desenvolvimento das indústrias, do comércio e dos serviços. Sendo assim, nesses países, as atividades do setor primário possuem uma absorção mínima da força de trabalho total do país, predominando o SETOR TERCIÁRIO.
3. Países de industrialização tardia: desta categoria fazem parte países como o Brasil, que somente em meados do século XX tiveram sua Revolução Industrial dependente das tecnologias e capitais externos. Eles possuem um traço comum: o setor primário vem perdendo importância, e o secundário e o terciário vêm absorvendo parcelas maiores da população.
A modernização agrícola causou um grande deslocamento de mão-de- obra do campo para as cidades, tanto nos países chamados pós-industriais quanto nos outros, que tiveram industrialização tardia e dependente, como foi o caso do Brasil. Existe, porém, uma diferença muito grande na absorção dessa mão-de-obra. Na sua opinião, qual foi o destino tomado por essa mão-de-obra excedente do campo nos países pós-industriais e nos países de industrialização tardia, como o Brasil?
Em ambos os grupos de países, houve modernização agrícola, que gerou deslocamento populacional do campo para as cidades. Nos países pós-industriais, o destino dessa população foi o setor secundário, que se encontrava em expansão e, posteriormente, com a diminuição da absorção da mão-de-obra pelo secundário, ela foi sendo transferida lentamente para o terciário. Nos países de industrialização tardia, o processo não se deu da mesma forma. O setor secundário não tinha a capacidade de absorção de toda a mão-de-obra disponível que veio do campo. Em função disso, uma grande parcela da mesma passou diretamente para o terciário informal, causando um excesso de mão- de-obra, fenômeno conhecido como hipertrofia do terciário
No Brasil, durante décadas, a mão-de-obra saída do campo era absorvida pela expansão da economia urbana e industrial, isto é, tinha emprego assegurado nas cidades. O modelo de substituição de importações, visto na Aula 2, em função das medidas protecionistas adotadas, isolava as nossas empresas da concorrência das estrangeiras. Pela falta de concorrência, a indústria nacional acomodava-se, e tendia a produzir artigos caros e de qualidade inferior, porém o desemprego era pequeno. Com a globalização e a abertura do nosso mercado à concorrência externa, a indústria foi obrigada a atingir novos patamares de produtividade, necessitando, para isso, de maior qualificação de sua mão-de-obra. Esta é a chamada Revolução Tecnocientífica, e o seu principal efeito é a valorização da mão-de-obra qualificada e a conseqüente desvalorização da força de trabalho com baixo nível de instrução, que ficou submetida ao subemprego informal ou ao desemprego.
A nossa taxa de analfabetismo ainda supera os 10%. No Nordeste, mais de um quarto dos adultos são analfabetos. O ANALFABETISMO FUNCIONAL(não interpreta textos) é ainda mais difundido. A taxa nacional é de 30%, e no meio urbano diminui para 25%, mas no Nordeste sobe para 50%. Todos esses analfabetos estão excluídos do mercado de trabalho formal urbano pela incapacidade de ler manuais de instruções técnicas ou de adquirir habilidades para manipular computadores e outras máquinas, ficando condenados ao desemprego ou ao subemprego no setor informal. Esses requisitos descritos acima correspondem ao nível médio de escolaridade. No Brasil, a escolaridade média, para indivíduos de 18 e 19 anos, é de sete anos de estudo. No Nordeste, cai para cinco anos de estudo. Na faixa etária dos 15 aos 17 anos, um quarto da população já não freqüenta a escola. O ingresso precoce dos jovens no mercado de trabalho reflete as condições de pobreza e sabota a qualificação da força de trabalho no país, reforçando, assim, a exclusão social. E a batalha contra a exclusão depende de pesados e eficientes investimentos públicos em Educação e de uma simultânea conscientização da população quanto às novas demandas do mercado de trabalho.
A Revolução tecnológica vem exigindo maior qualificação da mão-de-obra, criando cargos mais especializados, enquanto no Brasil, como em outros países pobres, temos uma carência grande no setor educacional. Por este motivo é que os vários textos sobre o assunto apontam como a principal causa do desemprego no Brasil, a falta de qualificação da nossa mão-de-obra para os cargos que vêm sendo criados e, que, diante disso, ela está sendo obrigada a se refugiar nos empregos da economia informal.
A população brasileira, que se formou a partir da composição entre os índios, os brancos e os negros, segue o padrão de transição demográfica mundial.
Nossa transição demográfica começou após a Segunda Guerra, a exemplo do que aconteceu nos países pobres de maneira geral. Iniciou-se, pela queda da mortalidade, causada pela difusão de práticas médicas – já utilizadas no mundo rico – para o mundo pobre, mesmo com a natalidade elevada. A transição demográfica dos países pobres gerou um novo surto de crescimento demográfico mundial.
A estabilização do crescimento populacional é uma questão de tempo. As principais causas são a modernização da economia e a conseqüente urbanização, principalmente o aumento da escolaridade: quanto maior a escolaridade, maior será a renda, e a natalidade, mais baixa.
Em concomitância ao processo de transição demográfica tivemos a modernização agrícola, que gerou deslocamento populacional do campo para as cidades. Esse processo se deu de forma diferenciada nos três grupos de países.

O avanço tecnológico cada vez mais acelerado exige maior qualificação da mão-de-obra e maior especialização dos cargos. Mas, no Brasil, assim como em outros países pobres, há uma carência educacional, que não possibilita preparar adequadamente as pessoas frente às exigências do mercado de trabalho. Por isso, a principal causa do desemprego no Brasil é a falta de qualificação necessária, o que obriga a população a se refugiar nos empregos da economia informal.


Resumo Aula 11 - Deslocamentos populacionais no Brasil de ontem e de hoje
Historicamente, a Região Nordeste foi a primeira área que exerceu grande atração populacional, em função da produção açucareira, até o século XVIII. No século XVIII, com a estagnação da sua economia e a descoberta de metais preciosos na região de Minas Gerais, a população nordestina se deslocou para essa área. Desde então, a Região Nordeste transformou-se em área de repulsão populacional.
Mais tarde, outras atividades em declínio ou expansão provocariam o deslocamento da população brasileira. Foi o caso da atividade mineradora, em Minas Gerais; do extrativismo da borracha, na Amazônia; da cafeicultura, no Sudeste; e da rápida industrialização de São Paulo e Rio de Janeiro, que atraiu milhares de trabalhadores de todas as partes do Brasil, em especial da Região Nordeste.
Na segunda metade do século XX, a expansão da agricultura de exportação gerou fluxos migratórios para diversas regiões do interior do Brasil, principalmente para as regiões Norte e Centro-Oeste, contribuindo para maior interiorização da população.

IMIGRANTES E EMIGRANTES DO TERRITÓRIO BRASILEIRO

Antes de iniciarmos o assunto, vamos tentar esclarecer a diferença entre o ato de emigrar, que significa sair de um país, e o de imigrar, que significa entrar em um país. Neste caso, observe, por exemplo, um português que veio para o Brasil. Em Portugal, o indivíduo foi declarado emigrante; porém, no Brasil, é considerado imigrante.
O Brasil, pela extensão do seu território e pelos recursos disponíveis, sempre foi um grande atrator de fluxos populacionais.

• Primeiro período: inicia-se em 1808, com a chegada de D. João e da família real, e com a permissão para o comércio do Brasil com outros países e a entrada de imigrantes. Termina em 1850, com a proibição do tráfico de escravos.
• Segundo período: de 1850 até 1930. Foi o período de maior entrada de imigrantes, em função de uma causa interna e outra externa. A causa interna foi a necessidade de mão-de-obra para a cafeicultura. A causa externa foi a integração do sul da Itália ao restante do território italiano. Essa área teve a sua indústria desestruturada em função da concorrência com a do norte e causou desemprego, tanto industrial quanto agrícola, tornando-se uma área repulsora. A causa externa foi a integração do sul da Itália ao restante do território italiano. Essa área teve a sua indústria desestruturada em função da concorrência com a do norte e causou desemprego, tanto industrial
quanto agrícola, tornando-se uma área repulsora.
• Terceiro período: de 1930 até os dias atuais. Nesse período, os europeus foram atraídos pela industrialização que ocorreu na década de 1950 e pelo “milagre brasileiro” que ocorreu na década de 1970.

A partir da década de 1980, verificou-se uma inversão do fluxo migratório no Brasil, que antes era de mais entradas e depois passou a ser de mais saídas, instituindo-se numa nova etapa na história das migrações brasileiras, ocasionada pelos seguintes fatores: a crise econômica interna, que não permitia a oferta de empregos, além de representar perda do valor real dos salários; a inflação; a recessão econômica. Iniciou-se também, nesse período, um fato grave chamado “fuga de cérebros”, que é a saída de mão-de-obra superqualificada em busca de melhores empregos. Dentre eles, cientistas, pesquisadores e professores emigram em vista das precárias condições da pesquisa científica no Brasil.

A composição da população brasileira reflete a transferência de migrantes de várias nações do mundo. Dentre as principais causas, estavam a busca de melhores condições econômicas e de estabilidade social e política. Esses imigrantes se espalharam por todo o Brasil e foram responsáveis pela construção de uma parte importante de nossa história.

OS PRINCIPAIS MOVIMENTOS POPULACIONAIS INTERNOS

São elas a migração sazonal, também conhecida como transumância ou migração pendular, e o êxodo rural.
A transumância é um deslocamento temporário (ida e volta contínua, por isso conhecida como pendular) e está relacionada a uma fase do ano (sazonal) sempre ligada a uma atividade econômica que necessita de mão-de-obra. Como movimentos pendulares incluem-se também aqueles realizados diariamente por milhares de trabalhadores urbanos que vivem nas periferias e trabalham nos grandes centros urbanos.

O êxodo rural, é o deslocamento de populações que abandonam o campo para procurar emprego na cidade.
Ele pode ser temporário, quando o migrante, depois de algum tempo trabalhando fora, retorna à sua área de origem; ou pode ser definitivo. Com relação ao êxodo rural temporário, podemos listar alguns exemplos:

• indígenas já aculturados, que migram temporariamente para as cidades mais próximas, quando suas tribos passam por dificuldades, em busca de trabalho e depois retornam;
• filhos de pequenos agricultores que, na entressafra – período em que não há trabalho nas suas terras –, deslocam-se para trabalhar nos centros urbanos mais próximos e depois retornam para o plantio ou para a colheita em suas terras;
• trabalhadores rurais e urbanos que se empregam temporariamente em grandes obras de construção civil, tais como hidrelétricas;
• trabalhadores rurais volantes que, na entressafra agrícola, deslocam-se para os garimpos e depois retornam. O êxodo rural, a partir de 1950, passou a ser o mais importante movimento populacional dentro do Brasil, pois foi esse movimento que transformou o Brasil num país urbano.

A implantação da indústria nas três grandes cidades do Sudeste, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, a partir de 1930, atraiu, além dos imigrantes estrangeiros, grandes levas de migrantes internos. Estes vieram, principalmente, do Nordeste, região que ainda hoje se constitui numa grande área de repulsão populacional, em função da estagnação econômica em grande parte de seu território.

A estagnação econômica que ocorreu depois do período da cana-de- açúcar e a extrema concentração das terras nas mãos dos latifundiários transformaram o Nordeste num depósito de mão-de-obra barata para os centros industriais do Sudeste, o maior atrativo populacional do século XX. A imensa maioria dos migrantes nordestinos é de mão-de-obra desqualificada e recebe os piores salários. Dos trabalhadores que formam a economia informal, 35% são migrantes (não só nordestinos) e seu salário médio é 30% menor do que o dos residentes antigos.
A cidade de São Paulo foi a que recebeu mais migrantes. Na década de 1960, sua população teve um aumento de 72%, enquanto no Rio de Janeiro o aumento foi de 38% no mesmo período.
A maior conseqüência espacial do grande fluxo migratório que ocorreu em direção às cidades industriais do Sudeste foi a formação de aglomerações urbanas situadas na periferia dessas cidades. Essas aglomerações também se espalharam pelos municípios vizinhos, e eles cresceram tanto que se encostaram no município principal, dando origem a um fenômeno urbano chamado “região metropolitana”.

A política rodoviarista, isto é, aquela política iniciada no governo de Juscelino Kubitschek e seguida pelos governos militares dava prioridade à utilização do transporte rodoviário, facilitou muito a mobilidade espacial da população em direção às grandes cidades do Sudeste.

Até a década de 1940, a população brasileira concentrava-se absolutamente no litoral, em função de a nossa economia já ter nascido voltada para as exportações. As grandes regiões Norte e Centro-Oeste tinham DENSIDADES DEMOGRÁFICAS muito baixas, que eram de 0,41 e 0,67 hab/km2. As duas juntas possuíam apenas 6,5% da população do país.
A partir da década de 1940, iniciou-se a chamada marcha para o interior do país, isto é, uma expansão da fronteira agrícola, pois, estando as terras litorâneas já muito ocupadas, a população passou a buscar novas terras, com custos menores para plantar ou para criar animais.

Na década de 1950, houve uma intensificação dos deslocamentos populacionais em todo o país. Dentro da Região Nordeste, os habitantes do litoral, que era a antiga área da cana-de-açúcar, foram atraídos para o Maranhão, para a coleta de coco de babaçu e o cultivo de arroz. Os nordestinos de toda a região se dirigiram a Mato Grosso, para os garimpos; e a Rondônia, para a extração de cassiterita. Houve também nessa época um grande deslocamento de gaúchos para o norte do Paraná, em busca de novas terras que foram abertas para a agricultura. Em Goiás, a construção de Brasília também atraiu populações de todo o Brasil, principalmente de nordestinos.

A partir da entrada dos militares no poder, a grande preocupação passou a ser a integração da Amazônia ao território nacional, de acordo com a ideologia da segurança nacional, na qual uma fronteira desabitada seria mais facilmente invadida ou tomada. O governo utilizava o chavão: “Atrair os homens sem terras para as terras sem homens.” Iniciou-se, então, a implantação, pela Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), de projetos minerais e agropecuários, ignorando os pequenos proprietários que já ocupavam as terras ou que necessitavam delas.

Na década de 1970, iniciou-se a construção da Rodovia Transamazônica e da Cuiabá–Santarém, com o objetivo de ocupação dessas áreas. A Rodovia Transamazônica inicia-se na Região Nordeste (Cabedelo, na Paraíba) e segue em direção à Amazônia, com o objetivo de desviar o fluxo de nordestinos para o Sudeste, que já estava superpovoado. Tinha como objetivos, também, diminuir conflitos de terras no Nordeste e alimentar a Amazônia de mão-de-obra. Essas estradas foram implantadas sem estudos de impacto ambiental ou social; por isso, causaram muita destruição, principalmente, aos indígenas.
Ainda na década de 1970, iniciou-se um aumento da “apropriação injusta da terra” na Amazônia. O governo, que fez tudo para atrair migrantes, não lhes garantiu o acesso à terra, que era tomada injustamente pelos latifundiários. A saída encontrada por esses pequenos agricultores foi a de se transformarem em trabalhadores assalariados rurais e, até mesmo, urbanos. Com isso, as cidades e vilas da região passaram a ter estoque de mão-de-obra para as frentes de trabalho de derrubada das matas e para os garimpos, o que explica o grande crescimento das cidades (da população urbana) na Amazônia.

Rondônia e Roraima foram as unidades da Federação que mais cresceram entre 1970 e 1990. Nessa época, com o fracasso da ocupação em torno da Rodovia Transamazônica, restou Rondônia como uma das poucas alternativas de acesso à terra para o pequeno produtor rural. Nessa região, foram implantados projetos de colonização das terras pelo Governo Federal, e não pela iniciativa privada, utilizando-se empréstimos do Banco Mundial.
Nessa região, o fluxo migratório foi superior à capacidade de absorção dos projetos do INCRA, resultando no inchamento dos centros urbanos e na transformação dos migrantes num exército de mão-de-obra disponível para as fazendas de gado e as madeireiras da região. Rondônia iniciou seu crescimento populacional com a exploração de cassiterita, na década de 1960, e, na década seguinte, com os programas de colonização e a melhoria das rodovias Cuiabá–Porto Velho e Porto Velho–Manaus.
Atualmente, as grandes fazendas ocupam as melhores áreas dos projetos de colonização ao longo das rodovias. Sua ocupação tem sido desastrosa, em função do desmatamento que tem provocado. No início de 1980, Roraima funcionou como um dos “últimos eldorados amazônicos”. Foram encontrados ouro e diamantes nas terras
pertencentes aos Ianomâmis, o que atraiu um grande fluxo migratório.
Em 1991, o Governo Federal demarcou as terras dos ianomâmis, o que fez com que a migração diminuísse e os garimpeiros fossem transformados em trabalhadores assalariados temporários ou posseiros. As marcas da decadência ficaram na paisagem da sua capital, Boa Vista, nas favelas que surgiram na periferia urbana.

No final da década de 1970, vemos o início de um novo movimento emigratório da população rural brasileira, conduzido pela expansão da fronteira agrícola para além dos limites do território, isto é, invadindo terras de outros países da América do Sul que fazem fronteira com o Brasil.
O resultado desse caso de expansão agrícola foi o beneficiamento do grande capital, representado pelos grandes proprietários e pelas empresas madeireiras em detrimento dos pequenos proprietários que, sem a proteção da lei, foram expropriados, isto é, expulsos de suas terras de direito.
No Paraguai, hoje, temos cerca de 350 mil agricultores brasileiros ou brasiguaios que são responsáveis por 90% das exportações de soja do Paraguai, 80% do milho, 60% da carne e 50% da produção agroindustrial.

2. Um movimento de intensa migração no Brasil, conhecido como “marcha para o oeste”, caracterizou-se como uma expansão da fronteira agrícola brasileira. Que tipo de conseqüências sociais, econômicas e ambientais foram produzidas por esse movimento de população sobre o território?
Esse é um fenômeno que, apesar de ter sido mais intenso numa determinada época da história brasileira, ainda ocorre. A principal causa da interiorização da população brasileira foi o encarecimento das terras no litoral, já bastante ocupado, o aumento das exportações brasileiras e a demanda por novas áreas agrícolas. Dentre as conseqüências, temos a grande degradação ambiental que a agricultura de exportação vem causando, principalmente a derrubada das florestas e a contaminação dos rios, a destruição das tribos indígenas e o empobrecimento cada vez maior dos produtores rurais que não contam com a assistência plena do Estado para a
sua manutenção nessas áreas.

Assim, o nosso país foi redefinindo a sua história de movimentação populacional, pois novas tendências se configuraram. Se no princípio, no século XIX, tivemos o fluxo imigratório superando o emigratório, no século XX tivemos a inversão dessa situação. A região que outrora fora a maior recebedora dos fluxos migratórios (Sudeste) perde essa categoria. No momento atual, a população brasileira tem buscado mais o interior do país, assim como outros países do continente, configurando-se, assim, maior diversidade migratória no Brasil.

A grande atração populacional exercida pelo Sudeste em meados do século XX se deu por conta da implantação da indústria, que necessitava, no início, de muita mão-de-obra para o seu funcionamento. Depois, em meados da década de 1960, foi o resultado da política desenvolvimentista voltada para o mercado de exportação, implantada pelos governos militares, que esvaziou o campo e inchou a cidade, fazendo emergir uma questão urbana de difícil solução. O crescimento urbano acelerado e desordenado, e o empobrecimento da população provocaram a deterioração progressiva das condições de vida nas cidades.

A história dos assentamentos populacionais no território brasileiro tem seu início bem antes da colonização, com a chegada dos primeiros habitantes, os índios. Durante a colonização européia, foram assentados os brancos portugueses e demais imigrantes; e os negros, como escravos. A história se inicia com o fluxo imigratório superando o emigratório, o que se inverte a partir da década de 1980. No plano interno, a primeira grande região a receber e concentrar população foi o Nordeste, em função do ciclo da cana. Com o seu declínio, torna-se uma área de repulsão populacional, de onde partem migrantes para todas as outras regiões do país, acompanhando os ciclos produtores que se desenvolvem em outras áreas, até finalizar com a indústria, o maior fator de atração de populações de todos os tempos, que ocorreu na Região Sudeste em meados do século XX.
Atualmente, a situação migratória no país segue as seguintes tendências: diminuição do afluxo para a indústria do Sudeste, em função de que esta inicia seu deslocamento para áreas mais interioranas, e também porque passou a demandar menos mão-de-obra. Os maiores afluxos migratórios, depois do industrial, foram os que acompanharam a expansão das fronteiras agrícolas, que ultrapassaram os limites do território brasileiro e invadiram outros países da América do Sul. Neste novo século, vemos não só o adensamento populacional dos centros de pequeno e médio portes, nos quais a indústria passou a ser implantada, como também maior diversidade migratória dentro de cada região.



Resumo aula 12 - A urbanização brasileira
Entender a urbanização brasileira não só como um processo de transferência de população rural para o meio urbano, mas também como um processo que provocou intensas transformações sociais e ambientais no território.
Essa urbanização se caracteriza pela ampliação do número de cidades, pela concentração da população nos grandes centros, pela grande importância política e econômica das cidades e, particularmente, das metrópoles, e pela enorme SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL(Separação no espaço das classes sociais. Exemplo: Na Barra da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro, existem luxuosos condomínios, servidos por toda a infraestrutura urbana. Enquanto isso, no mesmo bairro, erguem-se favelas numerosas, carentes de todo e qualquer tipo de serviço.)

Quando a industrialização ganhou impulso definitivo, em 1930, o Brasil tinha 30% de sua população nas cidades e 70% no campo. Em 1980, esse percentual tinha se invertido. Isso dá idéia de quão rápidas foram as transformações do espaço brasileiro nesse período, com o incremento da industrialização e as mudanças na agricultura.
A industrialização brasileira se caracteriza por seu caráter poupador de mão-de-obra, pois se realizou “pulando etapas”, não passando por todas as fases de desenvolvimento por que passaram os países que primeiro fizeram a Revolução Industrial. O Brasil, ao iniciar seu processo de industrialização, já dispunha de um nível tecnológico elevado (se comparado ao patamar daqueles que iniciaram sua industrialização no século XVIII). Isso fez com que boa parte dos trabalhadores não fosse absorvida, dando origem a um setor terciário vasto e caracterizado pelo SUBEMPREGO.

Um fator determinante para a transformação urbanística de algumas cidades do país foi a transferência da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, onde ela se instalou. Essa cidade recebeu uma forte influência urbanística que a aproximou das cidades européias. Além disso, nesse mesmo período, a cidade do Rio de Janeiro atingiu o primeiro lugar quanto ao número de habitantes das cidades brasileiras, desbancando Salvador e Recife, que foram redinamizadas com a retomada do crescimento do setor agrário, principalmente através da recuperação da produção da cana-de-açúcar.

A economia e a política foram os principais vetores de estímulo para a fundação de muitas cidades localizadas nas principais regiões econômicas do Brasil, como o Sudeste e o Nordeste. Quanto ao espaço físico, as condições favoráveis de relevo, as boas terras e o clima definiram as características dos lugares.

Mais uma vez a cafeicultura e as ferrovias tiveram papel importante na dinamização do país. Ambas foram fatores muito importantes na criação de cidades do Sudeste, que giravam em torno da economia do café e também da cana-de-açúcar. Cidades como Ribeirão Preto e Bauru, em São Paulo, nasceram em função disso. Também no Nordeste, a ferrovia construída por iniciativa dos grandes produtores de cana criou uma significativa rede de cidades, interligando o interior do sertão baiano ao litoral canavieiro do Nordeste, chegando, no final do século XIX, ao norte de Minas Gerais, a Juazeiro e Petrolina, na fronteira entre Bahia e Pernambuco.
Mesmo com toda a expansão da sua rede urbana, o Brasil chegou às primeiras décadas do século XX tendo uma população predominantemente rural. As mudanças ocorridas na política e no sistema socioeconômico, com a introdução do trabalho livre e assalariado, permitiram ao país adotar uma nova forma de ocupação de seu território. A economia de caráter agroexportador reproduzia relações sociais de trabalho que fixavam o homem ao campo.

A população assalariada favoreceu a organização dos mercados urbanos. Nos novos e antigos centros urbanos acumulavam-se trabalhadores livres, empregados nas atividades industriais e no setor terciário.
Sabe qual foi a novidade maior desse período? As senzalas foram substituídas pelos cortiços, e aos escravos recém-libertos restou lutarem pela sobrevivência nas cidades, dependendo do dinheiro do seu salário
para comprar os gêneros alimentícios e também para pagar por sua moradia. São as novas relações capitalistas de trabalho se consolidando na nossa sociedade. A industrialização e a modernização da agricultura que acabaram incentivando a migração campo-cidade geraram empregos especializados, expandiram a classe média e aqueceram o consumo urbano, estimulando o comércio e a expansão da prestação dos serviços urbanos. Viver na cidade tornou-se moderno, ao mesmo tempo que permanecer no campo tornou-se sinônimo de atrasado.

A economia e a política estimularam a fundação de cidades localizadas nas principais regiões econômicas do Brasil. A industrialização e a modernização da agricultura foram projetos políticos calcados num projeto maior de modernizar o Brasil. No caso de Brasília, temos duas dinâmicas distintas no que se refere ao ordenamento do espaço urbano. Na área central houve uma ação planejada enquanto nas áreas periféricas o crescimento espontâneo foi gerando um outro padrão de urbanização que foge do previamente estipulado

Segundo a etimologia, o termo metrópole significa "cidade-mãe", atualmente usada como sinônimo de grande cidade. Para a Geografia, o termo tem um significado mais preciso. A metrópole, além de ser uma grande cidade, precisa ser dotada de certas características, como: – um crescimento que faz a cidade se expandir, prolongando a para fora de seu perímetro, e absorver aglomerados rurais e outras cidades; – a existência de um centro histórico onde se concentram atividades de serviços e a partir do qual surgem subcentros; – a dicotomia entre a existência da cidade como espaço edificado e a estrutura político-administrativa. Como exemplo temos o ABCD paulista, onde cada cidade tem seu centro administrativo municipal autônomo e, juntas, formam uma CONURBAÇÃO ( Interligação de cidades pela expansão periférica da malha urbana ou pela integração socioeconômica comandada pelo processo de industrialização. Ex.: o Grande Rio, que une vários municípios, como Duque de Caxias e Nova Iguaçu.que dá origem à metrópole); – fluxos de circulação de veículos com dois picos de maior intensidade, normalmente no período da manhã e no final da tarde, formando o chamado fluxo pendular, atravessando mais de uma cidade.

No plano governamental, entrou em vigor, em 2001, o Estatuto da Cidade, lei que regulamenta o capítulo de política urbana (artigos 182 e 183) da Constituição Federal de 1998. Essa lei estabelece, no âmbito de cada cidade, as condições de cumprimento da função social da propriedade e da própria cidade.

O IBGE define a classificação da hierarquia urbana brasileira a partir da adoção dos seguintes critérios:
• a rede viária e o fluxo de passageiros;
• o estudo do fluxo de bens e serviços entre os diferentes centros do país (prestação de serviços de saúde, educação, comércio etc.).
Dessa definição, foi possível identificar uma hierarquia de importância entre os grandes centros urbanos:
1. metrópoles nacionais (São Paulo e Rio de Janeiro);
2. metrópoles regionais (Recife, Salvador, Belém, Curitiba, Porto Alegre, Fortaleza e Belo Horizonte);
3. centros regionais (Brasília, Goiânia, Campinas, Campina Grande, Londrina).

As grandes cidades brasileiras têm refletido no espaço os problemas derivados da aglomeração populacional e da falta de projetos governamentais que ofereçam opções definitivas para esses problemas. Problemas de habitação, transporte, saneamento básico, educação de qualidade, acesso ao emprego, exacerbam as condições de subvida de milhares de pessoas nas grandes cidades e levam ao aumento da violência urbana. A violência é um sintoma social do espaço urbano e reflete a falta de oportunidades.

O fenômeno da globalização produziu, ao longo das últimas décadas, novas fontes de riqueza, mas também de pobreza, nas grandes cidades. Estima-se que no Brasil, hoje, aproximadamente 80% da população das favelas concentra-se nas regiões metropolitanas, e 70% das moradias são construídas pelos próprios moradores, normalmente
em terrenos sujeitos a desmoronamentos, o que causa risco de morte para essas pessoas.

Quais as medidas fundamentais a serem criadas, a fim de favorecer a sociedade urbana?
O espaço da cidade precisa apresentar condições dignas de moradia, trabalho e lazer para os seus ocupantes. Nesse sentido, a própria sociedade deveria participar da discussão dos projetos que envolvem o espaço urbano onde eles vivem, como serão aplicados os recursos, quais são os maiores problemas a serem enfrentados, onde encontrar soluções. O Estatuto da Cidade, lei que regulamenta o capítulo de política urbana, serve justamente para isso, mas poucos brasileiros conhecem ou já ouviram falar dele.

A dinâmica do espaço brasileiro atual se caracteriza por sua profunda urbanização, acelerada pelo processo de industrialização em 1930, quando o Brasil tinha 30% de sua população nas cidades e 70% no campo. Em 1980 este percentual se inverteu. O fenômeno da globalização, iniciado nos anos 1990, produziu novas fontes de pobreza nas grandes cidades. De outro lado, os gastos públicos privilegiaram a criação de uma infra-estrutura para atender às necessidades das atividades produtivas, em detrimento da satisfação das necessidades sociais. Os problemas urbanos se agravaram: submoradia, subemprego, falta de transportes coletivos de qualidade, falta de infra-estrutura básica, como pavimentação, coleta de esgotos, água, luz elétrica, a decadência do ensino público e a deterioração da assistência médico-hospitalar. A submoradia acabou se caracterizando como
um dos problemas urbanos mais graves, sendo que, dos anos 1980 para cá, ela se multiplicou nas grandes cidades. Enquanto isso, o Estado brasileiro atuou apenas no sentido de sacramentar a desordem urbana, buscando soluções paliativas para os graves problemas urbanos.


Resumo aula 13 - O Brasil regional
QUAIS FORAM AS DIVISÕES DO BRASIL?
Antes da década de 1930, a economia brasileira era constituída por várias economias, zonas produtivas isoladas, pouco interligadas entre si. Essas economias estavam subordinadas ao poder das elites regionais, as quais lucravam com as exportações, e não ao governo central, como foi o caso da cana-de-açúcar, da mineração, do café, entre outras. Portanto, em 1930, o governo de Getúlio Vargas buscou a integração econômica desses arquipélagos. Para isso, tomou as seguintes providências:
a. buscou aumentar o comércio inter-regional;
b. buscou fazer obras de infra-estrutura de alcance nacional, como, por exemplo, a melhoria dos transportes.

Para que fossem feitos estudos visando a dividir o nosso território, o governo central, em 1934, criou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. O IBGE estaria encarregado de realizar levantamentos demográficos, econômicos e sociais. Com base nesses estudos, o IBGE, em 1941, estabeleceu a primeira divisão regional do Brasil, com o objetivo de uniformizar e tornar comparáveis entre si os estudos e levantamentos estatísticos realizados pelos órgãos federais das diversas regiões, fornecendo-lhes uma base territorial comum. E também servir de suporte para o ensino de Geografia do Brasil.
Essa regionalização dividiu o Brasil em cinco grandes regiões: Norte, Nordeste, Leste, Sul e Centro-Oeste; para isso, utilizou-se do conceito de Região Natural, isto é, agrupou os estados que possuem características físicas (naturais) semelhantes. Todos os estados foram encaixados inteiros dentro das grandes regiões, mesmo aqueles que tinham parte de seu território com características naturais diferentes. Ou seja, respeitou-se o limite das divisas entre os estados. Essas regiões passaram a ser reconhecidas como Regiões Naturais, sendo identificadas pelo estudo das influências entre a combinação de diferentes fatores naturais como o clima, a vegetação, o relevo, entre outros.

Os pesquisadores do IBGE, da época, acreditavam que as bases naturais do território constituíam dados mais estáveis e permanentes do que as bases econômicas e que esse critério seria mais seguro para a regionalização.
A Geografia, nos moldes franceses, tinha como principal incentivador um geógrafo chamado Paul Vidal de la Blache, que publicou seus ensinamentos desde as últimas décadas do século XIX até as primeiras do século XX. La Blache utilizava-se do conceito de região. Para ele, região significava uma área, de tamanho variável, cujos contornos deveriam ser definidos pelo pesquisador que iria identifica-la ou individualizá-la. Um espaço dentro do qual a relação do homem com a Natureza fosse parecido, único e próprio daquele espaço, no qual estaria então reconhecida uma região

Em 1945, acrescentou-se a essa regionalização já existente uma divisão menor, a subdivisão das cinco grandes regiões em zonas fisiográficas, isto é, áreas menores com características físicas mais semelhantes. Em 1942, criou-se o território federal de Fernando de Noronha, um arquipélago próximo ao litoral de Pernambuco. Em 1943, criaram-se os territórios do Amapá, Rio Branco, Guaporé, Ponta Porã e Iguaçu.

Após a década de 40 o IBGE utilizou-se de um novo conceito de regionalização, o conceito de Regiões Homogêneas, que são definidas pela combinação de aspectos não somente naturais, mas também sociais e econômicos, que permitem fazer a diferenciação das áreas. Foi utilizada e mantida a delimitação político-administrativa já existente, a dos estados, ou seja, nenhum estado ou território pertence a duas regiões ao mesmo tempo. Foram também mantidos dois níveis hierárquicos: as microrregiões e as macrorregiões homogêneas.
Esse critério de regionalização, baseado no conceito de regiões homogêneas, considerava as atividades econômicas como fundamentais para a diferenciação das áreas, pois era o funcionamento da economia que iria determinar as políticas de investimentos que o governo adotaria. A identificação de áreas consideradas “deprimidas” auxiliava no direcionamento dos investimentos.
Essa divisão regional, criada em 1969, continua em vigor até hoje, apesar de uma modificação feita em 1988, quando foi criado o Estado de Tocantins (incluído na Região Norte).

REGIÕES GEOECONÔMICAS OU COMPLEXOS REGIONAIS

A divisão do território brasileiro em regiões geoeconômicas é uma proposta de estudo com base em três grandes unidades territoriais: Amazônia, Nordeste e Centro-Sul, individualizadas segundo critérios geográficos e econômicos, baseados ainda no conceito de Regiões Homogêneas. É uma proposta não-oficial, de 1967, do geógrafo Pedro Pinchas Geiger. Nessa divisão, os limites das regiões não coincidem com os dos estados, isto é, um estado pode ter uma parte do seu território em uma região e outra parte em outra.
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O Centro-Sul destaca-se como o centro econômico do Brasil, concentrando 70% da população nacional e a maior parte da produção industrial e agropecuarista do país. O Nordeste individualiza-se pela estagnação econômica, pela repulsão de sua população e pela disseminação da pobreza, expressa nos altos índices de mortalidade infantil, na subnutrição e no analfabetismo. O complexo amazônico caracteriza-se pela presença de floresta e clima equatoriais, pelas baixas densidades populacionais e, ainda, pelo processo de ocupação recente ligado aos grandes projetos agropecuários e minerais. Embora não seja oficial, por não ter sido elaborada pelo IBGE, essa regionalização é a mais utilizada atualmente, tanto no meio acadêmico quanto nas escolas de Ensino Fundamental e Médio.

Nas divisões oficiais, a região do vale do Jequitinhonha pertence ao Sudeste, mas, na prática, a realidade social e econômica combina muito mais com a realidade de grande parte do Nordeste, que apresenta estagnação econômica, miséria, problemas com a deficiência de chuvas etc. A divisão geoeconômica ajuda a entender melhor a realidade de cada espaço geográfico, na medida em
que tenta entender cada um deles a partir do conjunto de suas características, sejam elas físicas, sociais ou econômicas.

No Brasil, foram criados pelo Governo Federal alguns órgãos de planejamento, tais como:
• A Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), em 1959. Sua área de abrangência incluía toda a Região Nordeste, mais a porção norte do estado de Minas Gerais, que pertence ao chamado Polígono das Secas, área na qual ocorrem secas prolongadas. O Nordeste da Sudene se baseia na divisão geoeconômica, enquanto o Nordeste do IBGE se baseia na divisão das regiões homogêneas.
• A Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia), em 1966, cuja área de atuação é a chamada Amazônia Legal, ou seja, toda a área que possui clima e vegetação equatoriais, como a Região Norte, mais o norte de Mato Grosso e o oeste do Maranhão. A Amazônia Legal corresponde a 60% do território brasileiro.
• A Sudesul (Superintendência de Desenvolvimento da Região Sul), em 1967, e a Sudeco (Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste), em 1968, ambas extintas em pouco tempo.

Em 1985, foi implantado o Projeto Calha Norte, uma rede integrada de bases do exército e da aeronáutica, ao norte da calha dos rios Solimões e Amazonas, fronteira com a Colômbia, Venezuela e Guianas, com a justificativa de garantir a presença e movimentação das forças armadas na região e estabelecer controle dessa parte do território. Dentro desse projeto foi criado o Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), com o auxílio da aeronáutica, com o objetivo de implantar uma rede integrada de telecomunicações baseadas no processo de sensoriamento remoto, isto é, no processamento de imagens fornecidas por satélites. Essas imagens ajudam a controlar o tráfego aéreo e as atividades ilegais existentes na região, tais como contrabando de minérios e de outros recursos naturais e o narcotráfico, auxiliando no mapeamento do potencial hidroelétrico e das riquezas minerais amazônicas.

Apesar desse processo todo, a economia brasileira continua concentrada na Região Sudeste. O Nordeste e a Amazônia continuam sofrendo das mesmas questões sociais, tais como pobreza, desigualdades na distribuição de renda e de terras, conflitos fundiários, baixos salários, desemprego, fome, mortalidade infantil e analfabetismo. As indústrias e os grandes projetos minerais e agropecuários pertencem a empresários do Centro-Sul ou do exterior, que se beneficiam dos recursos, em detrimento da população local. Os produtos fabricados nessas regiões, em geral, são consumidos no Sudeste, porque as populações do Nordeste e da Amazônia não dispõem de suficiente poder aquisitivo. A falta de mercado consumidor é o principal obstáculo ao desenvolvimento dessas regiões.

O planejamento territorial pode diminuir as diferenças existentes entre as regiões brasileiras, pois os recursos, ao serem melhor geridos após se elaborar o planejamento, podem estimular o desenvolvimento de determinadas áreas dentro das regiões e diminuir os problemas existentes. Mas, ao se planejar, deve-se levar em conta, sempre, as diferenciações existentes em cada região e dentro de cada uma delas, pois os problemas existentes não são homogêneos e as possíveis soluções não podem vir como se fosse um pacote, ou seja, o remédio não pode ser o mesmo para diferentes tipos de doenças.
As tentativas de transformar o Brasil numa economia integrada criaram a necessidade de conhecimento do território, no que diz respeito a estatísticas e
recursos naturais. Por isso, o interesse do governo em estabelecer uma divisão
regional no território, que serviria de base de pesquisa. Houve três divisões:

• a primeira dividiu o Brasil em cinco grandes regiões: Norte, Nordeste, Leste, Sul e Centro-Oeste, e utilizou-se o conceito de Região Natural;
• a segunda foi baseada em novos conhecimentos sobre o território brasileiro,
e utilizou-se um novo conceito de regionalização, o conceito de Regiões Homogêneas;
• a terceira dividiu o território brasileiro em Regiões Geoeconômicas: Amazônia,
Nordeste e Centro-Sul, e se trata de uma divisão não-oficial, ou seja, não foi elaborada pelo IBGE. As regiões seguem critérios geográficos e econômicos, baseados ainda no conceito de Regiões Homogêneas.

O método geográfico de regionalização serve, antes de tudo, para orientar as políticas territoriais do Estado, ou seja, políticas de planejamento. Governos municipais, estaduais e federal delimitam unidades regionais dentro do seu território como forma de racionalizar os investimentos, servindo como instrumento de políticas de planejamento.


Resumo aula 14 - O Brasil regional e o complexo do Centro-Sul
A divisão do território brasileiro em regiões geoeconômicas é uma proposta de estudo com base em três grandes unidades territoriais, chamadas complexos regionais: o Centro-Sul, a Amazônia e o Nordeste. Essas três grandes regiões são individualizadas segundo critérios geográficos, baseados também no conceito de Regiões Homogêneas, que consideram os aspectos econômicos, sociais e naturais.

O Centro-Sul destaca-se como o centro econômico do Brasil pela maior população nacional e pela maior parte da produção industrial e agropecuária do país. É a região de economia mais dinâmica, produzindo a maior parte do PIB (Produto Interno Bruto), ou seja, das riquezas nos setores agrário, industrial e de serviços. Mas, apesar da maior dinamicidade, o Centro-Sul possui também as contradições típicas do desigual desenvolvimento socioeconômico brasileiro.

Costuma-se dizer que a Região Centro-Sul é a “core área” do país, o coração econômico e político da nação. São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília constituem os três mais importantes centros, onde se concentram as sedes sociais das grandes corporações privadas vinculadas à produção, circulação e distribuição de mercadorias e capitais. Trata-se da região mais desenvolvida, registrando, em relação ao conjunto do país, uma participação de cerca de 55% no PIB, de 66% no valor da produção industrial, e concentrando 58% do pessoal ocupado na indústria. Além disso, também é o centro de pesquisas, tecnologia e de ensino superior, pois nessa região concentra-se a maior parte das universidades do Brasil. É, ainda, onde se localizam os principais portos, rodovias e aeroportos. Além disso, também é o centro de pesquisas, tecnologia e de ensino superior, pois nessa região concentra-se a maior parte das universidades do Brasil. É, ainda, onde se localizam os principais portos, rodovias e aeroportos. Tudo isso faz do Centro-Sul uma região concentradora dos recursos econômicos e sociais.

AS PARTICULARIDADES DO CENTRO-OESTE
A parte meridional dessa região possui uma população ainda reduzida e constitui, historicamente, uma zona de expansão da economia paulista, da qual acabou herdando a atividade pecuária extensiva que, por sua vez, imprimiu a estrutura latifundiária (extensas propriedades de terra) a essa parte da Região Centro-Oeste, desde a crise da mineração, no século XVIII.

Durante toda a primeira metade do século XX, o Centro-Oeste permaneceu como uma área distante e pouco explorada. A construção de ferrovias, que visavam a trazer para os principais frigoríficos de São
Paulo o gado de corte, acabou contribuindo para abrir a porta para o aproveitamento agrícola de uma vasta extensão de terras.
A construção de Brasília foi outro fator que impulsionou o crescimento da região. Inaugurada em 1960, a cidade foi construída num lugar quase inacessível e provocou uma grande migração de trabalhadores e de fazendeiros para a região. Brasília foi uma verdadeira revolução.
A agropecuária comercial se expandiu e surgiram algumas indústrias nas principais cidades, resultando num crescimento urbano significativo. A região integrou-se ao Sudeste e ao espaço geográfico brasileiro.

Em 1985, foi implantado o Programa de Desenvolvimento do Cerrado (Polocentro), usando espécies de plantas especialmente selecionadas e adaptadas às condições peculiares de clima e solo do cerrado, e introduzindo, com relativo sucesso na região, as lavouras de soja e até mesmo de trigo. O maior problema foi que a agricultura comercial se expandiu sobre os campos cerrados (campos naturais da região), provocando um custo ambiental muito alto.
O destaque econômico da região se baseia na agropecuária, pois, entre as regiões brasileiras, o Centro-Oeste é a região onde a indústria tem a menor participação na estrutura produtiva (20%), enquanto 22%
pertencem ao setor primário e 58%, ao terciário.
Em que sentido foi importante a integração de novos setores produtivos, de diferentes regiões, no fortalecimento da economia da Região Sudeste e do Centro-Sul?
O Centro-Sul precisou contar com a ampliação das regiões produtivas e com o aumento do nível tecnológico das mesmas. Foi o que aconteceu com a incorporação de parte do Centro-Oeste na dinâmica econômica do Sudeste. O desenvolvimento da agricultura comercial auxiliou no fortalecimento dos complexos agroindustriais e complementou a economia do Centro-Sul. Os custos dessa expansão é que foram grandes. A cultura da soja e a expansão da pecuária nas áreas de cerrado provocaram perdas ambientais, e a concentração da propriedade da terra provocou conflitos e mortes no campo. Essa atividade visa a atender ao primeiro objetivo desta aula, que é de mostrar como as áreas que compõem o Centro-Sul contribuíram no seu fortalecimento.

Com uma superfície de 577.723 km2, a Região Sul compreende os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e é chamada o celeiro agrícola do país, pois possui uma economia agrícola altamente desenvolvida, que vem passando por um intenso processo de modernização, tornando-se uma atividade cada vez mais mecanizada e capitalizada.
Embora o café tivesse sido o principal produto da região, seu cultivo tem perdido o caráter monocultor, com a diversificação das lavouras comerciais (soja, trigo, arroz). O restante do estado tem uma produção agropecuária ampla e variada, além da exploração madeireira. Curitiba é a metrópole da região, com um parque industrial de certo vulto e em crescimento.

A produção agrícola, extremamente diversificada, vem se somar a uma importante atividade pecuária, que alimenta uma próspera indústria frigorífica e de laticínios. Por isso mesmo, o setor agroindustrial foi o que mais cresceu no Sul, no início da década de 1990.
A Região Sul é a segunda mais industrializada do país, vindo logo após o Sudeste. A principal característica da industrialização do sul é o fato de as atividades rurais comandarem a atividade industrial.

A Região Sudeste (composta pelos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais) é, de todas as partes que compõem o complexo do Centro-Sul, a mais importante do ponto de vista econômico. Por isso, a expressão de que o “Sudeste é o coração econômico do Brasil” é uma das definições mais recorrentes quando se trata de definir a região.
A importância histórica dessa região data do desenvolvimento da atividade mineradora, quando o eixo econômico e político do país foi transferido para o Centro-Sul. Após a mineração, o café, no século XIX,
valorizou também a área, tanto no vale do Paraíba fluminense como no paulista. No século XX, este produto impulsionou a economia do oeste de São Paulo. Na Era Vargas, essa região encontrou sua vocação industrial.

Atualmente a Região Sudeste reúne 16 das 23 áreas metropolitanas do país, concentrando as maiores áreas (São Paulo, Rio de Janeiro) que formam a MEGALÓPOLE brasileira, e Belo Horizonte. Trata-se da região do mais elevado grau de urbanização (90,5%) registrado em 2000 pelo IBGE. É imenso o número de cidades médias. Muitas são verdadeiras “capitais regionais”, com uma estrutura de serviços completa, capaz de atender não só aos seus habitantes, como a toda a área que as circunda.
Contudo, mesmo com todo esse potencial econômico e produtivo, a Região Centro-Sul convive com profundas contradições e crises. Primeiro, há uma crise social. Nas metrópoles do Sudeste, destaca-se o grave problema da segregação espacial. Mesmo com a redução da migração, a favelização ampliou-se paralelamente à formação de uma enorme periferia urbana, sem infraestrutura básica.
Há também uma crise ambiental. Os desmatamentos, a retirada dos mangues, a poluição de importantes fontes de vida, como a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, os deslizamentos de encostas, os problemas
com o lixo, entre outros, são tônicas na vida da região. A industrialização e a exploração econômica acelerada, sem respeito ao meio ambiente, são fatores geradores dessas crises vivenciadas pela mais dinâmica região do país.

Faça comparação entre as formas de ocupação das regiões brasileiras, apontando de que maneira a ocupação desigual do espaço interfere nos baixos Índices de Desenvolvimento Humano.
As grandes cidades brasileiras acabaram recebendo grandes contingentes populacionais de outras regiões do país, pois seus estados de origem não lhes ofereciam melhores oportunidades de vida. Nos maiores centros urbanos, essas pessoas acabaram se instalando em áreas deficitárias de infra-estrutura e suas vidas pouco ou quase nada melhoraram. O poder público não tem sido capaz de equilibrar o desenvolvimento regional, já que as opções de investimentos sempre foram concentradas nas regiões mais dinâmicas do país.

O Centro-Sul é uma das três grandes regiões geoeconômicas do Brasil. A região é chamada a “core área” do país, ou seja, o coração econômico e político da nação, pois possui a maior participação na produção do PIB nacional, cerca de 55%. Produz cerca de 66% da produção industrial e concentra 58% do pessoal ocupado desse setor no país. Destaca-se ainda nos setores agrário e de serviços. O complexo Centro-Sul é composto pela parte meridional da Região Centro-Oeste, mais o Sul e o Sudeste. Os estados dessa região apresentam nível tecnológico alto e estão completamente integrados à dinâmica economia do Sudeste, que é a região centralizadora. Ela apresenta inúmeras contradições socioespaciais, pois concentra 16 das 23 áreas metropolitanas do país e quase 50% da população brasileira, onde o grau de urbanização atinge mais de 90%. O Centro-Sul vive graves crises. A crise social, que se identifica pela forte segregação espacial, com aumento das áreas de habitação de baixo nível e da pobreza, assim como dos problemas urbanos de maneira geral. A crise ambiental se caracteriza por uma desconfiguração quase geral dos aspectos naturais originais.


Resumo aula 15 - O Brasil regional e o complexo da Amazônia
O complexo amazônico caracteriza-se pela presença da floresta e do clima equatoriais, pelas baixas densidades populacionais e pelo processo de ocupação recente ligado aos grandes projetos agropecuários e minerais. Apesar dessa definição, a análise mais comumente encontrada sobre o espaço amazônico esconde muito da realidade.

No período inicial do descobrimento, havia duas colônias portuguesas na América do Sul: a do Brasil e a do Grão-Pará e Rio Negro. Segundo alguns autores, esses dois estados se desenvolveram distintamente até 1823, data em que o Império do Brasil começou a anexá-los. Essa anexação, no entanto, foi muito violenta, porque o governo brasileiro não via alternativa para unir essas duas áreas senão por meio do uso da força, tamanhas eram as diferenças de cultura e de formas de exploração econômica entre elas.
Falar do complexo amazônico também nos remete à região Norte e à grande floresta. Ela é a maior floresta equatorial do mundo e ocupa 6,5 milhões de quilômetros quadrados, boa parte localizada em território brasileiro.

Analisar o espaço amazônico, a partir da quebra dos estereótipos criados para definir esse espaço.
Para discutir o espaço do complexo amazônico, é preciso entender um pouco sobre as distorções criadas a respeito da verdadeira realidade da região. Seus próprios moradores se espantam ao ver que, para melhor
explorá-la, os grandes interessados ainda passam a imagem de uma região habitada essencialmente por índios, enquanto há muito tempo existem cidades e uma vida urbana considerável. A busca constante por
novas riquezas minerais; os investimentos pontuais de capitais privado e estatal que, para incentivar as correntes migratórias e a ocupação da região, construíram aeroportos, hidrovias, rodovias etc.;
As imagens que vigoram são de uma área onde predominam a Natureza, a floresta, o atraso, a reserva de recursos, o índio.

Existem várias concepções sobre a Amazônia:
a) a Amazônia como vazio demográfico: A imagem da Amazônia como vazio demográfico foi construída pela dificuldade de garantir a efetiva exploração da região.
b) a Amazônia como reserva de recursos: Essa visão acabou causando muitos danos ambientais à região.
A prática cultural de tradição européia, que vê a floresta como natureza que deve ser derrubada para dar lugar à agricultura, levou à perda de milhões de toneladas anuais dos solos amazônicos e de um patrimônio de biodiversidade inestimável.
A visão geopolítica tradicional da Amazônia como um vasto espaço vazio e uma reserva de recursos naturais, refletida no planejamento regional das décadas passadas, foi um erro fundamental, pois desrespeitou a exploração tradicional dos recursos naturais como modelo de desenvolvimento regional na Amazônia.

c) A Amazônia como reserva ecológica do planeta: A importância da dinâmica hidrológica da Floresta Amazônica para o planeta e a devastação operada na região pelo modelo de desenvolvimento implementado nos anos 1970, baseado nos grandes projetos, colocou a Amazônia no centro do debate ambiental.

d) A Amazônia como região atrasada: Outra visão corrente no imaginário sobre a Amazônia é a de região
atrasada. Só que os problemas da Amazônia não são resultado do atraso, e sim do modelo de desenvolvimento calcado na modernização, que em vez de desenvolvê-la econômica e socialmente, apenas possibilitou que “os de fora” pudessem explorar suas riquezas. Os bons resultados dessa exploração pouco ou quase nunca retornaram à Amazônia.

Para atendermos ao objetivo de melhor entender o espaço amazônico, a partir da quebra dos estereótipos criados para definir esse espaço, pode-se eleger qualquer um dos estereótipos criados para definir a região. A Amazônia como um vazio demográfico, por exemplo, é um grande equívoco, uma vez que todos sabemos que a região possui uma rede urbana considerável e uma multiplicidade de grupos culturais, oriundos dos povos que ocuparam a Amazônia em outros tempos. Este é um equívoco que deve ser evitado.

Analisar qual a importância do complexo amazônico para a economia brasileira.
Nos 500 anos de presença européia, a Amazônia experimentou os métodos mais modernos de exploração:
• agricultura capitalista de pequenos proprietários;
• economia extrativista exportadora da borracha e de minérios;
• estrutura industrial eletroeletrônica com a Zona Franca de Manaus.
O levantamento das riquezas minerais pelo
RADAM-Brasil (projeto criado para fazer o levantamento das riquezas minerais brasileiras) incentivou a corrida pelo subsolo amazônico, atraindo grandes capitais, com destaque para as áreas de Carajás e Trombetas.
Em outras palavras, a Amazônia existe para abastecer, com suas riquezas, o Centro-Sul.

Quais foram os interesses que se escondem por trás das tentativas de tornar o espaço amazônico um espaço de “responsabilidade mundial?
O problema é que, ao explora as riquezas amazônicas, nesse caso os minérios, para atender às necessidades de indústrias do Brasil e de países do Primeiro Mundo, os exploradores em nenhum momento consideraram a riqueza humana existente na Amazônia. Desde a sua ocupação inicial, a Amazônia tem servido como fonte de riquezas, como se fosse um espaço desprovido de pessoas, de culturas, de seres que dependem da floresta e de seu frágil equilíbrio para sobreviver.
O ambientalismo no Primeiro Mundo encontrou-se descolado das questões sociais, e o ecologismo passou a ser atacado porque, a pretexto de criticar a destruição amazônica promovida pela expansão do latifúndio e do grande capital nacional e internacional, buscou imobilizar o desenvolvimento da Amazônia em benefício dos interesses das grandes empresas internacionais que trabalham com a biotecnologia, engenharia genética e o ecoturismo, este último uma atividade de grandes investimentos, que visa atender a uma pequena elite nacional e internacional, que paga caro para conhecer as “maravilhas” da Amazônia. Na realidade, o ecoturismo não gera um número considerável de empregos, o que poderia provocar impacto regional positivo.

A comunidade que tem interesses na riqueza da Amazônia, mas, para justificá-los, cria um discurso baseado na responsabilidade que o mundo inteiro deve assumir frente ao território amazônico, devido à importância de seu quadro natural. Esse pensamento é também compartilhado por autoridades e capitalistas brasileiros que, a pretexto de ocupar esse espaço infindável ocupado por “povos selvagens”, destruíram sua mata e os dizimaram. Provocou conflitos que colocaram, frente a frente, como que numa guerra, os povos que antes viviam em harmonia com a floresta.

AMAZÔNIA COMO “QUESTÃO NACIONAL”.
Na formação histórica do território brasileiro, a Amazônia é uma região periférica, marginal. No contexto nacional, essa visão é decorrente da colonização, quando a Amazônia foi destinada a ser uma reserva futura de recursos naturais e colocada como uma fronteira indomável frente à incapacidade efetiva de exploração. É uma região subordinada aos interesses nacionais, e estes são definidos nos centros hegemônicos do poder nacional, que estão localizados fora da região Norte. É nesse contexto que entra a idéia de que a Amazônia é uma questão de segurança nacional.

O lema “Integrar para Não Entregar” revela todo o conteúdo da visão estratégica das classes dominantes nacionais sobre o papel da Amazônia. Por outro lado, a questão dos índios e da integridade do território
nacional, tradicionalmente associada à soberania nacional, defende o respeito à diversidade cultural indígena como forma de combater as propostas de internacionalização que se apóiam no desrespeito aos índios (ainda vigente no Brasil). Na visão dos exploradores, os povos indígenas são obstáculos ao desenvolvimento econômico da região.

AMAZÔNIA: OS POVOS LUTAM PELOS DIREITOS
Em 1985, insatisfeitos com a orientação política da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), os seringueiros, liderados por Chico Mendes, fundaram o Conselho Nacional dos Seringueiros e formularam proposta das Reservas Extrativistas (Rexes) na Amazônia.
No processo recente de ocupação da Amazônia, as populações tradicionais foram desconsideradas, e os trabalhadores rurais, incentivados a migrar para lá, foram abandonados. A concentração de renda da Amazônia é ainda maior que no conjunto do país e o acesso à terra e à infra-estrutura viária também, o que faz com que o abastecimento agrícola dependa da importação de outras regiões. Por outro lado, o agro extrativismo se apresenta como uma alternativa possível para a Amazônia, não só porque já está inserido nas práticas culturais de suas populações como, também, se mostra mais eficiente, quando os parâmetros são os interesses maiores da sociedade e não os interesses imediatistas do grande capital.

Os principais desafios para um novo modelo de desenvolvimento amazônico se sustentam num aumento da população e da urbanização.
A Amazônia tem mostrado os limites da racionalidade capitalista forjada no processo da conquista colonial, sendo essa racionalidade de caráter social e ambientalmente destrutivo.

O complexo amazônico é composto pela Região Norte e pela grande floresta amazônica, que é a maior floresta equatorial do mundo, com seus 6,5 milhões de quilômetros quadrados, boa parte localizada em território brasileiro. Para conhecer a fundo as particularidades desse espaço, é necessário quebrar os estereótipos que foram construídos, para justificar a necessidade de ocupá-lo e explorá-lo. O complexo amazônico sempre foi visto como uma “questão nacional”, destinado a ser uma reserva futura de recursos naturais e colocado como uma fronteira indomável. Foi sempre subordinado aos interesses nacionais e internacionais, já que os países ricos querem se tornar responsáveis pelo destino a ser dado à Amazônia. Os povos da floresta (povos ribeirinhos, seringueiros, quilombolas, índios, castanheiros, quebradeiras de coco e os atingidos por barragens) têm lutado pelo direito de permanecerem na terra que conquistaram e usufruírem dos recursos naturais para continuarem sobrevivendo. Outro grande desafio é proteger os recursos naturais da Amazônia, já que a degradação avança fortemente, como é o caso do desmatamento que atingiu 14,2% em 2000, contra 0,6% em 1975.


Resumo Geo 2 - aula 20 - As baixadas litorâneas e a baixada campista: turismo, cana-de-açúcar e Petróleo

O território do estado do Rio de Janeiro, além de apresentar um quadro físico bastante diversificado, possui características que permitem individualizar determinadas áreas, em virtude do processo de ocupação no passado e das atividades econômicas que se desenvolvem atualmente.
Algumas áreas se desenvolveram e adquiriram identidade a partir de atividades agropecuárias. Novos contrastes se estabeleceram decorrentes de uma agropecuária tradicional que domina uma parte das áreas rurais do estado, como é o caso da cana-de açúcar, e outra de caráter moderno, com culturas que requerem técnicas mais aprimoradas, como a horticultura e a fruticultura.
Em algumas áreas já encontramos a atividade canavieira bastante modernizada. A urbanização foi também fator que estabeleceu diversidades regionais, à medida que o povoamento se espalhou ao longo de eixos que partiam da metrópole ou de outros centros secundários.

AS BAIXADAS LITORÂNEAS: PLANÍCIE, RESTINGAS, MANGUEZAIS
As planícies das baixadas são formadas de sedimentos, ou seja, materiais transportados pelos rios – argila – ou pelo mar e pelo vento – areia. A argila formou uma faixa de terra hoje coberta pelo mar.
Mais tarde, as grandes massas de gelo continental derreteram e o nível dos oceanos subiu, permitindo que as águas batessem diretamente nas rochas, desgastando-as. Grandes quantidades de sedimentos foram sendo depositadas sobre os terrenos argilosos, até formarem as faixas ou cordões de areia, desde a serra até o mar.
Em algumas áreas, ocorreu a formação de restingas que correspondem a faixas de areia depositadas pelo mar ao longo da costa, separando um “mar interno” do grande mar externo. Muitas vezes o mar interno se transforma numa lagoa. As restingas constituem os aspectos mais típicos do litoral fluminense e dão lugar a uma paisagem
característica de lagoas – antigas baías – fechadas por areia. Assim se formaram as lagoas Feia, Araruama, Saquarema e Maricá. Essas lagoas ficam separadas do mar pelas restingas.
Toda a baixada é cortada por inúmeros rios, de modo geral oriundos das escarpas da serra do Mar. Enquanto descem pelos terrenos inclinados das escarpas da serra, suas águas são cristalinas, pois eles avançam sobre a rocha e correm com grande velocidade, transportando cascalhos e pedras de tamanho grande. Quando alcançam a planície, não há mais declividade e os rios correm lentamente, só transportando sedimentos muito finos como argila, restos vegetais, limos, que vão se depositando em seu leito. Por essa razão, na planície, o fundo dos rios, em vez de pedregoso, é lodoso. Esse lodo, assim como a própria água, é carregado de húmus do solo das florestas. Se esse rio passa por uma região mais baixa, como uma antiga lagoa junto ao mar, a mistura com o sal produz a coagulação e a precipitação desse material fértil. Assim se formará um sedimento muito nutritivo, porém mole como um mingau, que chega a ter dezenas de metros de profundidade.
Nesses terrenos, cresce o manguezal onde, graças à riqueza em nutrientes, se desenvolvem camarões, tainhas, lagostas, mariscos.
1. a. O município de Saquarema, situado na região das baixadas litorâneas, apresenta uma grande diversidade de ambientes. Identifique e caracterize o aspecto natural das baixadas litorâneas.

As restingas aparecem nas cidades da região da baixada litorânea, separando a lagoa do oceano. As correntes marinhas desgastam as rochas dos costões e a areia que se desprende é depositada nas baías, formando as restingas

b. Leia a notícia a seguir e explique qual a importância econômica dos manguezais e os principais efeitos causados por sua destruição.
“A construção de um aterro às margens da Linha Vermelha pode ameaçar uma das últimas áreas de manguezal da baía de Guanabara" (Jornal do Brasil – 10/9/1999).

Os manguezais encontrados às margens das baías e lagoas têm sido devastados pelo grande e variado aproveitamento econômico e pela especulação imobiliária. O mangue é explorado para o aproveitamento de madeira na construção civil e como lenha para uso doméstico e nas olarias. Com a retirada ou aterro dos manguezais, há deslizamentos nas margens das baías e lagoas, acelerando o processo de assoreamento. Perde-se, assim, uma das vegetações mais ricas que existem e que, pela
grande quantidade de nutrientes, permite o desenvolvimento de camarões, tainhas, lagostas e caranguejos.

AS ATIVIDADES ECONÔMICAS QUE TRANSFORMARAM AS BAIXADAS LITORÂNEAS
No estado do Rio de Janeiro há a predominância da metrópole carioca, de onde partem eixos de urbanização para outras áreas.

Origem do termo “carioca”
Carioca: relativo ou pertencente à cidade do Rio de Janeiro. O termo “carioca” significa, em tupi-guarani, casa de branco. Nos primórdios da descoberta do Brasil, os portugueses vinham até aqui somente para levar o carregamento de pau-brasil. Quem fazia o corte das árvores eram os índios, que guardavam as toras numa espécie de galpão, nas margens do rio Carioca (próximo à atual avenida Oswaldo Cruz, no Flamengo). Esse galpão era chamado pelos índios de carioca. O primeiro relato designando o nascido do Rio de Janeiro como carioca vem do Ato Adicional da Constituição de 1834, promulgado por D. Pedro I.
(Para mais informações, visite: www.afaerj.org.br/cidade/curiosidades.php.)
Os principais elementos do dinamismo dessa área foram o turismo, a reativação da pesca e da MARICULTURA, algumas indústrias e, em grande parte, a exploração de petróleo na plataforma continental.
Na regionalização turística do estado, adotada pela Turisrio, as baixadas litorâneas correspondem, em sua maior parte, à Costa do Sol, que inclui Maricá, Saquarema, Araruama, São Pedro da Aldeia, Cabo Frio, Arraial do Cabo, Búzios e Iguaba Grande. Cabo Frio é o centro turístico mais importante. Na cidade de Araruama são encontradas as reservas de salinas (ou seja, uma área de concentração de sais dissolvidos, presentes em águas interiores, como é o caso das lagoas) existentes no estado do Rio de Janeiro.
Em Cabo Frio, destaca-se a atividade pesqueira, visível nos estabelecimentos comerciais, nas empresas especializadas e nos ambulantes que circulam vendendo o peixe.
O mar é, portanto, a fonte de recursos financeiros, seja através do turismo ou através da pesca ou ainda pela exploração do petróleo. No entanto, a pressão da especulação imobiliária pelos terrenos de frente para o mar tem empurrado os pescadores para longe da costa, levando-os a abandonar a atividade pesqueira e a se dedicar a atividades comerciais ou de prestação de serviços.

Pesca interior
Pesca praticada no interior de lagoas ou nos rios.

Pesca predatória
Pesca que tem conseqüências desastrosas podendo limitar a produtividade pesqueira, quer seja do ponto de vista biológico, quer econômico. Dentre as atividades realizadas de forma ilegal, destacam-se: a pesca com bomba, considerada de alto valor destrutivo, afetando a fauna, a flora e o substrato de fundo; pesca com rede de malha fina; pesca do camarão com rede de arrasto; pesca do camarão em época proibida (defeso); pesca da lagosta com redes etc. (Para maiores informações, visite www.cprh.pe.gov.br.)

Pesca artesanal
Pesca que se realiza única e exclusivamente pelo trabalho manual do pescador. Baseada em conhecimentos transmitidos ao pescador por seus ancestrais, pelos mais velhos da comunidade, ou que este tenha adquirido pela interação com os companheiros do ofício, é sempre realizada em embarcações pequenas (botes e canoas) a remo ou a vela ou mesmo motorizadas, sem instrumentos de apoio à navegação, contando para a operação tão-somente a experiência e o saber adquiridos – a capacidade de observação dos astros, dos ventos e das marés. (www.brazilsite.com.br.)
A pesca modernizada gera empregos e propicia interações que ligam a produção de pescado em Cabo Frio até mesmo ao mercado estrangeiro, através das exportações. Entretanto, grande parte da população local não consegue se integrar nessa modalidade de pesca (que exige altos investimentos), nem nas atividades ligadas ao turismo.
Muitos pescadores ficam assim excluídos das atividades econômicas mais importantes desses municípios e acabam se deslocando para as áreas mais periféricas dos municípios costeiros, onde se encontra uma parte marginalizada da população desses municípios que foram “invadidos” pelas novas explorações.

BAIXADA CAMPISTA
A região da baixada campista corresponde à porção nordeste do estado do Rio de Janeiro, constituindo a parte setentrional da baixada fluminense. Recebe também a denominação de Norte Fluminense. Atualmente essa região é formada por nove municípios: Campos dos Goitacases, Cardoso Moreira, São Francisco de Itabapoana, São Fidélis, São João da Barra, Quissamã, Carapebus, Conceição de Macabu e Macaé.
A região em estudo é formada por uma extensa planície com sedimentos fluviais e marinhos. À medida que avançamos para o interior, a PLANURA (Região plana de grande extensão ),dá lugar a tabuleiros sedimentares, com topografia suave, e mais para oeste aparecem colinas e os primeiros patamares da serra do Mar.
Essa característica da planície sedimentar favoreceu não só o cultivo da cana-de-açúcar, como também as pastagens.
No século XVII os portugueses partiram de Macaé – fundada em 1619 no litoral – para a exploração dos campos dos goitacases – área habitada pelos índios da tribo homônima. A ocupação dessa área foi feita com a utilização do gado trazido de Cabo Verde e dos Açores.
À medida que a cana-de-açúcar começou a ser cultivada, ela ocupou as terras próximas do litoral e empurrou o gado para o interior. No século XVIII, a produção de cana-de-açúcar tornou-se a atividade predominante.
A partir da década de 1970, com a modernização da agricultura no Brasil, ocorreu uma ligação maior do setor canavieiro com o industrial, determinando profundas mudanças socioespaciais no Norte Fluminense:
• uma forte especialização agrícola;
• o aumento da concentração fundiária, ou seja, da terra;
• a proletarização, ou seja, a transferência do campo para os trabalhos urbanos;
• a intensificação da urbanização.
Em Campos a articulação entre os setores agrícola e industrial acelerou o êxodo rural
na região e aumentou ainda mais o nível de pobreza de sua população.
É fundamental acrescentar que a sociedade campista acabou se organizando “em torno” da atividade canavieira por muitas décadas.
Essa atividade acabou sendo bastante danosa para a sociedade fluminense em geral e para a região campista em particular, pois essa atividade se caracteriza por ser concentradora da terra e da renda, por não gerar empregos em número significativo ou gerar empregos mal remunerados e que oferecem condições “desumanas”. Só para se ter uma idéia, a região de Campos possui o maior número de acampamentos de sem-terra do estado.

Os dois marcos recentes na ocupação do espaço na baixada campista foram:
• a criação do Proálcool (Programa Nacional do Álcool) em 1972;
• a exploração do petróleo na plataforma continental – bacia de Campos, a partir de 1986.
Com o Proálcool, que incentivou o uso do álcool como combustível, a região passou a ter 19 usinas de açúcar, apresentando um aumento exagerado na capacidade do parque industrial. Permanecem em atividade apenas oito delas e mesmo assim verifica-se uma capacidade ociosa das mesmas.
Já a participação do petróleo foi um fato novo na economia dos municípios do Norte Fluminense, pois a economia canavieira era tradicional na região.
A exploração do petróleo gerou o pagamento de royalties às prefeituras de vários municípios que têm relação direta ou indireta com essa atividade. A arrecadação dos royalties acabou gerando, inclusive, movimentos de emancipação, já que antigos distritos dos principais municípios passaram a ter arrecadação própria.
As transformações do espaço no Norte Fluminense devem-se, além do surgimento das atividades ligadas ao petróleo, também à crise no setor sucro-alcooleiro, que influenciou drasticamente a busca por outras atividades produtivas em lugar da produção canavieira. Essa atividade tinha o objetivo de devolver à região o dinamismo econômico encontrado em outras épocas.

A crise do setor sucro-alcooleiro se caracterizou:
• pelo fechamento de usinas que tiveram dificuldade para obter fornecedores de cana-de-açúcar;
• pela liberação dos preços do açúcar, do álcool e da cana, com o fim das subvenções, ou seja, do auxílio financeiro do governo;
• pela grande expressividade do CAI sucro-alcooleiro em São Paulo, que superou largamente o do Norte Fluminense;
• pela modernização da agricultura, com a implementação de avanços tecnológicos que não promovem o desenvolvimento social, pois levam muitos trabalhadores e pequenos produtores à exclusão social e ao desemprego.

Uma das opções surgidas para os que foram excluídos da atividade canavieira foi a fruticultura.
A opção pela fruticultura (iniciativa do governo do estado que é considerada muito tímida e pouco significativa frente ao contingente de agricultores sem opção) não conseguiu apaziguar os enormes problemas sociais da região, em grande parte gerados e intensificados pela atividade canavieira.

No Norte Fluminense, formou-se uma periferia resultante do processo de modernização. Identifique as atividades econômicas que causaram mudanças no espaço socioeconômico do Norte Fluminense, a partir da década de 1970 e explique como ocorreram essas transformações.
Com a modernização da agricultura, a produção do açúcar e do álcool adquiriu características do complexo agroindustrial. Na fase de expansão do Proálcool, houve grande aumento de produção e do número de usinas. Com a desaceleração desse programa, ocorreu a redução da quantidade de usinas e destilarias. Já a exploração do petróleo na Bacia de Campos, revertendo capitais para as prefeituras por meio do pagamento de royalties, levou a alterações na configuração territorial da região, pois
diversos municípios se emanciparam. Com a implantação recente da fruticultura pretende-se reverter, ou pelo menos atenuar, o quadro de migrações campo-cidade resultantes do desemprego em função da atividade canavieira. Surgiu, com a fruticultura, a possibilidade do aproveitamento da mão-de-obra excluída do setor sucro-alcooeiro com a modernização e os avanços tecnológicos. Porém, fica evidente
que essa nova atividade não supre as necessidades de emprego da população rural.
Existem diversas formas de estabelecer uma regionalização para o estado do Rio de Janeiro. Usamos a regionalização do CIDE para caracterizar as áreas das baixadas litorâneas e baixada campista.
No quadro natural das baixadas litorâneas, destacam-se as planícies, as restingas e os manguezais. Essa paisagem natural já foi bastante modificada e destruída pelas atividades humanas.
A ocupação das baixadas litorâneas ocorreu principalmente ao longo de eixos que partem da metrópole; nessa área a localização favoreceu a pesca, a extração do sal e o turismo.
Já a baixada campista foi ocupada, principalmente, a partir da cultura canavieira. Posteriormente, a formação de um CAI (Complexo Agroindustrial) e a exploração do petróleo trouxeram grandes modificações para a região.


Resumo Geo 2 - aula 21 - Subindo a serra – o caminho do ouro hoje atrai turismo e proporciona abastecimento agrícola

As terras elevadas das serras do Mar e da Mantiqueira correspondem ao clima tropical de altitude, onde as temperaturas mais baixas atraíram turistas desde a época do Império. No século XIX, a presença de imigrantes suíços e alemães trouxe características próprias a algumas áreas da região serrana.
A região serrana é formada por 14 municípios – Cantagalo, Carmo, Cordeiro, Bom Jardim, Duas Barras, Nova Friburgo, Sumidouro, Santa Maria Madalena, São Sebastião do Alto, Trajano de Morais, Petrópolis, São José do Vale do Rio Preto, Teresópolis e Macuco.
Tabela 21.1: Desenvolvimento socioeconômico da região serrana
Municípios Expectativa de vida (idade) Renda per capita IDH
Petrópolis 70,06 399,93 reais 0,804
Nova Friburgo 72,26 366,84 reais 0,810
Teresópolis 70,06 366,61 reais 0,790
Sumidouro 69,81 218,62 reais 0,712
Trajano de Morais 69,96 209,26 reais 0,723
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é calculado pela ONU e inclui indicadores socioeconômicos de saúde e educação, variando de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, melhor a condição de vida.
A serra do Mar forma um paredão que se estende por grande extensão, junto ao litoral brasileiro. Forma-se uma sucessão de montanhas, que recebem denominações locais, como a serra dos Órgãos, em Teresópolis. O clima ameno e a presença da Mata Atlântica em algumas áreas completam a paisagem e dão identidade à região.
A 31quilômetros de Nova Friburgo fica o distrito de Lumiar, que, juntamente com São Pedro da Serra e Boa Esperança, formam uma área atraente para os praticantes da canoagem. O rio Macaé corta a região, criando locais de vegetação exuberante, com águas limpas e muitas cachoeiras. Alguns locais dessa região atravessada pelo rio Macaé, como o Poço Feio e o Poço do Alemão, são muito procurados para banho e pela paisagem.

Em 1808, D. João VI, já no Brasil, assinou um decreto que permitia ao estrangeiro ser proprietário de terras em nosso país.
Em 1854, partiu do Porto da Estrela, ao fundo da baía de Guanabara, a primeira ferrovia do país, chegando até a raiz da serra, no caminho de Petrópolis, que já constituía o refúgio de verão do imperador D. Pedro II e dos barões do café.
No século XIX, uma reforma no Caminho Novo transformou-o na estrada União e Indústria, ligando Petrópolis a Juiz de Fora. Essa estrada foi inaugurada em 1861.

Na ocupação da região serrana destaca-se um eixo de urbanização que se formou pelo interior da serra do Mar, de Rio Claro até Cantagalo, passando por Petrópolis, Teresópolis, Nova Friburgo, Bom Jardim e se dirigindo a Cantagalo.
Desde os fins do século XIX, os municípios da região serrana desenvolviam atividades ligadas à produção de hortifrutigranjeiros para o mercado da metrópole.
Até hoje, as atividades de veraneio e turismo estão ligadas à horticultura. Ao mesmo tempo que cresce a produção hortigranjeira, aumenta o número de pousadas, sítios e hotéis-fazenda, nos quais as atividades agropecuárias servem para satisfazer parte das necessidades desses empreendimentos, fornecendo produtos para o preparo das refeições dos hóspedes e vendendo diretamente para os veranistas.

1- Numa viagem à região serrana do Rio de Janeiro, o turista ouviu do guia a seguinte explicação:
“Esta cidade tem ares da cultura européia que enchem a região de recantos charmosos...”
Identifique uma cidade que se encaixe nessa descrição, explicando o seu processo de ocupação, e aponte outro fator de atração turística da região, além da cultura européia.
R. Nova Friburgo, que se originou da colônia suíça estabelecida na área, tendo assim aspectos típicos da cultura européia como pratos típicos nos restaurantes – fondue, pratos com creme de leite e carne de vitela – construções no estilo europeu como o Sanatório Naval e o Colégio Anchieta. O clima tropical de altitude, com temperaturas amenas no verão e frio intenso no inverno, constitui também fator de atração turística para a região.
Em algumas áreas, como no Alto Rio Grande, pertencente ao município de Nova Friburgo, predominam os pequenos sítios cultivados pelos proprietários e, sobretudo, meeiros, e neles se observa algum desenvolvimento tecnológico, com o uso de tratores, defensivos agrícolas e sementes selecionadas.

Na estrada Teresópolis–Friburgo, o turismo se expandiu e diversos proprietários de sítios se transformaram em hoteleiros.
Na atual dinâmica econômica da região serrana, percebe-se uma ligação entre as atividades turísticas e a agricultura familiar. Essa solução representa apenas uma estratégia de sobrevivência ante a crise imposta ao agricultor pela expansão do turismo, veraneio e lazer, e conseqüente urbanização do meio rural.

2- Explique as palavras de um morador de Vargem Grande, ao dizer que o turismo
prejudicou muita gente, mas também, hoje, ajuda a agricultura.
R. Para alcançar a condição de estabelecer a relação entre a atividade turística nessa região e a agricultura familiar, procuramos mostrar que a região de Vargem Grande no passado era predominantemente rural, com poucos proprietários que cultivavam frutas e beneficiavam a mandioca. A terra pertencente a apenas seis sitiantes se fragmentou
por heranças. Depois vieram os japoneses e a horticultura, e mais tarde, os hotéis. Atualmente muitos sitiantes plantam para atender à demanda dos hotéis e pousadas da área e até mesmo aos turistas, que desejam levar para casa o “sabor da montanha”. A rede hoteleira também gera empregos para os habitantes da área. É importante entretanto, registrar que as transformações causaram desemprego e precarização das condições de vida de grande parte da população rural, que não conseguiu se integrar ao novo modelo econômico.

A região serrana do estado do Rio de Janeiro apresenta algumas características que a distinguem das demais regiões. A presença da serra do Mar determina um clima tropical de altitude, com temperaturas amenas. Já a colonização européia em algumas áreas trouxe aspectos típicos que favoreceram o turismo. O desenvolvimento industrial e urbano ao longo de eixos rodoviários ocorreu como em quase todo o estado. Assim, os movimentos pendulares entre algumas cidades – como Petrópolis e Teresópolis – e o Rio de Janeiro mostram uma certa dependência da região em relação à metrópole.
A agricultura familiar voltada para produtos mais valorizados no mercado como ervas finas, escargots, cogumelos, além da criação de rãs e trutas, atende à demanda de hotéis, pousadas e restaurantes da área.
Contudo, as transformações no meio rural e a urbanização excluíram parte da população rural, e beneficiaram apenas alguns que se integraram ao novo modelo, trabalhando para o turismo.


Resumo Geo 2 - aula 22 - Vale do Paraíba: o café, o gado, a indústria, o turismo e a degradação ambiental

A região do médio Vale do Paraíba fluminense é uma antiga área cafeeira, ocupada depois pelo gado e, mais tarde, pela atividade industrial. A ligação rodoviária entre o Rio de Janeiro e São Paulo, a Via Dutra, contribuiu muito para a ampliação da infra-estrutura na região.
Do ponto de vista natural, a região é formada pelas terras altas das serras do Mar e da Mantiqueira, apresentando um clima tropical de altitude.
Com o desenvolvimento industrial e o turismo, vieram as agressões ao meio ambiente. O desmatamento causou a erosão, os deslizamentos e a desproteção de mananciais. A poluição dos rios, com o lançamento de dejetos industriais, tem sido um problema constante.
De acordo com a regionalização do CIDE, o médio Vale do Paraíba fluminense é formado pelos municípios de Valença, Rio das Flores, Vassouras, Barra do Piraí, Piraí, Barra Mansa, Volta Redonda, Resende, Porto Real e Quatis.

Os jesuítas demarcaram a Fazenda Santa Cruz, em 1727, e cruzaram a serra do Mar, abrindo caminho para a ocupação do médio Vale do Paraíba. No ano seguinte foi aberta uma estrada ligando o Rio de Janeiro a São Paulo, mas só em 1744 a região foi descoberta por forasteiros que procuravam pedras preciosas, ouro e animais para a caça.
Com o declínio da mineração, ocorreu um deslocamento de colonos, e foram instaladas grandes fazendas de café, trazendo um dinamismo maior à região.

A implementação da lavoura cafeeira estabeleceu o grande marco na ocupação do Vale do Paraíba. O produto foi plantado primeiro nas áreas centrais e nos arredores da cidade do Rio de Janeiro e só depois se expandiu para o vale, que reunia várias condições favoráveis para a cafeicultura, tais como o solo e o clima.

O Vale do Paraíba foi se transformando numa das mais importantes áreas produtoras de café, representando uma das principais bases econômicas do Império e atingindo seu auge por volta de 1830.
Formou-se, desse modo, uma classe social constituída pelos grandes proprietários das fazendas de café, que receberam o título de “barões do café”. Os barões tinham grande influência junto ao governo, pois representavam o poder econômico do Império.
Em 1855, começou a construção da Estrada de Ferro D. Pedro II (depois Central do Brasil) e o trajeto dessa ferrovia se fazia de acordo com a influência exercida pelos barões do café. O escoamento da produção passou a ser feito por trem porque barateava o custo do transporte.
Cidades como Barra Mansa e Barra do Piraí tornaram-se importantes entroncamentos ferroviários, sendo que nessa última, a partir de 1864, fazia-se o embarque da produção do norte de São Paulo e sul de Minas Gerais.

A cafeicultura deixou, no Vale do Paraíba fluminense, além de solos desgastados, toda uma estrutura organizada nas antigas fazendas de café, que atualmente estão, em sua maioria, adaptadas para a pecuária e para a atividade turística, com uma rede ferroviária que apresenta, ao longo de seu curso, vários centros urbanos originados nos períodos áureos da cafeicultura.

1- Identifique as características da elite social que se formou na região do Vale do Paraíba, com a cultura cafeeira e aponte as principais mudanças que essa cultura promoveu na região.
R. Os donos das grandes fazendas de café adquiriram poder político e econômico com a exportação do produto. Tornaram-se influentes na região e até mesmo junto à corte (o Rio de Janeiro, onde vivia o imperador). Receberam títulos de nobreza (barões do café) e deveriam, em troca, apoiar o Império. Representavam a classe dominante de uma sociedade patriarcal e escravista. Com o café, desenvolveu-se no Vale do Paraíba uma malha ferroviária bastante significativa, e a estação de trem representava o poder do barão de café daquele local. Por causa das estações ferroviárias, surgiram vários centros urbanos que, após a decadência da cafeicultura, passaram a viver da pecuária,
do comércio e do turismo.

A partir de 1870, a atividade cafeeira entra em decadência por causa, principalmente, de dois fatores:
• o esgotamento dos solos, causado pela prática desordenada da lavoura;
• a gradativa libertação dos escravos, que constituíam mão-de-obra base das lavouras de café.
Vários produtores de café ficaram na ruína, e a produção se deslocou para São Paulo, que já contava com a mão-de-obra do imigrante italiano e condições naturais – disponibilidade de terras, clima e solo – favoráveis.

Já no vale, o gado tornou-se a melhor opção para a manutenção das fazendas, pois necessitava de pouca mão-de-obra e garantia a posse da terra.

2. “E aí o Mestre Café percebeu que estava em casa...” (Monteiro Lobato, A onda verde).
Nessa frase, o escritor paulista se refere à crise do café no Rio de Janeiro e seu deslocamento para São Paulo.
a. Aponte os fatores que contribuíram para essa decadência.
b. Identifique as transformações que aconteceram no Vale do Paraíba fluminense, com a decadência da cafeicultura.
R. A prática desordenada dessa lavoura, visando a maiores lucros, levou ao esgotamento do solo e ao deslocamento do produto para São Paulo onde o solo e o clima favoreceram esse cultivo. Quando o escritor escreveu a frase mencionada na atividade, ele se referia a esses fatores que levaram o café a se desenvolver mais no estado vizinho. A libertação dos escravos deixou os fazendeiros sem mão-de-obra para a lavoura e, nessa fase, São Paulo já contava com a mão-de-obra do imigrante italiano, que substituiu, com vantagem, os africanos, que trabalhavam sem remuneração e sem estímulo.
b. A pecuária foi a atividade mais adequada para substituir o café, pois exigia pouca mão-de-obra e não precisava de solos férteis, garantindo a posse da terra. Já havia um bom mercado consumidor na região e uma infra-estrutura de transporte que permitia abastecer, com os produtos derivados da pecuária, o Rio de Janeiro e áreas de São Paulo.

DEPOIS DOS BOIS, O VALE DO AÇO...
No início do século XX, tivemos no Brasil a política da substituição das importações, surgida com a dificuldade de obter produtos importados, em razão dos conflitos mundiais (Primeira e Segunda Guerras).
O Vale do Paraíba apresentava vários fatores favoráveis à industrialização, dentre outros:
• capital acumulado nos bons tempos do café;
• proximidade dos dois principais centros urbanos consumidores do país – Rio de Janeiro e São Paulo;
• existência de uma boa rede de comunicações: rodovia e ferrovia;
• possibilidade de obtenção de energia elétrica, com a construção de barragens e represas.
Inicialmente, foram instaladas indústrias em dois setores: têxtil – grande concentração em Valença – e alimentar (laticínios), com destaque para Barra Mansa.
Depois de 1930, houve um incentivo maior às indústrias de base e a uma infra-estrutura urbana, necessária à atividade industrial que se instalou na região.
Nessa fase, destacaram-se a instalação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), na década de 1940, em Volta Redonda, e a construção da rodovia Presidente Dutra, na década de 1950.

Em torno da CSN, surgiram várias empresas ligadas à siderurgia. Encontrando uma estrutura adequada, as cidades se espalharam ao longo da BR-116 – a Via Dutra – formando, no eixo Barra Mansa–Volta Redonda e Barra do Piraí, a área de maior concentração industrial do Vale do Paraíba fluminense, durante algum tempo. A presença da rodovia ligando as duas maiores cidades do país – São Paulo e Rio de Janeiro – com grande mercado consumidor favoreceu esse desenvolvimento do vale.

O Vale hoje: turismo, indústria e degradação ambiental
A atividade agropecuária ainda exerce um papel importante no Vale do Paraíba fluminense, especialmente nos municípios de Valença, Resende e Barra Mansa, que formam a bacia leiteira do médio Paraíba, sendo Valença o principal produtor de leite do estado. A PECUÁRIA ainda é, algumas vezes, praticada de forma EXTENSIVA. (Criação de animais em grandes espaços, sem cercamentos nem maiores cuidados)

Na regionalização adotada pela Turisrio, parte do Vale do Paraíba fluminense recebe a denominação de região do Ciclo do Café, incluindo os municípios de Valença, Rio das Flores, Vassouras, Barra do Piraí, Barra Mansa, Volta Redonda, Quatis, Piraí.

Representantes da União e dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais se reuniram para tratar da despoluição da bacia do rio Paraíba do Sul, responsável por cerca de 80% do abastecimento d’água da região metropolitana do Rio de Janeiro e por 20% da produção de energia elétrica.
Nessa reunião, em 20 de junho de 2005, ficou acertada a constituição da Comissão de Coordenação e Acompanhamento (CCA) para consolidar a implementação de um cronograma de ações na bacia do Paraíba do Sul.
O crescimento da atividade industrial – siderúrgica, metalmecânica, automobilística – juntamente com o turismo (hotéis-fazenda e veraneio) respondem pelos altos índices de população urbana desses municípios.

a. Estabeleça a relação entre o chamado ciclo do café e o turismo atual, no Vale do Paraíba fluminense.
b. Explique como o turismo atual influi na atividade agropecuária.

R Para identificar as transformações ocorridas na área do Vale do Paraíba, atualmente, e entender a relação entre a cafeicultura e o turismo, procuramos mostrar que, com a decadência do café no Vale do Paraíba, restou toda uma estrutura das grandes fazendas que atualmente procuram recriar o ambiente do século XIX e resgatar o passado de riqueza daquela região. Algumas fazendas transformaram-se em hotéisfazenda e recebem visitantes, além de contarem com funcionários para relatar sua história. As fazendas dedicam-se a produzir artigos que os turistas compram e são também usados no cardápio dos restaurantes.

A região do Vale do Paraíba teve, ao longo de sua história, diferentes atividades econômicas que deixaram marcas na paisagem.
Assim, tivemos a cafeicultura e as ferrovias, as indústrias alimentares – laticínios – ligadas à pecuária, a construção da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, dentre outras atividades.
Atualmente, o intenso processo de urbanização do espaço brasileiro se faz sentir no Vale do Paraíba fluminense, aparecendo novos eixos industriais como o de Resende e Porto Real e transformando centros urbanos em locais de prestação de serviços.
O turismo surge como uma nova opção e participa do processo de reestruturação rural, na medida que fazendas de café se transformam em hotéis e oferecem produtos para atender ao turista.


Resumo Geo 2 - aula 23 - Litoral sul fluminense: dos caminhos do ouro à exploração turística
A CRIAÇÃO DA REGIÃO LITORAL SUL
A Lei Complementar nº 105, de 4/7/2002, retirou os municípios de Itaguaí e Mangaratiba da região metropolitana do Rio de Janeiro e juntou-os aos de Angra dos Reis e Parati. Para a Turisrio, essa nova região corresponde à Costa Verde, que abrange assim os quatro municípios.
Foram criadas, então, duas microrregiões:
• a da baía de Sepetiba: Itaguaí e Mangaratiba;
• a da baía da Ilha Grande: Angra dos Reis e Parati.
A região apresenta clima tropical úmido. A temperatura média anual é de 27ºC, e ainda podemos encontrar alguns trechos da Mata Atlântica, rica em espécies da fauna e da flora, apesar da devastação decorrente do turismo e da atividade industrial. Devido ao relevo irregular e aos rios que cortam a região, são comuns as cachoeiras e cascatas. Parati abriga o Parque Nacional da Serra da Bocaina e uma baía cheia de ilhas.
A atual área do município de Parati era reduto dos índios guaianás, cujos domínios se estendiam desde Cananéia (SP) até Angra dos Reis (RJ).
A partir da descoberta do ouro na região de Minas Gerais, no final do século XVII, essa região ganhou enorme importância, pois se tornou o caminho oficial para o escoamento do ouro das minas, que era levado para Parati, depois para o Rio e daí para Portugal.

Em 1702, o governador do Rio de Janeiro baixou o Regimento das Minas, determinando que apenas o gado podia ser levado até Minas Gerais pelo caminho do sertão (pela Bahia), e que todas as mercadorias – inclusive o ouro – teriam de entrar pelo Rio de Janeiro, tomando o rumo de Parati. Essa determinação aumentou intensamente o trânsito pelo Caminho do Ouro, fazendo com que o porto de Parati se transformasse em um dos mais importantes da Colônia.
Em 1703, uma carta régia ordenou que se instalasse, em Parati, Casa do Registro do Ouro, para controlar o fluxo do ouro das minas para o Rio de Janeiro e o de pessoas e mercadorias no sentido oposto.
Com a queda do tráfego do ouro, Parati voltou-se para a produção de aguardente – a famosa cachaça passou a ser conhecida pelo nome da cidade –, e o produto passou a ser usado na troca por escravos africanos.
O caminho foi usado como rota do tráfico de escravos e, mais tarde, para escoar a produção cafeeira do Vale do Paraíba e para levar aos barões do café o luxo trazido da Europa.
Com a Lei Áurea libertando os escravos, a produção agrícola entrou em colapso, fato que se agravou com a ligação ferroviária Rio– São Paulo. A cidade de Parati perdeu, então, toda a sua importância econômica – como se parasse no tempo –, o que muito contribuiu para preservar suas fortes características coloniais.

Com a aprovação do Decreto 58.077, de 24 de março de 1966, a cidade de Parati foi declarada Monumento Histórico Nacional e, com a abertura da Rio–Santos – BR-101 –, a cidade transformou-se em pólo turístico de fama internacional.

No século XVIII, Parati representava o porto de saída para o ouro das minas e, desse modo, adquiriu grande importância na economia colonial. Com a abertura do Caminho Novo, ligando a região das minas diretamente ao Rio de Janeiro, o Caminho Velho passou a ser usado para transporte de alimentos para a região das minas e plantações de café, bem como para o escoamento da produção das fazendas cafeeiras do Vale do Paraíba. Parati passou a produzir um tipo de aguardente que passou a ser chamada pelo nome da cidade – Parati.
A partir da década de 1970, a região recebeu investimentos do Governo Federal para a construção da BR–101 em áreas de encostas desgastadas e descobertas de vegetação, o que provocou elevados custos sociais ao meio ambiente, embora tenha facilitado o acesso à chamada Costa Verde.

A construção da Rio–Santos se seguiu de uma imediata ocupação da região pelos grandes empreendimentos imobiliários.
Outro fator de destaque econômico, porém também discutível do ponto de vista ecológico, foi a construção do Tebig (Terminal da Baía da Ilha Grande) pela Petrobras, uma rede de oleodutos que liga o Rio de Janeiro ao Vale do Paraíba, destinada ao escoamento do petróleo da refinaria ao porto.
A abertura da BR-101 favoreceu o desenvolvimento industrial e turístico da região, porém, interferiu no equilíbrio socioambiental do litoral sul do estado. Além do desmatamento em várias áreas de Mata Atlântica, ocorre o lançamento de dejetos industriais e esgoto doméstico no mar e na baía da Ilha Grande, em especial.

Como uma das mudanças determinadas pela indústria e pelo turismo no litoral sul fluminense, podemos ver a implantação da Usina Nuclear Álvaro Alberto, em Mambucaba, nas proximidades de Angra dos Reis e da Nuclep em Itaguaí, que exigiram uma melhoria na rede de transportes. Foi então aberto o trecho da BR-101, ligando o Rio de Janeiro a Santos. Essa rodovia trouxe grande progresso, com aumento dos índices de urbanização e o desenvolvimento do turismo; porém, causou grandes problemas para o meio ambiente e alterações no mercado de trabalho, como o desemprego em setores tradicionais – atividades agrícolas, pesca – e novos empregos na construção civil, condomínios de luxo e rede hoteleira. Hoje, a região atrai grande número de turistas pelas belezas naturais e pelas marcas de um passado histórico que procura preservar. Um dos trechos do Caminho do Ouro faz parte do sítio histórico e ecológico de Parati e está aberto à visitação.

Durante a ditadura militar no Brasil desenvolveram-se as negociações entre o Brasil e a Alemanha Ocidental que resultaram no Acordo de Cooperação para Usos Pacíficos da Energia Nuclear, conhecido como Acordo Nuclear Brasil-Alemanha. Esse acordo incluía a construção de oito centrais termonucleares, uma usina de enriquecimento de urânio
e uma fábrica de reatores nucleares.
Assim, bilhões de dólares foram investidos e, atualmente, Angra I e Angra II produzem uma quantidade pequena e cara de energia elétrica, sendo deficitárias na relação custo-benefício. Em 2002, a participação das usinas Angra I e II na produção nacional de energia elétrica representava 2% do total.
Outro aspecto forte do litoral sul fluminense está relacionado à estrutura fundiária da região.

A agricultura familiar de lá ainda se dá artesanalmente, pois o nível tecnológico é baixo. Ainda aparecem atividades agrícolas como o cultivo da banana e da mandioca.
A região segue enfrentando um processo de intensas mudanças, iniciadas durante o ciclo do ouro e complementadas na década de 1970, com a abertura da Rio–Santos e os posteriores investimentos na produção de energia nuclear e na atividade estaleira.

Para mostrar as transformações ocorridas no litoral sul do estado do Rio de Janeiro com a abertura da BR-101, nesse trecho Rio–Santos, procuramos explicar que ocorreram sensíveis mudanças, pois o processo de urbanização se acelerou. Muitas áreas rurais se transformaram em áreas de turismo e veraneio. Muitos habitantes que trabalhavam em atividades agrícolas e na pesca foram atraídos pelas atividades ligadas ao turismo e ao veraneio, em bares, restaurantes, hotéis. Cresceram, também, o setor da construção civil e os empregos domésticos.

Durante o ciclo do ouro, essa região tornou-se conhecida por ser Parati uma das cidades por onde passava o ouro das Minas Gerais. Durante a década de 1970, com a abertura da Rio–Santos, a região começou a atrair muitos turistas e veranistas.
Em contrapartida, a região sofreu muitas agressões no meio ambiente, como o desmatamento de parte da Mata Atlântica e o lançamento de esgoto doméstico e industrial na baía e no mar.
Ocorreram também transformações no mercado de trabalho, passando a predominar a atividade urbana.



Resumo Geo 2 - aula 24 - Noroeste fluminense: da opulência dos barões do café
ao esvaziamento econômico e demográfico
O noroeste fluminense é a mais pobre das regiões do estado do Rio de Janeiro, sendo sua economia baseada na agropecuária e no comércio.
Trata-se de uma área influenciada pela altitude, onde, além da pecuária leiteira, que é predominante, há tentativas de retomada do cultivo de café, em lugares como Bom Jesus de Itabapoana.
Essa região apresenta baixos índices socioeconômicos, concentração de renda e padrões de consumo típicos de áreas rurais pobres. O fenômeno dos bóias-frias, já descrito na aula sobre a baixada campista, é também bastante comum nessa área.
Pela regionalização do CIDE, o noroeste fluminense abrange os seguintes municípios: Aperibé, Bom Jesus de Itabapoana, Cambuci, Italva, Itaocara, Itaperuna, Laje do Muriaé, Miracema, Natividade, Porciúncula, Raposo, Santo Antônio de Pádua, São José do Ubá e Varre-Sai.

Essa é uma região de relevo diversificado, com a serra da Mantiqueira ao norte, a depressão do médio Paraíba e o alinhamento do topo das serras que acompanham o rio Paraíba. Apresenta poucas áreas de planícies fluviais argilosas, nas margens dos rios Muriaé e Paraíba do Sul. Os rios mais importantes são o Itabapoana, o Carangola, o Muriaé, o Pomba e o Paraíba do Sul.
As únicas áreas da região que ainda apresentam florestas nativas – Mata Atlântica – são os topos mais elevados da serra do Mar e da serra da Mantiqueira.
O clima é semi-úmido, chegando a ter de quatro a cinco meses de seca (maio a setembro). Já a temperatura média anual é em torno de 22ºC, sendo superior a 24ºC no verão.

O povoamento da região teve origem no século XVII, com as missões jesuíticas encarregadas de pacificar e catequizar os indígenas lá estabelecidos.
Foi no século XVIII que se estabeleceu o grande marco da ocupação do médio vale do Paraíba, e tal fato se deu pela implantação da lavoura cafeeira.
Com o auge da economia cafeeira no final do século XIX, a colonização desenvolveu-se rapidamente. Os proprietários – barões do café – conseguiram subvenção do governo para a construção da Estrada de Ferro Carangola. Esse fato intensificou o processo de ocupação dessas terras, permitindo seu rápido desenvolvimento.
O cultivo de café promoveu o povoamento em dois diferentes eixos do estado do Rio de Janeiro. O primeiro numa área que vai de Resende a Três Rios, e o segundo eixo que parte do município de Cantagalo em direção à região de Itaperuna.

Com o esgotamento dos solos e o declínio da lavoura, a economia passou a basear-se na pecuária. A libertação dos escravos contribuiu para a decadência da cafeicultura, pois o produto foi levado para São Paulo, que já contava com a mão-de-obra do imigrante italiano.

1.a. O noroeste fluminense teve uma fase de opulência e hoje enfrenta um processo de esvaziamento e estagnação. Aponte a atividade econômica que trouxe a riqueza para essa região e as evidências do prestígio que os grandes proprietários de terras tinham junto ao Império.
Para a compreensão da importância da cafeicultura na ocupação do noroeste fluminense, procuramos mostrar que, assim como no médio Vale do Paraíba fluminense, o plantio do café trouxe a riqueza para essa área, pois toda a economia brasileira girava em torno da exportação do produto. Os cafeicultores – barões do café – tornaram-se ricos, poderosos e influentes, como atesta a subvenção obtida para a construção da Estrada de Ferro Carangola, que trouxe maior progresso à região, facilitando o escoamento do café.

1.b. Identifique dois fatores da decadência dessa atividade.
O cultivo extensivo do produto levou ao esgotamento dos solos, e a abolição da escravatura tornou mais difícil a mão-de-obra necessária para essa lavoura. O café segue seu caminho rumo a São Paulo, onde encontrou clima e solo favoráveis – terra roxa – e a mão-de-obra do imigrante italiano, já assalariada, que substituía, com vantagens, o escravo

. Atualmente o leite é o grande produto regional, sendo Itaperuna o segundo produtor do estado.
No que se refere à indústria, o desenvolvimento no noroeste fluminense é pequeno, restringindo-se quase exclusivamente ao beneficiamento de produtos alimentares, como o arroz e o leite.

O município de Raposo é uma estância hidromineral e procura atrair os turistas, valendo-se também da proximidade de Eugenópolis, cidade conhecida pelas lojas de fábrica de roupas de dormir, cama e mesa.
No município de Santo Antônio de Pádua destaca-se uma estância de água mineral alcalina, bicarbonatada, sódica e iodetada, considerada rara e recomendada no tratamento de distúrbios cardiovasculares. Nesse município, também se destacam as pedras ornamentais.

O povoamento efetivo no noroeste fluminense dessa região ocorreu com a cafeicultura, no século XIX, mas a economia entrou em declínio com a decadência desse produto no estado do Rio de Janeiro.
Atualmente, a região vive um processo de esvaziamento e estagnação econômica. A principal atividade econômica é a pecuária leiteira, sendo Itaperuna o segundo produtor de leite do estado, contando com o maior rebanho.
O turismo procura se expandir, com dificuldade, procurando valorizar as estâncias hidrominerais de Raposo e Santo Antônio de Pádua.
O Projeto Frutificar promete uma alternativa para os agricultores, mas esquece as necessidades maiores de muitos pequenos lavradores.


Resumo Geo 2 aula 25 Rio de Janeiro: território do petróleo, dos serviços ou da Mata Atlântica?

O estado do Rio de Janeiro está dividido, atualmente, em 92 municípios e oito regiões de governo. Entretanto, as políticas implementadas pelo governo estadual raramente levam em conta essa regionalização, embora todos saibam da importância da dimensão regional.
Os municípios assim agrupados – em regiões de governo – têm problemas comuns que poderiam ser resolvidos se fossem atacados com políticas de âmbito regional, com ações conjuntas.

• Área territorial: 43.910km2
• % da área do Brasil: 0,52%
• População: 14.367.000, sendo 96% urbana e 4% rural (Censo 2000, IBGE)
• % da população nacional: 8,47%
• Índice de Desenvolvimento Humano (IDH): 0,802 (2002)
• Taxa de analfabetismo: 6,9% (1999)
• Regiões de Planejamento: 8
• 92 municípios

O território fluminense apresenta as maiores reservas de petróleo do país, sendo responsável por cerca de 90% da produção petrolífera nacional.
Essa atividade teve início no final da década de 1970, com a descoberta de petróleo em águas do Rio de Janeiro, e contribuiu para transformar espaços antes voltados para uma economia tradicional e decadente, principalmente para a agricultura, como no caso de Campos dos Goitacases, Quissamã, Rio das Ostras e, principalmente, Macaé, onde está sediada a base operacional da Petrobras.

A partir da década de 1980, esses royalties e participações especiais contribuíram para a emancipação de vários municípios, como Quissamã (1990), Rio das Ostras (1993) e Carapebus (1997).
É evidente que esse desejo de emancipação, por um lado, muitas vezes encobre o interesse de criar cargos políticos – prefeito, vereadores – cujos ocupantes se beneficiarão dos royalties recebidos pelos novos municípios.

No entantonos municípios beneficiados pelos royalties e pelas participações especiais. Ao contrário, o que se tem observado é um aumento das condições de pobreza e o rareamento dos investimentos com infra-estrutura e geração de empregos em quase todos os municípios beneficiados com a exploração dessa riqueza.

Para atender ao objetivo de compreender os efeitos da exploração do petróleo no estado, procuramos mostrar que, a partir da descoberta do petróleo na Bacia de Campos e do pagamento dos royalties a vários municípios, os movimentos emancipatórios proliferaram. No entanto, se do ponto de vista da configuração espacial muitas foram as mudanças, do ponto de vista da estrutura social pouco se alterou na realidade dos municípios. O pagamento de royalties aos municípios emancipados não foi suficiente para transformar a realidades dessas áreas, já que a pobreza e os problemas sociais em geral continuam crescendo, assim como são muitas as necessidades de infra-estrutura básica, apresentadas pelos municípios até os dias de hoje.
No estado do Rio de Janeiro, aparece a mais elevada taxa de população urbana do país. Mais de 95% de seus habitantes vivem em cidades (sedes de municípios) e em vilas (sedes distritais).
Dos 14.367.225 de habitantes do estado, 13.798.169 vivem em áreas urbanas, sendo que a região metropolitana concentra mais de 10 milhões de habitantes. Destaca-se aí a diminuição gradativa da população rural, que, entre 1991 e 2000, teve CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO NEGATIVO de 0,74%.
As urbanidades no rural são todas as mudanças de caráter urbano em áreas rurais, sem que essas áreas tenham se transformado em cidades.
No estado do Rio de Janeiro, a onda de emancipações a que já nos referimos, no final dos anos 1980 e durante os anos 1990, gerou uma intensificação da urbanização e diversas “urbanidades”. Os 27 municípios criados no estado, nesse período, alteraram profundamente o mercado de trabalho ao ampliarem o setor terciário da economia e criarem, indiretamente, várias “urbanidades”.

Podemos concluir que o turismo e a industrialização da agricultura constituem as formas mais evidentes das mudanças no mercado de trabalho e confirmam a expansão das urbanidades no meio rural. Mas é importante destacar que a pobreza no campo e os conflitos pela posse da terra constituem um alerta sobre a falsa imagem de que o Rio de Janeiro é um estado essencialmente urbano.
A busca de uma identidade para o habitante do estado do Rio de Janeiro ou uma disputa capital versus interior são questões irrelevantes.
O maior desafio é refazer a trajetória de desenvolvimento do estado pautando-se na exploração respeitosa e equilibrada de todos os setores da economia, buscando contribuir para a verdadeira luta, que é a da distribuição mais justa da renda, das terras e pela geração de empregos, que possam garantir a todos uma vida digna, com acesso à saúde e à educação.
A interiorização do desenvolvimento se deveu mais a fatores locais como a descoberta do petróleo em Campos e à instalação de indústrias em municípios do sul do estado,
do que à expansão da “riqueza” da antiga Guanabara, que já estava bastante comprometida por ocasião da fusão, 15 anos após a mudança da capital para Brasília.
O Rio de Janeiro é um estado que possui grande destaque no cenário nacional, embora apresente grandes contrastes em relação às condições socioeconômicas de sua população. O petróleo se destaca na economia do estado, liderando as exportações, embora, neste último ano (julho 2004/ julho2005), a participação do produto no total exportado tenha caído um pouco.
Com o pagamento dos royalties a municípios da área onde ocorre a exploração do petróleo, muitos novos municípios surgiram a partir de processos de emancipação, pois as sedes distritais se sentiam prejudicadas na distribuição dos recursos.
O setor de serviços é o pilar da economia do estado, com 65,5% do PIB (Produto Interno Bruto), resultado, principalmente, da elevada urbanização do Rio de Janeiro. Essa urbanização tem conseqüências negativas como o desemprego, o subemprego, o aumento da criminalidade e da violência. A destruição da Mata Atlântica, a poluição dos rios, das lagoas, das baías constituem, também, sérios problemas de nosso estado.

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5 - ALFABETIZAÇÃO 2

Mairce da Silva Araújo / Marta da C.L. Rêgo / Valéria Fernandes

Resumo aula 01 Ambiente alfabetizador: novas perspectivas para a prática alfabetizadora? Mairre da S. Araújo

Inspiradas pelo enfoque ferreiriano, professoras das classes de Alfabetização e de Educação Infantil, em inúmeras escolas, foram desafiadas a pensar o processo da alfabetização partindo não mais da escolha do melhor método, ou da melhor cartilha para alfabetizar, mas sim da criança que aprendia. Sem dúvida, naquele momento, as contribuições das autoras permitiram um avanço significativo tanto na compreensão do processo de alfabetização, quanto a respeito das estratégias pedagógicas que reconhecem no aluno o sujeito do conhecimento.

AMBIENTE ALFABETIZADOR: O QUE É? DE ONDE VEM ESSA IDÉIA?

O pressuposto básico do qual partiam esses trabalhos é de que as crianças, todas as crianças, são sujeitos de conhecimento e, como tal, quando crescem em comunidades letradas, não permanecem indiferentes ao código escrito e constroem conhecimentos sobre a leitura e a escrita, antes mesmo que algum adulto decida ensinar-lhes sistematicamente.
O uso cotidiano e sistemático de situações de leitura e de escrita em seu universo cultural marca, desde o primeiro momento, as explorações das crianças com relação à escrita e à leitura. Neste processo, elas se tornam “naturalmente” usuárias da linguagem escrita.

É de suma importância experiências domésticas das crianças com a leitura e a escrita para a facilitação desse aprendizado na escola, confirmando igualmente que o processo de alfabetização da criança começa muito antes de ela entrar para a escola

A constatação de que a vivência cotidiana em um ambiente letrado estimularia as crianças a tornarem-se “naturalmente” usuárias da linguagem escrita levou Ferreiro a propor o que passou a denominar “ambiente alfabetizador”, que visava a levar para a sala de aula um ambiente semelhante ao que as crianças viviam em seu cotidiano quando expostas a situações de leitura e de escrita. Defendia Ferreiro que, assim fazendo, a professora estaria contribuindo para o processo de alfabetização das crianças.

Nas palavras de Ferreiro, criar um ambiente alfabetizador significa organizar a sala de aula de maneira que:

em cada classe de alfabetização deve haver um “canto ou área de leitura” onde se encontrem não só livros bem editados e ilustrados, como qualquer tipo de material que contenha a escrita (jornais, revistas, dicionários, folhetos, embalagens e rótulos comerciais, receitas, embalagens de medicamentos etc.) Quanto mais variado esse material, mais adequado para realizar diversas atividades de exploração, classificação, busca de semelhanças e diferenças e para que o professor, ao lê-los em voz alta, dê informações sobre “o que se pode esperar de um texto” em função da categorização do objeto que veicula. Insisto: a variedade de materiais não é só recomendável (melhor dizendo, indispensável) no meio rural, mas em qualquer lugar onde se realize uma ação alfabetizadora (1993, p. 33).

Porém, como diz o ditado, nem tudo eram flores, e as professoras continuaram com suas dúvidas e dificuldades em relação ao processo de alfabetização, como nos mostra o depoimento abaixo:

Quando o construtivismo chegou foi como se estivéssemos numa ilha isolada com fome e nos tivessem jogado de avião inúmeras latas de conserva, mas não nos mandassem junto os abridores de lata.

Entretanto, o termo “ambiente alfabetizador” produziu muitos mal-entendidos, segundo os quais a professora, inúmeras vezes, abre mão do seu papel de orientadora desse processo. Incorporar apenas a idéia de um ambiente alfabetizador sem uma compreensão mais profunda do que isso significa, tem feito com que algumas professoras tragam para a sala de aula toda sorte de textos – rótulos, revistas, embalagens, jornais, bulas, receitas – sem saber bem o que poderiam fazer com estes materiais.
Tendo como referência que o papel do ambiente alfabetizador deveria ser aproximar as crianças do uso da escrita em sua função social.Aa atividade proposta pela professora deve permitir às crianças perceberem a leitura e a escrita como um instrumento de compreensão da realidade e não simplesmente decodificação da linguagem escrita. Nesse sentido a atividade deve privilegiar:
Ler a propaganda e conversar com as crianças:
a. Para que serve a propaganda?
b. Que tipo de linguagem a propaganda usa?
c. Pedir para as crianças criarem uma propaganda de um produto que seja importante para um crescimento saudável.
Ou seja, não simplesmente circular letras, sílabas ou postular construção de novas palavras com os fragmentos escritos destacados.

Alfa 2 - Resumo aula 2 - Ambientes alfabetizadores: entrecruzando o mundo da escola e a escola do mundo Mairce da S. Araújo

Para ampliar a reflexão sobre ambiente alfabetizador, começaremos a aula trazendo o depoimento de uma professora que revela a sua perplexidade diante de uma situação vivida no cotidiano escolar:
O cotidiano da escola pública alfabetiza nossos filhos e alunos num conteúdo de vida, que é o conteúdo do trabalhador... Outro dia montamos em sala de aula um supermercado. Muitos conteúdos do programa puderam ser trabalhados a partir daí. Por exemplo, as operações matemáticas: soma, subtração, multiplicação, divisão; situações problemas envolvendo compra e venda de produtos; leitura e escrita de rótulos, análise de materiais de propaganda; discussão sobre as profissões das pessoas que trabalham no supermercado, a carga horária de trabalho, os salários... Enfim, conteúdos que constam dos programas e muitos outros que não estavam previstos. O supermercado ficou montado lá no canto da sala. Nós combinamos que depois das atividades, quem acabasse poderia ir lá brincar. Eu fiquei muito surpresa, quando num dia de chuva, em que o recreio foi na sala, as crianças estavam brincando de supermercado, mas não como tínhamos trabalhado em aula. A brincadeira era a seguinte: uma fila e uma pessoa entrevistando os candidatos a emprego. Meus alunos estavam brincando de procurar emprego. O emprego mais procurado era o de empacotador, aquele (geralmente criança) que fica atrás do caixa ensacando as compras. Fui descobrindo que a maioria dos meus alunos sonha em fazer logo nove anos para trabalhar como empacotador no supermercado. Eu não sabia o que fazer. Nenhum curso que eu fiz me ensinou o que fazer numa hora dessas. Me ensinaram a trabalhar com rótulos, mas não me ensinaram a alfabetizar para a cidadania.

São essas crianças que continuam a desafiar uma prática alfabetizadora comprometida, que procura dialogar com as experiências vividas pelos alunos fora do ambiente escolar. Crianças cujos pais são trabalhadores não-qualificados, semiqualificados, ou mesmo, desempregados, e as mães, ou em muitos casos as próprias avós, são as provedoras da casa. Crianças pobres em sua maioria, afro-descendentes, vivendo na periferia urbana – trabalhadoras – e que, a partir de suas múltiplas experiências de vida, tecem conhecimentos, criam lógicas e formas de pensar, resolvem problemas. Na vida são rápidas e espertas, mas na escola são lentas e a cada ano engordam os números das estatísticas do fracasso escolar. Na vida dez, na escola zero, como já nos ensinaram as pesquisas de Terezinha Carraher.
Ao se deparar com a brincadeira das crianças, a professora se confrontava, naquele momento, com as visões de mundo construídas por elas em suas experiências sociais. Toda a aprendizagem técnica trazida de sua formação inicial não dava conta de responder aos desafios colocados pela situação. Sabia trabalhar com os rótulos, porém seus alunos solicitavam mais que isto. Sentiu-se paralisada sem saber o que fazer e, ao mesmo tempo, estimulada a buscar novas respostas. Como alfabetizar para a cidadania? Que novos conteúdos e metodologias são necessários para potencializar alunos no exercício da cidadania?

[A alfabetização] Implica, não uma memorização visual e mecânica de sentenças, de palavras, de sílabas, desgarradas de um universo existencial - coisas mortas ou semi-mortas (sic) – mas numa atitude de criação e recriação... Daí que o papel do educador seja fundamentalmente dialogar com o analfabeto, sobre situações concretas... Por isso, a alfabetização não pode ser feita de cima para baixo, como uma doação ou imposição, mas de dentro para fora, pelo próprio analfabeto... Por isso é que buscávamos um método que fosse também instrumento do educando e não só do educador e que identificasse... o conteúdo da aprendizagem com o processo mesmo da aprendizagem (FREIRE, 1978, p. 111).
Dialogar com o analfabeto sobre situações concretas é a grande pista que Paulo Freire nos oferece para pensarmos a alfabetização como exercício da cidadania.
Quando, na sala de aula, abre-se espaço para que as crianças possam vivenciar contextos sociais nos quais a escrita é usada em suas funções básicas, como aconteceu na sala da professora, a partir da atividade da proposta de montar um supermercado, os conteúdos alfabetizadores se revelam em sua complexidade.
Estimular a exploração de objetos que são portadores de escrita como jornais, rótulos, calendários, dentre outros, permite trazer para a discussão sobre alfabetização as formas de as crianças pensarem, sentirem, agirem, se relacionarem com os outros, em outras palavras, a compreensão que elaboram sobre o mundo.

Como afirma Paulo Freire, a compreensão sobre o mundo construída por crianças, jovens e adultos nas mais variadas dimensões de sua prática social – “sua forma de contar, de calcular, seus saberes em torno do chamado outro mundo, sua religiosidade, seus saberes em torno da saúde, do corpo, da sexualidade, da vida, da morte, da força dos santos, dos conjuros” (FREIRE, 1992, pp. 85-86) – tudo isso constitui suas leituras de mundo.

Leitura de mundo = compreensão do mundo. A brincadeira do supermercado colocou a professora diante de novas questões. As diferenças de classe social, por exemplo, que determinam a desigualdade entre os que entram no supermercado apenas para consumir e os que aspiram a conseguir um emprego. Pensar no supermercado como um local de trabalho é uma leitura de mundo construída pelas crianças a partir de suas vivências.
Como afirma Freire (1987), alfabetizar é um ato político. Assim, ao radicalizar a concepção de ambiente alfabetizador, a professora entenderia que, deslocando a sua proposta, as crianças ampliariam o ambiente alfabetizador que ela inicialmente criou em sala de aula, tornando-o muito mais rico – porque teve a interferência das crianças. O papel da professora seria, então, continuar a investir na ampliação do universo cultural das crianças, transformando em conteúdos alfabetizadores toda a experiência trazida por elas.

O que não tem sido discutido sobre o ambiente alfabetizador nos cursos de formação de professores e o que a escola também muitas vezes não sabe é que não existe um ambiente alfabetizador universal, que atenda às necessidades de qualquer criança, em qualquer tempo e lugar. O ambiente alfabetizador tem de ser datado e situado. Ele é histórico. O que pode representar, hoje, um rico ambiente alfabetizador amanhã pode não ser o bastante, pois as experiências das crianças – qualquer criança, de qualquer classe social – já se modificaram tanto, que as necessidades serão outras. Só será um ambiente alfabetizador se incorporar a atualidade cultural da criança e sua história – o presente traz o passado de seu grupo sociocultural. Isto precisa ser permitido entrar na sala de aula para que a criança que está mergulhada na sua cultura de origem e com a qual se comunica bem, se expressa bem, compreende e é compreendida, venha a, igualmente, compreender que tudo aquilo que ela fala pode ser escrito. E escrevendo pode se comunicar a distância, ampliando assim a sua interlocução, levando a sua voz mais longe.
Criando estratégias de uso da linguagem escrita a partir das leituras de mundo das crianças, a professora possibilita o acesso à leitura da palavra visando à incorporação e ampliação de novas leituras de mundo às leituras anteriores já realizadas a partir das próprias experiências das crianças.
Discutindo com seus alunos sobre contrato de trabalho, por exemplo, ou elaborando uma carta solicitando emprego, a professora em pauta, além de estar apontando a função social da escrita, também estaria mostrando as possibilidades da escrita como uma arma na luta por uma sociedade mais includente.

Para a maioria das crianças pobres, afro-descendentes, moradoras das periferias, a alfabetização vem acompanhada de uma forte desqualificação de seus saberes, valores, linguagens. Na escola, além de aprender a ler e escrever, elas também terão de aprender outra variante lingüística, outra lógica, outra relação com o corpo, novos valores estéticos e outra religião, que não se identificam com o seu grupo sociocultural. Diferenças culturais, tratadas pela escola como deficiências, levam a discriminações, contribuindo para despotencializar as crianças.

Para as crianças de uma classe média urbana, a dificuldade no aprendizado da leitura e da escrita é exceção. Inúmeras vezes, já estão lendo e escrevendo ao entrar para a escola. Para as crianças das classes populares, porém, o desafio da escola, além de criar situações de uso da leitura e da escrita, é dar sentido a esse aprendizado. Para isso, é preciso refletir sobre as diferentes alfabetizações que são vividas por elas em seu cotidiano, os saberes e as leituras produzidos nesses embates, para que reconhecidos e mobilizados dentro da escola possam se tornar a base do processo de apropriação da linguagem escrita.
A concepção de ambiente alfabetizador presente na escola tem levado as professoras a concluírem que criar um ambiente alfabetizador na sala de aula significa seguir o modelo do ambiente cultural das crianças das classes médias, uma vez que se afirma que as crianças das classes médias se alfabetizam porque o ambiente da sala de aula é uma continuidade do ambiente de suas casas. As leituras de Paulo Freire nos convidam a pensar não mais em um ambiente alfabetizador, único para todas as crianças, mas sim em ambientes alfabetizadores que possam incorporar na sala de aula as leituras de mundo que professoras e crianças constroem no cotidiano, ampliando-as e diversificando-as. A construção de ambientes alfabetizadores favoráveis à aprendizagem das crianças das classes populares, construídos a partir das diferenças culturais, precisa tomar como base a relação leitura de mundo-leitura da palavra, procurando garantir que o processo de ensinar a ler e a escrever se torne um espaço onde os que foram silenciados e não usufruem dos benefícios socioculturais produzidos pela sociedade em seu conjunto possam “tomar a palavra”.
ATIVIDADE
Construa um conceito de ambiente alfabetizador que incorpore a concepção leitura de mundo-leitura da palavra, de Paulo Freire.

Que a sala de aula e a escola sejam espaços que incorporem, ampliem e diversifiquem as leituras de mundo trazidas pelas crianças de seu cotidiano, tornando-as objeto de escrita e reflexão, é o eixo central de um conceito de ambiente alfabetizador inspirado na perspectiva freiriana.


Alfa 2 - Resumo aula 03 - Ambientes alfabetizadores no cotidiano escolar: um caminho em construção - Mairce da S. Araújo

Não receber da criança a resposta esperada tem sido um fator de desmonte do planejamento das professoras. Tendo sido formadas a partir de uma lógica que tem como referência o livro didático ou a cartilha e seus roteiros predefinidos com perguntas e respostas prontas, as professoras sentem dificuldades em lidar com as questões concretas colocadas pelas crianças no cotidiano escolar. Em decorrência disso, a tensão entre a resposta esperada e a recebida, inúmeras vezes, em vez de mobilizar uma ação criativa por parte das professoras, provoca o desânimo.
Como alfabetizar, a partir da “realidade vivida” que as crianças trazem para a sala de aula, se essa realidade é sempre múltipla, heterogênea e complexa?

A tensão entre a complexidade trazida pelas diferentes vivências que aparecem na sala de aula e a simplificação que as cartilhas prometem estimulam a professora a optar pelo caminho aparentemente mais simples e mais seguro. Entretanto, para o sujeito que está se alfabetizando, seja a criança ou o adulto, apropriar-se da língua escrita, como se fosse apenas um código de transcrição sonora, implica abrir mão do conteúdo, do sentido e das múltiplas possibilidades de expressão, comunicação e informação que caracterizam a produção escrita.
Compreender o aprendizado da língua escrita como um processo linear, cumulativo, hierarquizado – concepção que fundamenta grande parte das cartilhas representa, na verdade, uma visão simplificadora do processo de aprender a ler e a escrever que desintegra a complexidade do real, como explica Morin (1990), na medida em que a correspondência grafo-sonora não garante a compreensão do escrito. Ou seja, aprender a ler e a escrever não é se apropriar de um código de transcrição sonora. Pressupõe uma construção conceitual realizada por sujeitos históricos a partir da interação com a própria língua escrita.
Pensar a alfabetização a partir dos conteúdos vivos que permeiam a sala de aula e não apenas a partir do estudo da estrutura da língua abre espaço para que novos caminhos que tenham como base a palavramundo dos sujeitos em processo de alfabetização possam ser construídos na prática alfabetizadora.
Entender, por exemplo, por que uma criança de meio urbano, que passa na porta de um supermercado para chegar até a escola, que vê televisão e que, provavelmente, já viu várias marcas de sabão em pó, afirma que a mãe não usa sabão em pó e, portanto, não sabe o nome de nenhuma marca de sabão em pó, quando poderia ter simplesmente dito o nome de uma marca, possibilita discutir o processo de alfabetização numa perspectiva mais ampla.
Uma simples pergunta, sobre o nome do sabão em pó que a mãe usava – abria espaço na sala de aula para a criança falar sobre a sua própria vida – “Minha mãe não usa sabão em pó” –, anunciando que questões vitais poderiam vir à tona. A dificuldade de comprar sabão em pó, a luta pela sobrevivência, a desnaturalização dos critérios do que é ser e do que não é ser limpo...

Quantas leituras de mundo estavam implícitas nesse diálogo?
A demanda pela aprendizagem da leitura e da escrita também está presente na Educação Infantil, às vezes como proposta oficial, outras vezes como expectativa das famílias ou por solicitação das próprias crianças.
Escrever o próprio nome, reconhecer a letra de seu nome em outras palavras, inventar formas de escrita são aprendizagens e descobertas que têm estado presentes em inúmeras salas de Educação Infantil, especialmente a partir das pesquisas de Ferreiro que apontaram o processo de construção de conhecimento sobre a língua escrita pelas crianças.
Por outro lado, a organização clássica das salas de Educação Infantil a partir dos “cantinhos” – cantinho da boneca; cantinho da construção; cantinho da leitura etc. – favoreceu a correspondência entre canto da leitura e ambiente alfabetizador como se tivessem o mesmo significado.
Como nos aponta Garcia (1994), historicamente a hoje denominada Educação Infantil tem sido vista ora como uma escola desinteressada, ora como uma escola “preparatória” que, apesar de objetivos diferentes, caracteriza-se como momentos anteriores à escola, sem nenhum compromisso mais específico com a produção e circulação do conhecimento.
Na escola desinteressada, a preocupação é voltada para um “desenvolvimento integral da criança”, nunca muito bem explicitado e, contraditoriamente, promovido por meio de atividades soltas, sem articulação umas com as outras. Já a escola preparatória se limita a preparar a criança para uma aprendizagem futura, da leitura e da escrita. Em nenhuma delas o conhecimento aparece como um processo a ser construído, como se o fato de pensar, questionar, levantar hipóteses, buscar respostas só acontecesse com as crianças depois que elas entrassem para a escola.
Entretanto, para que possa dar conta dessa tarefa é preciso que a escola de Educação Infantil, superando uma concepção histórica pela qual era vista apenas como uma etapa de preparação para a escola, se coloque como um espaço de construção e circulação de conhecimentos, dentro do qual as crianças são concebidas como um ser humano completo e não apenas um vir-a-ser.
A partir de uma concepção de infância que reconhece a criança como cidadã, o papel da Educação Infantil é apoiar o desenvolvimento e mediar o processo de construção de conhecimentos e habilidades por parte da criança, procurando ajudá-la a ampliar as suas leituras de mundo.


Resumo alfa 2 - aula 04 - Alfabetização e Educação Infantil 1ª parte

A Educação Infantil ocupa-se precisamente de atualizar as experiências e conhecimentos que a criança, na faixa de 2 a 6 anos de idade, constrói em seu cotidiano. Ela vai buscar na produção lúdica o caminho para ingressar no mundo adulto, descobrindo-o a sua maneira.
A falta de credibilidade na Educação Infantil se deve, além dos pais e da comunidade, aos educadores que nela trabalham. Muitos deles se acomodam à rotina escolar e caem no erro de vários pais: acreditam que as crianças na escola só brincam. Dois fatores colaboram para esse quadro: o comodismo e o excesso de empirismo, ou seja, o trabalho de educadores que acreditam que sua prática cotidiana e sua experiência lhes bastam para atuarem de forma eficiente. Alguns docentes desatualizados reforçam ainda mais essa concepção e impedem, muitas vezes, que um trabalho sério se realize com indivíduos valiosos e importantes: as crianças pequenas.
TRAÇANDO UM PANORAMA DA EDUCAÇÃO INFANTIL, COMO DIREITO E COMO DEVER DO ESTADO
Até muito recentemente, o atendimento às crianças de 0 a 6 anos era visto com um caráter apenas médico e assistencial. Somente a partir da década de 1970 a importância da educação da criança pequena é reconhecida.

A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96, pela primeira vez na história da Educação brasileira, menciona o segmento da Educação Infantil como etapa obrigatória da escolaridade. Logo após a promulgação da lei, o Ministério da Educação publicou um documento intitulado Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, propondo uma base única nacional de objetivos e propostas para o referido segmento.
Reafirmando essas mudanças, a lei de diretrizes e bases da educação nacional, lei nº 9.394, promulgada em dezembro de 1996, estabelece de forma incisiva o vínculo entre o atendimento às crianças de 0 a 6 anos e a educação. Aparecem, ao longo do texto, diversas referências específicas à Educação Infantil.
No título III, Do Direito à Educação e do Dever de Educar, artigo 4º, inciso IV, se afirma que: “o dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de (...) atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de 0 a 6 anos de idade.” Tanto as creches para as crianças de 0 a 3 anos como as pré-escolas, para as de 4 a 6 anos, são consideradas como instituições de Educação Infantil. A distinção entre ambas é feita apenas pelo critério de faixa etária.
A Educação Infantil é considerada a primeira etapa da educação básica (título V, capítulo II, seção II, artigo 29), tendo como finalidade o desenvolvimento integral da criança até 6 anos de idade.
O texto legal marca ainda a complementaridade entre as instituições de Educação Infantil e a família (BRASIL, MEC, SEF, 1998, v. 1, p. 11).

EDUCAÇÃO INFANTIL: CONCEITUAÇÃO, FINALIDADES E OBJETIVOS
Entende-se por Educação Infantil toda e qualquer educação destinada a crianças com idade inferior à mínima exigida para o ingresso no Ensino Fundamental.
A Educação Infantil existe mesmo quando as crianças de pouca idade não estão na escola. O atendimento às crianças de diferentes formas, em diversas instituições, também é considerado Educação Infantil, como no caso das creches, programas governamentais de atendimento à criança, dentre outros.
Fazemos, no entanto, uma distinção entre atendimento e educação. O primeiro está voltado à assistência da criança (guarda, saúde, alimentação e lazer), ao passo que a educação está voltada aos trabalhos pedagógicos.

PARA QUE SERVE A EDUCAÇÃO INFANTIL?
Segundo Kramer,
1-A função de guardar as crianças (guardiã).
Com a necessidade cada vez maior da mulher se inserir no mercado de trabalho, a guarda das crianças tornou-se uma necessidade.
Dentro dessa visão de Educação Infantil bastaria um lugar seguro, alimentação, serviço médico e área para brincar.
2-A função de preparar a criança para ingressar no 1º grau (preparatória).
Esta concepção entende que a Educação Infantil serve para dar às crianças a “prontidão” para ingressar na 31ª série, evitando a repetência e, conseqüentemente, a evasão escolar.
3-A função de promover o desenvolvimento global e harmônico da criança (com objetivos em si mesma).
O importante é a vivência no cotidiano infantil. Esta função considera importante dar à criança o que ela precisa, isto é, alimentação, cuidados com a saúde, oportunidade de brincar com outras crianças etc.
4-A função de formar hábitos e atitudes necessárias à vida em sociedade (socialização).
Nessa concepção, o mais importante é a preocupação com os aspectos morais, com a formação dehábitos e atitudes consideradas “boas e necessárias”.
Além de conviver com as crianças da mesma idade, esta Educação Infantil valoriza a aquisição de hábitos higiênicos, alimentares e boas maneiras.
5-A função pedagógica.
A partir da valorização dos conhecimentos que a criança já possui, essa concepção busca fornecer a aquisição de conhecimentos escolares.

A criança há de ser vista de forma dinâmica: não unicamente o que ela é, mas sobretudo o que se tornará. Partindo dessa posição, cabe à escola criar condições favoráveis e facilitadoras para esse desabrochar.

As crianças devem ser colocadas em situações que estimulem perguntas e as atividades que executam devem levá-las a encontrar respostas. Elas devem ser acompanhadas, mas não conduzidas pela professora, de maneira que possam desenvolver sua própria linguagem, seu modo de pensar e a capacidade de chegar as suas próprias conclusões.
Para que se desenvolva na criança o espírito de grupo e de cidadão, é muito importante que ela se posicione, critique e ouça.

É preciso estar sempre presente no professor o porquê das atividades diversificadas e não arrumar as tintas, os lápis, o barro, os blocos de construção, a caixa de recortes e outros materiais, mecanicamente.
A hora das atividades diversificadas é o momento em que a criança pode se posicionar, tomar uma decisão, escolher o que prefere, e isso é extremamente importante. Para o professor, é um momento também sério e oportuno para que ele possa conhecer melhor o educando, suas características e suas preferências. Nessa hora, o professor deve ter um olhar e uma atitude psicopedagógicos, ou seja, olhar o seu educando globalmente, observar o que faz, sem interferir nas suas escolhas e dificuldades. Deve estar atento aos seus interesses, às atividades que realizam, às experimentações e à vida cotidiana dos educandos.

Reduzir a Educação Infantil à mera preparação para a leitura e a escrita é minimizar a importância do trabalho a ser realizado com as crianças na faixa etária do segmento.

A Educação Infantil passou a ser etapa obrigatória da escolaridade básica, a partir da atual LDB 9.394/96. Só então, começou a tomar corpo um processo de distinção entre o atendimento assistencial e a tarefa pedagógica, característica desse segmento, para atender às necessidades de desenvolvimento das crianças na faixa etária de 0 a 6 anos.
O trabalho com as crianças pequenas demanda, necessariamente, atividades que envolvam objetos de estudo concretos, lúdicos e contextualizados com a sua realidade. Dessa maneira, os desafios que se impõem aos docentes que lidam com esse cotidiano são maiores e mais amplos que a mera asistência e cuidado comaspectos físicos e sociais.


Resumo alfa 2- aula 05- Alfabetização e Educação Infantil - 2ª parte

EDUCAÇÃO INFANTIL: ESPAÇO DE DESENVOLVIMENTO PARA A CRIANÇA
Há concepção muito difundida é a de que a criança é “o homem de amanhã’’, é um adulto em potencial. Nessa perspectiva, a criança não é compreendida como é de fato, mas como alguém que ela ainda virá a ser. Aceitar essa definição pode significar não assumir um compromisso com o seu desenvolvimento hoje, mas adiar, projetar necessidades e possibilidades para alguém que não conhecemos é não fazer nada, efetivamente, pela criança de hoje.

A partir dos estudos de Ariès, foi possível perceber que a criança possui características próprias. Não era mais possível tratá-las como adultos em miniatura. Nesse sentido, é necessário compreender que os diferentes autores, tanto o próprio Ariès, quanto Piaget, por exemplo, afirmam que existem duas dimensões que precisam ser percebidas, concomitantemente, nas crianças: uma que diz respeito às características do desenvolvimento que são comuns a todas as crianças, ou seja, etapas do processo que acontecem aproximadamente da mesma forma para todas; e uma outra, que se refere à individualidade de cada criança, isto é, sua personalidade, sua afetividade, até mesmo fatores hereditários, que são únicos, inigualáveis.

• O desenvolvimento mental é influenciado por quatro fatores inter relacionados: maturação, experiências, interação social e equilibração.
• Para os professores, três estágios do desenvolvimento são especialmente importantes: pensamento intuitivo, operações concretas e operações formais.
• O desenvolvimento mental das crianças impõe limitações definidas sobre o que podem aprender e sobre como (as condições sob as quais) aprendem.
• O pensamento cresce partindo de ações e não de palavras.
• O conhecimento não pode ser dado às crianças. Ele tem que ser descoberto e reconstruído através das atividades dos alunos.
• As crianças aprendem melhor partindo de experiências concretas.
• Por natureza, as crianças estão continuamente ativas. Elas têm de descobrir e dar sentido ao seu mundo. Quando estão fazendo isto, elas refazem as estruturas mentais que permitem tratar de informações cada vez mais complexas.

O homem constrói o conhecimento nas relações interpessoais com seus pares, em seu ambiente sociocultural, onde exerce um papel ativo e concreto, localizado geográfica e historicamente.

A criança, ao longo de suas vivências, dispõe de relações de colaboração e ajuda mútua de adultos e outras crianças. É nesse espaço de interação e interlocução que os outros adultos ou crianças colaboram no desenvolvimento infantil. É a partir de uma relação dialógica, que a criança desenvolve sua concepção de mundo e de homem. Atuando ativamente sobre o mundo, formula hipóteses a partir de suas vivências, na tentativa de desvendar contradições, encontrar explicações e avançar criticamente no seu processo de desenvolvimento.

O TRABALHO NO COTIDIANO DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Ao desenhar, a criança registra a sua experiência subjetiva; aquilo que é significativo para ela naquele momento. Assim, não é o tema que importa, mas sim como ele foi trabalhado por ela. Seu trabalho nos oferece dados sobre a sua relação consigo mesmo e com o mundo, e sobre o seu desenvolvimento. O professor precisa estar consciente de que o importante não é o produto final e sim o processo vivenciado. Segundo Charles, “às vezes, as crianças nos surpreendem com o que elas podem fazer. Outras vezes, nos surpreendem com o que não podem fazer” (1975, p. 26).

Para ela, o que importa é o processo de fazer, de explorar, de inventar, e não o produto final.
O fato de a criança, muitas vezes, abandonar um trabalho que ao adulto parece bom e acabado e começar outro que possa parecer desinteressante e inacabado não deve ser olhado como fracasso. Pode, na verdade, representar um novo esforço ou uma nova situação desafiadora de exploração. É importante deixá-la explorar e esgotar a experiência.
Ao utilizar a argila, por exemplo, a criança está atendendo a sua necessidade de conhecimento por meio do tato, de exploração com suas mãos, criando mundos imaginários, atividade que contribuirá para o seu desenvolvimento psíquico e intelectual. Através da manipulação do barro, a criança estabelece relações de forma, volume, espaço, dimensão, proporção e movimento, e vai enriquecendo o seu “vocabulário plástico”.

Na Educação Infantil, a criança muitas vezes estabelece o seu primeiro contato com o livro de história que tanto estimula a sua fantasia: ouve histórias faladas, cantadas ou lidas, conta as suas próprias histórias, cria histórias individualmente ou em grupo e “lê’’ histórias.

É na Educação Infantil que se inicia um processo de aprender a aprender, aprender a pensar de modo livre e crítico, aprender a amar o mundo e os homens, aprender a desenvolver-se no e pelo trabalho criador, aprender a viver, aprender a ser.
As atividades na Educação Infantil podem ser definidas como brincar de descobrir relações.
A Educação Infantil tem nas mãos a grande responsabilidade de “pequenos grandes seres”, por isso cabe a ela facilitar o crescimento intelectual, afetivo e social, de maneira que se tornem cidadãos críticos, conscientes de seus direitos e deveres na sociedade.

Compreender o amplo trabalho da EI significa acreditar que rolar, correr e saltar é muito melhor do que cobrir pontinhos; acreditar que cantar, rimar e dramatizar são mais importantes do que soletrar; ter a convicção de que ouvir e inventar muitas histórias tem mais valor do que decorar o nome das letras.
O trabalho da Educação Infantil precisa garantir o processo de desenvolvimento da criança respeitando a etapa em que ela se encontra e, ao mesmo tempo, desafiando-a a seguir adiante.



Resumo alfa 2- aula 06 - Alfabetização e Educação Infantil - 3ª parte

Por que preocupar-se em alfabetizar as crianças na Educação Infantil, quando há tanto a fazer para que os objetivos da etapa sejam atingidos?
Se a Educação Infantil possui um trabalho de desenvolvimento da criança em todos os aspectos de sua formação, as habilidades necessárias para o processo de aprendizagem da leitura e da escrita já estão previstas no decorrer do processo.

A TAREFA DA EDUCAÇÃO INFANTIL, SEUS DESAFIOS E DIFICULDADES
O papel é o último passo do processo e, de preferência, sem pontinhos para cobrir. Ao contrário, com propostas interessantes de registro da brincadeira do pátio, ou pedindo que criem um caminho diferente para chegar ao tesouro etc.
Na maioria das escolas de Educação Infantil, a preocupação com o atendimento aos anseios de pais que cobram resultados – mesmo que não saibam bem quais seriam, caberia a escola enumerá-los – é focada na alfabetização, ou no que temos chamado, ao longo de nossas aulas, processo de apropriação da leitura e da escrita. A antecipação de práticas que "adiantam" as crianças, tornando o "ensino" da escola "mais forte" pode causar prejuízos irreversíveis.

A escola tem muito o que fazer nesse sentido, porém, de forma adequada, respaldada em estudos com toda a equipe, com compromisso dos educadores e, principalmente, com muita clareza daquilo que é bom e necessário para as crianças e não para os "pais clientes" que pagam a escola.

ONDE FICA O LETRAMENTO E A ALFABETIZAÇÃO?
O processo de apropriação da leitura e da escrita se dá no âmbito das atividades cotidianas simples e presentes na sala de aula e em todos os espaços escolares, independentemente de uma preocupação específica com a alfabetização.
A Educação Infantil, quando cumpre sua tarefa, oferece às crianças variadas formas de contato com a linguagem, em suas diferentes manifestações: escrita, imagens, placas de sinalização, mapas, tabelas e tudo o que demande leitura, em uma concepção ampla.
O professor da Educação infantil precisa falar muito, mas precisa escrever tanto quanto fala.

• Escreva sempre na presença das crianças. Não espere que elas estejam ausentes para preparar murais e cartazes. Elas precisam ver a escrita acontecendo, os movimentos e a dinâmica.
• Leia muito para elas, não apenas histórias (estas merecem um estudo à parte que faremos mais adiante), mas avisos que estejam espalhados pela escola, cartazes, propaganda, jornal, tudo o que despertar a curiosidade delas.
• Peça a elas que tragam "coisas para ler", isto é, tudo o que considerem leitura. Explore o material, faça descobertas, junto com elas. Não diga tudo "didaticamente", como nos foi ensinado nos cursos normais de antigamente, nos quais aprendíamos a recitar as respostas prontas, absolutamente corretas, como "professor-sabe-tudo". Principalmente, seja um desafiador, induza, incite a curiosidade, mas não lhes roube o prazer da descoberta. A resposta que você constrói com elas, organizando o pensamento e as idéias, depois da descoberta, será mais produtiva, mais criativa, e dificilmente será esquecida.
• Estimule-as a realizar escritas espontâneas, pois como já vimos nas aulas sobre a concepção construtivista (Aulas 13, 14 e 15, Volume 2 de Alfabetização 1), toda criança possui hipóteses acerca da escrita e da leitura. O que você precisa fazer é estimulá-las a expressar o que pensam.
• Toda a produção de escrita espontânea precisa ser contextualizada, ou seja, deve necessariamente referir-se às suas vivências, deve ser significativa.
• Não se esqueça de rever os níveis propostos por Emília Ferreiro para saber que a "escrita" das crianças varia de acordo com a faixa etária. Não exija nem espere de seus alunos além daquilo que eles são capazes de fazer, de acordo com sua etapa de desenvolvimento.

O uso precoce de cadernos, livros, tesouras e exigências para além da capacidade das crianças pode levar ao desestímulo, ao desprazer pelas atividades relativas ao cotidiano escolar. Ao chegar à idade na qual deveria estar descobrindo o prazer de ler, escrever e realizar as tarefas propostas, a criança se mostrará cansada e, até mesmo, sem interesse pelas atividades escolares. Em casos extremos, a utilização dessas práticas equivocadas pode causar problemas patológicos, como disgrafia, dislexia etc.

Dentre os elementos que podem auxiliar o professor podemos encontrar a música, a literatura infantil, o teatro, de maneira que a presença permanente do brincar esteja garantida.

Realizar o trabalho da Educação Infantil com seriedade requer estudo e conhecimento acerca do desenvolvimento infantil e dos processos pedagógicos necessários ao processo de aprendizagem, nessa faixa etária. A tarefa da Educação Infantil diz respeito à formação da criança em todas as suas dimensões: corporal, afetiva, cognitiva. O que alguns autores chamam de biopsicossocial. Nesse contexto, o desenvolvimento de habilidades necessárias à apropriação da leitura e da escrita passa a ser conseqüência e não a única meta do trabalho. Se a escola de Educação Infantil conseguir realizar um trabalho sério no desenvolvimento das crianças, já estará contribuindo, necessariamente, para o letramento e o processo de alfabetização.

Desvantagens e riscos da antecipação do processo de alfabetização
Desvantagens – A criança que utiliza muito cedo livros didáticos com atividades de adestramento e cadernos para copiar e ‘’fazer pesquisas’’, tende a desinteressar-se por eles na idade em que deveria estar descobrindo seus encantamentos. Além disso, os treinos motores, quando utilizados no lugar da vivência corporal, podem causar prejuízos ao desenvolvimento da criança. Em casos extremos, a utilização dessas práticas equivocadas pode causar problemas patológicos, como disgrafia, dislexia etc.

Vantagens de um trabalho sério e comprometido com o desenvolvimento da criança
Vantagens – A preocupação com práticas que desenvolvam todas as potencialidades da criança, em todas as suas dimensões, biopsicossocial, de forma prazerosa, lúdica, com descobertas e muitos desafios, é o primeiro passo para um caminho sólido, para o trabalho com essa faixa etária. Quando a escola de Educação Infantil possui como prática o oferecimento de variadas formas de contato com a linguagem, em suas diferentes manifestações, escrita, imagens, placas de sinalização, mapas, tabelas e tudo o que demande leitura, em uma concepção ampla – estará desenvolvendo as habilidades de leitura e escrita.


Resumo alfa2 aula 07 A palavramundo como conteúdo alfabetizador

EDUCAÇÃO INTERCULTURALPrática educativa diferenciada e contra-hegemônica que articula processos de interação e comunicação intercultural que rompem as demarcações (ideológicas, políticas e materiais) das fronteiras culturais entre diferentes grupos, culturas e classes sociais.PALAVRAMUNDO
Conceito de Paulo Freire que expressa a articulação entre os conhecimentos e saberes cotidianos do educando e a aprendizagem da leitura e da escrita. Não se refere à memorização mecânica e à descrição de objetos e situações como interpretação; pelo contrário, refere-se a uma prática alfabetizadora fundada no exercício da curiosidade e na apreensão do significado e do sentido existencial da palavra, no mundo e na vida cotidiana de cada educando.

A velha casa (...) – o sítio de avencas de minha mãe – o quintal amplo em que se achava, tudo isso foi o meu primeiro mundo.(...) Os “textos”, as “palavras”, as “letras” daquele contexto se encaixavam no canto dos pássaros (...), na dança das copas das árvores sopradas por fortes ventanias que anunciavam tempestades (...);Daquele contexto – o do meu mundo imediato – fazia parte, por outro lado, o universo da linguagem dos mais velhos, expressando suas crenças, os seus gostos, os seus receios, os seus valores. Mas, é importante dizer, a “leitura” de meu mundo, que me foi sempre fundamental, não fez de mim um menino antecipado em homem, um racionalista de calças curtas. A curiosidade de menino não iria distorcer-se pelo simples fato de ser exercida, no que fui mais ajudado do que desajudado por meus pais. E foi com eles, precisamente, em certo momento dessa rica experiência de compreensão de meu mundo imediato (...) que eu comecei a ser introduzido na leitura da palavra. A decifração da palavra fluía naturalmente da “leitura” do mundo particular (...). Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior de meus pais, o chão foi o meu quadro-negro, gravetos, o meu giz (FREIRE, 1988, pp. 12-15).

Na vida cotidiana, desejos são produzidos, experiências são vividas, possibilidades e impossibilidades são negociadas, seja no contexto da cultura familiar, seja no contexto da cultura local da comunidade imediata.
O contexto familiar e o contexto local nos fornecem as primeiras informações sobre o mundo: o mundo imediato, do entorno, do próximo, das coisas e de seus nomes – nomeamos o mundo porque conhecemos o mundo, apreendemos o mundo e assim podemos compreendê-lo; compreendemos o mundo porque somos capazes de lê-lo e, lendo o mundo, vamos nos alfabetizando nos seus conteúdos.

Ao entrar na escola, seja na Educação Infantil ou no Ensino Fundamental, a criança leva consigo as leituras de mundo de seu contexto familiar e local. Leituras impregnadas de conteúdos culturais singulares – alfabetização existencial que produz saberes, crenças, valores e desejos.

QUANDO ENSINAR TAMBÉM É APRENDER
Sobreviver no cotidiano da escola é um desafio para as crianças das classes populares. Uma aprendizagem amarga, que implica o desenvolvimento de comportamento e de atitudes assimilacionistas de resistência, colocando a criança diante do conflito entre a negação e a afirmação de sua pessoa, cultura, identidade e história coletiva de seu grupo, classe ou etnia de origem.
Na perspectiva assimilacionista, a diversidade é negada e a diferença é desqualificada. Assim, para ser aceita e querida, a criança toma o outro e sua cultura como espelho, negando a si própria e a sua origem cultural e étnica, e desenvolve uma atitude de “agrade sempre”, com a expectativa de que se “fizer tudo direitinho como a tia quer” conseguirá sua aprovação, atenção e afeto.

Luisy é uma menina negra de três anos de idade, alegre e muito falante. Um dia, muito feliz, chega à escola com a seguinte novidade:
– Minha mãe está passando “barbosa” no meu cabelo. Aí, com a “barbosa”, meu cabelo vai ficar grande e bonito, igual ao da tia Luciene.
A escola pública, destinada aos filhos das classes trabalhadoras e freqüentada por uma maioria de crianças negras, não discute as relações raciais presentes na vida cotidiana, constituindo-se em mais um espaço social de (re)produção de preconceito e de discriminação/exclusão.
A história de Luisy provocou no grupo de professoras da escola uma séria reflexão, sobre o papel que cumprem os diferentes tipos de preconceitos na manutenção da ordem social.

“Mestre é quem de repente aprende.”
O movimento de aprender-ensinar-aprender se instalou no cotidiano da escola: discussões e debates sobre o tema foram realizados e se estenderam à sala de aula; as crianças trouxeram notícias de jornais e fatos de sua vida cotidiana, narraram suas experiências e conhecimentos sobre o tema. Algumas professoras se mostraram surpresas pelo fato de as crianças, ainda tão pequenas, já conhecerem o preconceito e a discriminação.
A voz e os saberes das crianças circulavam e ganhavam legiti-midade na sala de aula, através do diálogo e da narrativa da experiência de professoras e alunos. Aos conhecimentos existenciais, somavam-se os conhecimentos socialmente produzidos. Crianças e professoras, pesquisavam questionavam e discutiam. A leitura e a escrita da palavra vinham carregadas de sentido existencial e plenas de significação.
Desenvolveu-se um projeto coletivo de trabalho, que ultrapassou os limites das salas de aula e envolveu toda a comunidade escolar.
As crianças tiveram acesso à história de Zumbi dos Palmares (sob forma de quadrinhos), e sua leitura revelou-se um momento de descoberta não só da palavra, mas da História e da ancestralidade africana. Enquanto toda a escola discutia Zumbi e sua história, a turma dos mais velhos (sete anos de idade), elaborou um painel (fixado na entrada da escola) que mostrava a trajetória do povo negro da África ao Brasil.
Através de uma abordagem intercultural, crianças e professoras viveram momentos de intensas aprendizagens de professoras e crianças.
Para as crianças, essa experiência possibilitou aprendizagens significativas. Ao dar visibilidade à cultura negra, a escola (no avesso da tradição dominante) produziu um processo de resgate da identidade cultural da maioria daquelas crianças.
A palavramundo como conteúdo alfabetizador é a matriz da ação pedagógica de uma escola intercultural. Uma escola que, comprometida com a mudança, como assinala Freire, transforma-se (transformando-se) coletivamente num processo em que os sujeitos envolvidos nas relações pedagógicas criam condições de redimensionar o processo ensino-aprendizagem da leitura e da escrita (principal, mas não exclusivamente), por meio da compreensão de que o ensinar implica um aprender constante e que quem aprende (alunos) também ensina (professoras) a aprender e a ensinar, e que todos, coletivamente, constroem novos saberes.

O conceito de interculturalidade orienta a prática alfabetizadora para uma perspectiva que incorpora a diversidade cultural como conteúdo fundamental da alfabetização e toma a palavramundo como texto alfabetizador


Resumo alfa2- aula 08 - Alfabetização e currículo. Aprender a ler lendo, aprender a escrever escrevendo

Nas produções apresentadas, as crianças, ao fazerem seus mapas, percurso casa/escola, estão escrevendo e registrando no papel suas leituras de mundo. A leitura de mundo implica também a leitura do espaço. Ao registrarem suas percepções espaciais, as crianças estão registrando seus modos de vida: o lugar onde habitam, os trajetos que fazem, as paisagens cotidianas, elementos de um conhecimento empírico, que traduzem uma leitura de mundo fundada numa EPISTEMOLOGIA EXISTENCIAL.
Assim, a leitura e a escrita vêm acompa-nhadas de “conteúdos” de Matemática: algumas ruas não possuem nomes, mas números; as casas são numeradas e localizadas: lado direito, números pares; lado esquerdo, números ímpares. Outras ruas possuem nomes, e nomes têm histórias, como o caso da rua Maria José.
Pesquisar a origem dos nomes das ruas e a história dos personagens também é uma forma de articular o ensino da língua com a história local ou geral, conforme o caso.
A professora Luciana explorou com a turma todos os registros de percurso, o que gerou novos conhecimentos.
A leitura dos mapas das crianças possibilitou a Luciana desdobrar os conteúdos alfabetizadores, pois cada mapa gerou conteúdos diferenciados que, articulados a outros campos de conhecimento, produziram uma rede de saberes naquela sala de aula. A partir do mapa de Tatiane, as crianças foram visitar a praça próxima à escola, assinalada como um ponto de referência importante no trajeto para a escola.
A ida à praça adquiriu um sabor especial. É muito diferente passar todos os dias pela praça de ir visitá-la com olhos de pesquisadores. Pesquisar a praça era a tarefa que as crianças tinham pela frente. Pesquisa que começou muito antes de lá chegarem. Antes da visita, as crianças realizaram um levantamento de dados sobre o referido local. Coletivamente, organizaram o seguinte questionário:
1 – Qual o nome da praça?
2 – Quem deu esse nome a ela?
3 – Quem é o “dono(a) do nome”? Ele(a) é importante?
4 – Ele(a) já morreu?
5 – O que ele(a) faz ou fez?

Obtidas as respostas, as informações foram socializadas para todo o grupo e registradas em relatórios individuais (cada criança produziu o seu próprio relatório com as informações coletadas e recebidas) e um texto coletivo (o relatório da turma).
A seguir, foi organizada a visita exploratória à praça, cujo objetivo era observar detalhadamente sua localização, observar a vegetação, os lugares de sombra, a conservação e a limpeza, os espaços para brincadeiras e os perigos que ofereciam. Altamente estimulado, o grupo de crianças partiu para sua “aventura na praça”, em busca de informações desconhecidas. Munidos de lápis, borracha e cadernos para anotar as observações, os pequenos pesquisadores chegaram dispostos a vasculhar toda a praça, em busca de novidades. E não foi difícil encontrá-las.
Um grupo de crianças encontrou um casulo. Surpresas com a descoberta, levaram-no para a escola a fim de ser estudado. As crianças que não sabiam do que se tratava imaginavam que fosse um bicho; outras achavam que era uma “casa de bicho”. Marimbondo? Abelha? Formiga?
O casulo tornou-se objeto de investigação das crianças: levantaram hipóteses, fizeram perguntas, observaram e acompanharam suas transformações.

Diariamente, as crianças observavam e trocavam “as folhas do casulo”.
Larva e casulo eram objetos de atenção e interesse das crianças, que a cada dia buscavam novas informações. Todas as observações, perguntas e hipóteses levantadas eram discutidas e debatidas pelo grupo. As crianças trocavam observações e idéias a respeito do assunto, discutiam hipóteses prováveis; informações novas, encontradas no manuseio de livros que tratavam do assunto e em livros como Risoleta a Borboleta, ou Dona Marta a Lagarta.
Uma certa manhã, as crianças constataram, surpresas e fascinadas, que uma mariposa estava pousada nas folhas onde se encontrava o casulo. Abriram-no e descobriram que estava vazio. A larva havia se transformado em mariposa. Era a metamorfose da vida. As crianças olhavam maravilhadas para a transformação que se dera.
A partir das observações realizadas e da experiência vivida, cada criança registrou graficamente (utilizando o desenho e a escrita) todo o processo de transformação da larva em mariposa.
Ao escreverem o relatório, que se constituiu numa síntese de suas aprendizagens, as crianças passaram por um momento de sistematização do processo de produção de novos conhecimentos que vivenciaram coletivamente. No processo vivido pelo grupo, a ação da professora desempenhou um papel fundamental. Luciana, ao trabalhar com uma concepção de conhecimento que identifica a criança como um sujeito interativo, desenvolve uma ação pedagógica em que as possibilidades de construção coletiva de conhecimentos novos se materializam no espaço da sala de aula.
Nesta sala de aula, a criança não tem medo de errar, pois conta com a ajuda dos companheiros para avançar no processo de apropriação da leitura e da escrita.
Por meio das várias linguagens – oral, gestual, plástica, musical, gráfica, cinestésica –, a criança expande sua atividade ao mesmo tempo que se apropria da leitura e da escrita, num universo singular (porém plural), repleto de sentido e significado.


Resuma alfa2- aula 09- Literatura Infantil e Alfabetização - 1ª parte

A LEITURA LITERÁRIA NA ESCOLA
A leitura séria, aquela considerada produtora de conhecimento, é apontada como a dos livros didáticos e paradidáticos, os quais, na maioria das vezes, são usados pela escola como suportes para o estudo da língua, com a finalidade de consolidar informações, conceitos e valores aceitos socialmente. Por meio de questões de interpretação, a leitura é conduzida e manipulada, de modo que as respostas apontem para uma homogeneização, que reproduz, inclusive sob a perspectiva ideológica, a forma como se espera que esse indivíduo veja o mundo.
Assim, toda a turma deverá dar conta das respostas que o professor preestabeleceu como corretas para que possa se certificar de que o aluno “sabe ler” e que, por este mecanismo, será capaz de assimilar uma base comum de conhecimentos.

É aquilo que se cobra do aluno a respeito da leitura que o afasta dos livros. O texto chega à criança por meio de “uma lente”, que é o professor, que só permite que ela veja o que ele próprio vê, impedindo-a de fazer uma leitura própria, diferente, livre.
O texto literário contribui com a possibilidade da interação entre os leitores, na qual cada um expõe o resultado de sua leitura, sem que haja imposição de uma sobre as outras, mas oportunizando o confronto entre as leituras produzidas e a possível compreensão de que cada leitor representa, distintamente, uma faceta de uma mesma realidade. Desse modo, cada qual terá oportunidade de reformular, acrescentar ou construir novas representações para o que já havia fixado como sua leitura.

Assim, o trabalho realizado na escola, numa perspectiva tradicional, pouco contribui para o efetivo desenvolvimento da linguagem, na medida em que rotula a diferença como erro, além de desconsiderar o prazer da leitura como prazer da descoberta, tratando como convergente o que é por natureza divergente, impedindo a manifestação de leituras próprias e incutindo no aluno a idéia de que a sua leitura é eternamente inferior à do professor.

O DESINTERESSE DO ALUNO PELA LEITURA: DADOS DE PESQUISA
Dados de pesquisas revelam que o nível de interesse de alunos da rede municipal do Rio de Janeiro pelos livros infanto-juvenis sugeridos pela escola cai, entre a Classe de Alfabetização e a 4ª série do Curso Fundamental, de 72,79% para 17,32%. Uma outra amostra, abrangendo alunos entre a 5ª série do Ensino Fundamental e a última do Ensino Médio – oriundos de famílias que possuem livros em casa (76% mais de 200 livros), filhos de pais que lêem habitualmente (81%) – apenas 7% vêem a leitura como uma atividade prazerosa, de lazer, mesmo que 96% deles afirmem que lêem, obrigados pela escola. E o mais drástico: na última série da Educação Básica, menos de 1% dos alunos afirma que gosta de ler (VILLARDI, 1997).
Quanto mais avança na escolaridade, mais o aluno se desinteressa e menor se torna sua ligação com a leitura – o que intervém negativamente no desenvolvimento das habilidades de escrita, inclusive, no Ensino Superior.
Segundo Magda Soares, a escola, ao apropriar-se da literatura infantil, didatizando-a e pedagogizando-a para atender a seus próprios fins, faz dela uma “literatura escolarizada”. A autora considera, ainda, que ao interpretar a literatura infantil como sendo uma produção para a escola, intencionalmente destinada à clientela escolar e dirigida para os objetivos da escola, busca-se “literalizar a escolarização infantil”.

Elementos importantes para a reflexão, por parte do professor, sobre sua responsabilidade na escolha do texto literário e dos procedimentos pedagógicos adotados nas aulas de leitura, ao invés de aproximar, acabam, muitas vezes, por afastar o aluno do livro. Algumas reflexões servem para apontar um diagnóstico do trabalho feito com a leitura literária na escola e, em seguida, discutir a importância e a função do texto literário na sala de aula.
As discussões partem do pressuposto de que, ao chegar à escola, a criança, ainda na Educação Infantil, apresenta um grande interesse pelas histórias contadas nos livros, o que a motiva a aprender a ler e a escrever. Entretanto, quanto mais avança na escolaridade, mais essa criança se desinteressa, e menor se torna sua ligação com a leitura – o que intervém negativamente no desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita, inclusive no Ensino Superior.
Embora há algum tempo, na Educação, venha-se discutindo sobre a importância da leitura nos processos educacionais, pouco se tem contribuído para instrumentalizar o professor em seu trabalho na formação do leitor, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento do gosto pela leitura.
Por esse motivo é necessária a reflexão acerca do ponto de partida do qual não abrimos mão, de que oferecer aos alunos um processo de aprendizagem de leitura e escrita significativo só será possível se o professor estiver, efetivamente, preparado para orientar a leitura do seu aluno.


Resumo alfa 2 -aula 10- Literatura Infantil e Alfabetização - 2ª parte

Em reuniões de professores, é muito comum ouvir que os alunos não gostam, ou que não sabem ler e que isso influencia negativamente o processo de aprendizagem das diversas disciplinas escolares.

DESENVOLVER O GOSTO PELA LEITURA? OU CRIAR O HÁBITO DE LEITURA?
A própria dinâmica das atividades escolares, por si só, já dá conta do desenvolvimento do hábito de ler, seja pelas exigências estabelecidas nas diferentes aulas das diversas disciplinas, seja pelo próprio ambiente cercado de textos por todos os lados. A todo momento o aluno é instado a ler.
O desenvolvimento do gosto pela leitura, principalmente pela do texto literário, tem relação com o tempo, com os espaços pelos quais o indivíduo transita e com os grupos sociais com que se relaciona.

Metodologia Tradicional – CERTO – ÓBVIO – ÁRIDO

Nova Metodologia – POSSÍVEL – DESCOBERTA – LÚDICO

O quadro apresenta os três princípios sobre os quais se alicerça a metodologia tradicionalmente utilizada pela escola no trabalho com a leitura e os que fundamentam uma nova proposta metodológica em relação aos projetos de leitura.

Em vez de exigir do aluno que chegue a respostas corretas, o material didático que lhe é oferecido deve permitir que ele chegue a respostas possíveis, sempre, é claro, compatíveis com o que o texto diz. A perspectiva é que o aluno seja capaz de construir a sua leitura, e não apenas de corroborar uma leitura do professor, porque a leitura do aluno é a manifestação da sua leitura de mundo, da sua leitura de vida, necessariamente diferente de um para outro. (...) Portanto, a tarefa do professor deve ser levar o aluno a fornecer respostas pertinentes, e não qualquer resposta aleatória, mas não, necessariamente, respostas convergentes.
A perspectiva estrutural do trabalho – que na metodologia tradicional é a cópia do que se expõe na superficialidade do texto – deve ser a descoberta das várias verdades ali subjacentes. Por este princípio, não cabe ao professor mostrar o que está no texto, mas dar ao aluno os elementos necessários à construção de uma leitura tão profunda quanto permitir sua capacidade de análise e sua visão de mundo. Assim, não devem ser propostas atividades que dependam da pura observação, nem que demandem respostas mecânicas. A proposição do professor deve procurar investir sempre naquilo que não está óbvio. (...)
Como a leitura é uma atividade profundamente árida e estratificada na sala de aula, e como o aluno habituou-se a vê-la dessa forma, é necessário que os projetos demonstrem, de modo concreto, que o aluno encontra-se diante de uma nova perspectiva de leitura, e que tudo será realizado de modo a levá-lo a ter prazer naquilo que faz. Por esse motivo, as atividades propostas no âmbito do projeto devem ter uma preocupação com o lúdico, diferenciando-se daquilo que, de modo geral, se faz na escola. Por esse motivo, deve-se procurar evitar o padrão pergunta/resposta do questionário, oferecendo jogos e brincadeiras por meio dos quais o aluno construa uma leitura própria, em colaboração com o restante da turma. A apresentação do trabalho sob uma perspectiva lúdica, no entanto, é fator necessário, mas não suficiente, para que as atividades ganhem um fôlego novo. É preciso não esquecer que de nada adianta escapar da formatação tradicional, se continuarmos a elaborar perguntas e a ‘cobrar’ respostas tradicionais (VILLARDI, 1997, pp. 39-40).

Nem sempre, após a leitura de um livro, principalmente nas turmas de Educação Infantil, o professor deve se preocupar com o que fazer. Vale lembrar que após uma leitura, seja ela qual for, o aluno, de certa maneira, sai modificado, acrescido de alguma informação ou mexido em sua percepção do mundo e, ainda, lembrar que, pior do que não propor atividades ou oficinas, é fazer um trabalho que afaste o aluno do livro, ou que seja um mero pretexto para lições de gramática da língua.

Para “ensinar a gostar de ler”, o professor tem de ser, antes de qualquer coisa, um leitor apaixonado.

Diante da constatação de professores das diversas áreas do conhecimento de que os seus alunos não gostam, ou não sabem ler e do levantamento das razões que levam a esse desinteresse e/ou desconhecimento, devemos avaliar as metodologias utilizadas no trabalho com a leitura realizada na escola.
A própria dinâmica das atividades escolares, por si só, já dá conta do desenvolvimento do hábito de ler, seja pelas exigências estabelecidas nas diferentes aulas das diversas disciplinas, seja pelo próprio ambiente cercado de textos por todos os lados. A todo momento o aluno é instado a ler, criando-se, portanto, o hábito da leitura.
Entretanto, nossa dúvida quanto à validade em se priorizar a leitura como um hábito a ser adquirido pelo aluno, reside no fato de que certos hábitos podem ser abandonados, ou, mesmo, substituídos por outros.
O desenvolvimento do gosto pela leitura tem relação com o tempo, com os espaços pelos quais o indivíduo transita e com os grupos sociais com que se relaciona. E, uma vez adquirido, o gosto pela leitura jamais se perde.



Resumo aula 13 Alfabetização: Conteúdo e Forma 2 | Ortografia: por que não pronunciamos como escrevemos?

TENTATIVAS DE CRISTALIZAÇÃO ORTOGRÁFICA
Podemos caracterizar o desenvolvimento da ortografia da Língua Portuguesa em três fases:
• período fonético (do séc. XII ao séc. XVI);
• período pseudo-etimológico (séc. XVI até 1904);
• período simplificado ou misto (1904 até os dias de hoje).

Os gramáticos de distintas épocas tinham, em comum, o objetivo de unificar a grafia das palavras para que todos escrevessem da mesma forma.

Toda proposta ortográfica é desenvolvida a partir de critérios arbitrários, portanto corresponde a uma visão idealizada da língua escrita.


PERÍODO FONÉTICO
A escrita fonética teve o seu momento de auge no século. XVI, quando os portugueses, influenciados pelos espanhóis, buscaram um afastamento do Latim e maior aproximação com a grafia hispânica que registrava as palavras de acordo com a pronúncia de seu idioma. Neste contexto, surgem as primeiras gramáticas de cunho racionalista escritas por Fernão de Oliveira no ano de 1536 e por João de Barros em 1540. O projeto destes dois gramáticos visava à normatização do uso gráfico da língua portuguesa, promovendo maior uniformidade nos materiais impressos.

A ação da Igreja no contexto da Contra-Reforma marcará profundamente o processo de legitimação da norma do português por instrumentos institucionais.
Com o estabelecimento definitivo da Inquisição em 1547, uma estrutura censória será desenvolvida, e atingirá o todo da produção literária e científica no país. Data da mesma época o primeiro rol de livros proibidos. Saraiva relata que as obras tinham que passar por três instâncias censórias antes de serem licenciados, com ou sem alterações, pelo Santo Ofício, o Ordinário eclesiástico e o Paço. A gramática de Barros
foi listada no index de obras proibidas; Fernão de Oliveira foi preso e condenado pelo Tribunal do Santo Ofício; no contexto da Contra-Reforma, a valorização das línguas vulgares frente ao latim constituía heresia, por incitar ao protestantismo.
A partir da promulgação, em 1564, do Concílio de Trento, a repressão intelectual intensifica-se. (SOUZA, 2004, p. 5)

PERÍODO ETIMOLÓGICO
Os defensores da escrita etimológica acreditavam que o Latim era a língua mais perfeita na face da terra, sendo considerada a língua dos sábios e das ciências. Evitando a influência do Castelhano sobre a Língua Portuguesa e buscando maior aproximação gráfica com as palavras escritas em Latim, os gramáticos da nova geração investiam na sedimentação gráfica de forma semelhante à indicada pela Igreja. De
acordo com Cavaliere (2000): Não importava se dada letra presente no radical de origem já não representava fonema: seu uso era imperioso para marcar o vínculo da forma atual com a tradição lingüística do português. Eis o motivo por que surgiram as letras mudas, os grupos helênicos, a dupla representação de fonemas gráficos e os demais fatos ortográficos... (p. 197)

PERÍODO SIMPLIFICADO OU MISTO
Até o início do século XX, em Portugal, cada indivíduo ainda escrevia da forma como queria. Alguns aderiam à escrita etimológica, outros à escrita fonética e outros misturavam as duas grafias. Era possível encontrar, nos materiais impressos, uma grande diversidade de formas gráficas. Alguns gramáticos mais moderados, observando a crescente falta de critério para grafar as palavras, organizaram uma proposta voltada para a normatização das regularidades existentes na língua, considerando aspectos relevantes das duas vertentes. Concluiu-se que o sistema de escrita deveria ser misto, isto é, deveria ter uma grafia próxima da pronúncia, considerando, de forma relativa, as raízes das palavras e suas derivações. Tal movimento tem como marco histórico a publicação dos estudos do foneticista português Gonçalves Viana, a Gramática Nacional, no ano de 1904. Em 1911, o governo português convocou uma comissão de filólogos e gramáticos, incluindo Gonçalves Viana, para sacramentar um sistema de ortografia simplificado. O decreto
estabelecido pelo governo, obrigando todos a escrever de acordo com o sistema de normas instituído gerou bastante polêmica. Houve bastante rejeição dos adeptos da escrita etimológica.

A ortografia usada no Brasil se rege pelas ‘Instruções para a Organização do Vocabulário ortográfico da Língua Portuguesa’, aprovadas pela Academia brasileira de Letras em 12 de agosto de 1943, e que o Governo federal mandou adotar oficialmente (Lei no 2.623, de 21-10-1955).Em dezembro de 1943, a ABL fez publicar o Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (PVOLP), em edição da edição da Imprensa Nacional do Rio de Janeiro... Em 18 de dezembro de 1971, o Presidente da Republica sancionou a Lei no 5.675, que simplificou a acentuação gráfica, especialmente nos homógrafos e certos derivados. Em novembro de 1981, a Academia fez publicar o Vocabulário ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), muito mais extenso, mas necessariamente obediente às ‘Instruções’, e que apesar disso, corrige uma série de contradições do PVOLP. Adivirta-se que são as ‘Instruções’, e não os dois
vocabulários, que têm força de lei. (KURY, 1988, p. 13-14)

Período Fonético
Momento histórico cuja grafia das palavras era determinada pela correspondência biunívoca entre letra/som.

Período Etimológico
A escrita das palavras deve ser padronizada de acordo com o seu uso na história, obedecendo a sua forma gráfica primitiva.

Período Simplificado
Corrente que defende tanto os aspectos fonéticos como os etimológicos na consolidação de um sistema ortográfico padronizado.

Deve-se escrever segundo os princípios fonéticos, mas não se deve abandonar as tradições. Palavras grafadas com h (que não representa nenhum som) devem ser mantidas por razões etimológicas e pela força do uso.

PORTUGAL E BRASIL: AS MUITAS FORMAS DE FALAR
Quando os portugueses chegaram nas terras brasileiras no ano de 1500, muitas línguas eram faladas pelas tribos que por aqui habitavam (Auaque, karib, Tupi, o Jê, dentre outras). Isso fez com que os contatos entre os europeus e os índios ocorressem em uma esfera multilíngüe. Os contatos se acirraram com a chegada dos jesuítas no Brasil.
No século XVI, havia no Brasil muitas línguas faladas pelos índios. Os jesuítas, em seu processo de catequese, buscaram a identificação de aspectos comuns entres as diversas línguas. Eles observaram que muitas língua indígenas foram derivadas do tronco lingüístico tupi-guarani. Da junção de aspectos destas duas línguas, formulou-se a língua falada por toda costa brasileira denominada Nheengatu. Segundo historiadores, o Nheengatu, ao lado do Português, foi a língua mais falada e escrita no
Brasil, entre os séculos XVI e XVIII, visto que a educação neste período encontrava-se nas mãos dos missionários.

Tal língua passa a ser interditada quando os jesuítas são expulsos do Brasil pela Coroa portuguesa no ano de 1759. Desejando unificar e garantir o poder político da Colônia, sob um viés absolutista, o MARQUÊS DE POMBAL decreta a proibição do Nheengatu nas escolas e em todos os registros escritos da esfera pública. As cidades que tivessem nomes indígenas deveriam trocá-los para nomes expressos no idioma português.
Apesar de a língua geral ser considerada um dialeto proibido, em muitas regiões do interior, onde a Coroa não tinha maior controle político, prevaleceu a oralização da língua geral. Neste processo houve a mistura do Nheengatu com o português fazendo emergir uma forma tipicamente brasileira de falar, o dialeto caipira.
Para se expressar por meio do português imposto pela Coroa, tanto índios, como africanos e mestiços tiveram de ajustar a sintaxe e a articulação dos fonemas de sua língua à pronúncia da Língua Portuguesa. De acordo com Martins (2003, p. 5), os índios tinham dificuldade para pronunciar o R e o L no final das palavras e por isso faziam a sua supressão. Para oralizar as palavras ‘animal’, ‘quintal’, ‘cantar’, ‘fugir’ e ‘querer’
eliminavam o som final, dizendo então: ‘animá’ ‘cantá’, ‘fugi’, e ‘querê’.

Outro aspecto marcante no processo de apropriação do português, foi a dificuldade de os índios pronunciarem as consoantes dobradas. Daí que, no dialeto caipira, “orelha” tenha se tornado “orêia” (uma consoante em vez de três; quatro vogais em vez de três), “coalho” seja “coaio”, “colher” tenha virado “cuié”, “os olhos” sejam “o zóio”... E no Nordeste ainda se ouve a suave “fulô” no lugar da menos suave “flor”.
Uma abundância de vogais em detrimento das consoantes, até mesmo com a introdução de vogais onde não existiam. Exatamente o contrário da evolução da sonoridade da língua de Portugal, em que predominam os ásperos sons das consoantes. No Brasil, a língua portuguesa ficou mais doce e mais lenta, mais descansada, justamente pela enorme influência das sonoridades da língua geral, o nheengatu. (MARTINS, 2003)


1 – AGLUTINAÇÃO DE SONS: zoreia, zunha, zoío (as orelhas, as unhas, os olhos), donde formações como zoiá (=olhar);
2 – FLEXÃO DO VERBO: eu canto, mas tu, ele, nós, eles canta;
3 – FLEXÃO DE NÚMERO: as muié chegou

Defina o papel da gramática no processo de homogeneização de uma língua.
Resposta: A linguagem escrita apresentada nas gramáticas, em muitos momentos, demonstra-se distante da forma como a língua oral se apresenta no cotidiano. É preciso compreender que todo processo de apropriação de novos elementos lingüísticos distante da realidade imediata implica em mudanças graduais que não correspondem à cópia de um modelo, visto que a língua é viva e dinâmica. A gramática, de certa maneira, apresenta-se como instrumento de opressão que impõe a forma da classe dominante como a fala correta.

Desde o início do século XX ocorreram muitas tentativas de unificar a ortografia da Língua Portuguesa entre os países que se expressam por meio deste idioma. Entretanto, as diferenças de pronúncia, modo de realização das construções frasais, vocabulário, e forma de grafar as palavras apresentam muitas singularidades do ponto de vista lingüístico.
A organização de um acordo impõe uma série de concessões dos diversos grupos que se comunicam por meio do idioma. Em termos econômicos, a unificação representa maior expansão do mercado editorial, visto que o alcance de materiais impressos com uma padronização ortográfica favorece o intercâmbio entre os países que falam a Língua Portuguesa.
Por outro lado, homogeneíza-se o que há de mais vivo e singular na língua de um povo, a sua diversidade. Unificar um sistema ortográfico significa estabelecer um decreto, obrigando todos os países escreverem de uma nova forma, em que o padrão será determinado por um modelo de língua arbitrário e idealizado.



Resumo aula 14 Alfabetização: Conteúdo e Forma 2 | Oralidade, escrita e ortografia


Será que podemos definir uma boa produção de texto somente pelo critério do rendimento ortográfico de palavras memorizadas?

É importante frisar o trabalho com a escrita de forma significativa. Trazer o mundo letrado o tempo inteiro para dentro da escola: histórias em quadrinhos, contos de fadas, textos científicos, cartas, bilhetes, agendas etc. A criança, para escrever, tem de compreender os diferentes usos da escrita no cotidiano. A escola deve funcionar como um laboratório, onde as crianças possam testar as diversas possibilidades de usos da linguagem oral e escrita. O processo de produção de texto tem de levar em conta o interlocutor (para quem o texto está sendo escrito). É bom que os alunos pensem sobre a escolha das palavras no ato da composição de seu texto... Aos poucos, as crianças vão percebendo que, para cada situação comunicativa, é preciso usar formas lingüísticas distintas. É através destas atividades que o aluno vai compreendendo a necessidade de usos mais formais da linguagem em situações específicas de comunicação.

A ortografia precisa ser trabalhada e discutida na sala de aula paralelamente ao trabalho de produção de texto. Principalmente nas turmas de crianças de classes populares que trazem para escola formas orais que se distanciam do registro escrito padrão.

Acho que vamos ter de combater o velho mito de que a escrita é espelho da pronúncia. Não falamos da mesma forma como as palavras são registradas no papel. Podemos aprofundar essa discussão, conhecendo um pouco mais alguns estudos das Ciências da Linguagem (Lingüística, Psicolingüística, Sociolingüística, Fonologia etc.) voltados para a questão do domínio ortográfico. Geralmente tratamos os erros gráficos como se fossem provenientes dos mesmos motivos. Existem diferentes obstáculos e dificuldades envolvidos no processo de apropriação do sistema ortográfico. Para dominar o código escrito nestes termos, é preciso estar atento à concepção de linguagem que está por trás das práticas desenvolvidas no interior da escola.

Na medida em que a criança vai descobrindo que a escrita não é espelho da fala e o professor a apóia em suas indagações, ela vai tomando consciência de que existe uma série de convenções que devem ser seguidas para se escrever um texto. Seus saberes sobre a escrita ganham novas dimensões, passando a automatizar a grafia correta.
Buscaremos compreender a lógica que a criança estabelece para grafar as palavras de acordo com as normas ortográficas. Nesse sentido, os erros que as crianças comentem são pistas que nos indicam a forma como a criança está se apropriando do sistema de convenções gráficas.

CONSTRUINDO CATEGORIAS PARA REFLETIR SOBRE OS ERROS ORTOGRÁFICOS
Antigos testes avaliavam a escrita da criança analisando, somente, o produto de seu conhecimento, sem se preocupar com o processo que levou à organização do saber demonstrado. A partir de Piaget e Emília Ferreiro muitas pesquisas no campo da Educação e das Ciências da Linguagem passaram a encarar o erro como elemento constitutivo da aprendizagem. Entender o significado dos erros ortográficos como processo de aproximação das formas gráficas convencionais, impulsionou uma série de pesquisas a investigarem a natureza dos erros envolvidos no domínio dos conhecimentos ortográficos.

Quando as crianças começam a escrever é muito comum elas segmentarem as unidades lingüísticas de maneira bastante diferente das representações gráficas convencionais. Podemos observar, na fala, uma organização de componentes lingüísticos sustentados por uma cadeia de sons contínuos, ao passo que a escrita se organiza por meio de sinais gráficos separados com espaçamentos e pontuações estabelecidos por convenções ortográficas. Na escrita, a separação dos elementos lexicais é determinada por um critério morfológico, isto é, cada classe de palavra deve ser escrita separada do elemento seguinte. Muitas crianças, quando vão escrever alguma frase, não seguem este caminho, pois tomam como pista para separar as palavras, a melodia, a entonação e a intensidade manifestada na oralidade.

Quem lida com alfabetização defronta-se com questões lingüísticas extremamente complexas que requerem, além de uma sólida formação, a perspicácia do pesquisador da língua. Tanto quanto conhecer bem o funcionamento da escrita, o alfabetizador precisa conhecer aquele da oralidade, pois se não for capaz de desnaturalizar a perspectiva de letrado, de compreender a alteridade do saber lingüístico dos alunos, dificilmente conseguirá promover soluções adequadas para problemas emergentes na rotina escolar que não são poucos e nem irrelevantes, alguns deles rememorando dilemas enfrentados pelos primeiros escribas e gramáticos na infância do processo de alfabetização da língua portuguesa. Além disso, se considerar a diferença que separa a aquisição da escrita daquela da oralidade, mais patente fica a necessidade de a formação do alfabetizador contemplar em profundidade a dimensão lingüística ( p.5).

A segmentação das palavras nos textos escritos foi uma invenção humana para evitar que houvesse uma série de mal-entendidos, já que nas diferentes línguas existem vocábulos que seguidos de outros, sem a devida separação, podem gerar múltiplos sentidos. Quando escutamos, atemo-nos a uma cadeia sonora emitida por um falante, e quando lemos atemo-nos aos sinais gráficos que procuram redimensionar aspectos da língua falada. A forma como o discurso é repartido fonologicamente pode alterar o sentido dos enunciados, alterando o sentido da leitura do texto. As propagandas de TV e as piadas brincam constantemente com a segmentação das palavras para promover duplo sentido sobre os enunciados produzidos. Veja a piada apresentada por Possenti (1998, p.28).
– Sabe o que o passarinho disse para passarinha?
– Não.
– Qué danoninho?

Do ponto de vista ortográfico, podemos dizer que os registros de quem aprende a escrever podem manifestar falta (hipo) de segmentação entre os itens lexicais ou aglutinação de vocábulos, gerando uma exagero (hiper) de segmentação no plano morfológico. Tais fenômenos são reconhecidos pela lingüística como hipossegmentação e hipersegmentação.

POR QUE AS CRIANÇAS GRAJAM SEUS TEXTOS DE UMA FORMA DIFERENTE?
SEGMENTAÇÃO INDEVIDA DAS PALAVRAS

HIPOSSEGMENTAÇÃO
Aluanova
HIPERSEGMENTAÇÃO
foi alegre

a) hipossegmentação
Quando a criança escreve “miamãe é bonita”, ela está tentando aproximar a sua maneira de pronunciar o enunciado com a sua forma gráfica convencional. No entanto, ela hipossegmenta (aglutina) as palavras ‘minha’ e ‘mãe’. Tal procedimento comprova que a criança, ao estabelecer espaçamento entre os elementos lingüísticos, toma como referência seu grupo tonal (G.T.), isto é, a “unidades de informação carreada”. Este agrupamento gráfico não é determinado por um critério morfológico, mas por unidade de informação que o escriba deseja transmitir. O sintagma “miamãe” corresponde às subpartes do enunciado que representa o sujeito de quem se fala na oração, no caso: “minha mãe”. Silva (1991) fez uma ampla pesquisa sobre o processo de segmentação determinada por unidade de informações marcada na entonação.

Sendo assim, podemos caracterizar a hipossegmentação como todo registro gráfico que aglutina expressões lingüísticas no discurso escrito. Tal fenômeno decorre de uma percepção fonética que toma como referência a entoação da frase, subordinada às unidades de informação que o sujeito deseja transmitir ao seu destinatário.

hipersegmentação
A hipersegmentação é uma tendência de dividir uma unidade lexical em dois ou mais segmentos, distanciando-se do padrão ortográfico (a prendo, no lugar de “aprendo”; acabou no lugar de “acabou”; em quanto no lugar de “enquanto”). Em muitos casos, a
escrita hipersegmentada pode provocar ambigüidade, fazendo com que o leitor interprete o texto escrito de diferentes maneiras. Se encontrarmos o enunciado “Eu a prendo de vagar”, é possível chegar, pelo menos, a duas possibilidades de significação: a) o sujeito prende alguma coisa do gênero feminino devagar, ou então; b) o sujeito tem dificuldade nos estudos e por isso aprende devagar.

As crianças, ao longo de seu processo alfabetizador, fazem diversas descobertas sobre os fatos lingüísticos, voltando sua atenção para os recursos da língua. É importante que o professor valorize as formas de percepção elaboradas pela criança para representar a oralidade no discurso escrito. É vital, no processo de ensino-aprendizagem, o reconhecimento do saber intuitivo que as crianças formulam sobre a escrita. O erro nesta perspectiva não é visto como uma camisa de força que tolhe o aluno, para aprender mais. O erro é visto como a organização de hipóteses experimentadas pelo aluno para se chegar à escrita ortográfica convencional. Reconhecendo os diferentes aspectos envolvidos no domínio da ortografia, o professor pode prever intervenções que auxiliem os alunos na apropriação e superação dos obstáculos voltados para a construção de conhecimentos.

Algumas escolas para evitar que o erro se instale, não permitem que as crianças arrisquem e produzam textos espontâneos. Suas atividades se restrigem à construção de frases com base na relação grafema-fonema já trabalhados durante o processo alfabetizador. A ortografia, neste contexto é tratada como uma atividade de treino e repetição, sendo adquirida de forma mecânica e passiva.
Geralmente, os erros ortográficos são vistos como se todos fossem iguais, utilizando os mesmos procedimentos didáticos para lidar como eles. Estudos lingüísticos têm comprovado que os erros ortográficos não são da mesma natureza. As razões sobre os diversos tipos de erros são analisadas em pesquisas lingüísticas que vislumbram a perspectiva de quem aprende, observando o conhecimento adquirido na oralidade. Sobre a segmentação indevida das palavras nos textos espontâneos, os lingüistas apresentam diversas hipóteses a respeito deste fenômeno. Os erros de segmentação se apresentam de duas formas: hiposegmentação (escrita aglutinada de dois ou mais itens lexicais no interior de um enunciado) e a hipersegmentação (representação gráfica das palavras de forma fragmentada). Os motivos das segmentações inadequadas são decorrentes a) da percepção baseada na tonicidade e entoação das palavras expressa na oralidade, b) da didática desenvolvida na escola e c) dos fatores que envolvem a descoberta da linguagem escrita com o apoio da oralidade



Resumo aula 15 Alfabetização: Conteúdo e Forma 2 | A troca de letras nas séries iniciais

Um dos equívocos que a escola vem cometendo é tratar as variações lingüísticas que os alunos trazem de casa, como um empecilho ao ensino da ortografia na escola. a escrita nunca foi e nunca será espelho da fala humana, nenhuma escrita traduzirá as singularidades da pronúncia dos sujeitos, determinados pela cultura e por sua história. Forçar o aluno a pronunciar as palavras da mesma forma como elas são grafadas, não ajudará o aluno a compreender o funcionamento da escrita. É preciso refletir sobre a lógica do sistema gráfico e a lógica que a criança traz para se apropriar dos conhecimentos vinculados às convenções ortográficas. Se examinarmos a produção escrita de uma criança que está aprendendo a escrever, constataremos uma visão bastante sensível sobre os aspectos sonoros da língua, apoiados no saber vinculado à fala. Analisar o processo de transcrição dos sons da fala para a escrita, quando os alunos estão se apropriando das formas gráficas, nos dá pista sobre o tipo de ação pedagógica a ser promovida no espaço escolar.

TRANSCRIÇÃO COM APOIO NA ORALIDADE
A escola, no processo alfabetizador, precisa levar em conta os aspectos fonológicos decorrentes das diferenças dialetais impressas na cultura de cada sujeito. O conhecimento lingüístico que o aluno traz de casa é um dado bastante significativo na prática, funcionando como elemento desencadeador de toda uma ação educativa a ser implementada na escola.

Quando as crianças estão aprendendo a grafar os vocábulos, normalmente elas escrevem tal como falam. As crianças de regiões rurais, por se expressarem em uma variante dialetal mais distante do padrão adotado no sistema ortográfico, tendem a sentir, de forma mais nítida, a diferença entre a maneira como pronunciam as palavras e o modo como as escrevem. Dependendo da concepção de linguagem presente na prática de ensino, o professor poderá favorecer o desenvolvimento da escrita ou então fazer com que o aluno julgue o seu modo de falar como errado, não desejando escrever mais.

É possível detectar dois grandes momentos no processo alfabetizador: o primeiro diz respeito à descoberta de princípios que regem a escrita alfabética (conhecimento de vogais e consoantes para representar sons da língua); o segundo refere-se à consciência e domínio das normas ortográficas que determinam o uso da escrita seguido de convenções. Neste patamar, podemos enfatizar aspectos que refutam a equivalência entre os sons projetados na fala e a escrita em seu processo de representação. Nem sempre, a forma dialetal que o aluno traz de casa coincidirá, fonologicamente, com as convenções ortográficas organizadas pela sociedade letrada (Ex: mermo mesmo; cadera cadeira).

REFLETINDO SOBRE O FUNCIONAMENTO DO SISTEMA ORTOGRÁFICO
Apesar de termos um alfabeto constituído de 23 letras, servindo para representar todas as palavras da Língua Portuguesa, a maioria dos sinais gráficos desempenha diferentes funções em termos de representação dos sons (fonemas) da língua. Dentro desse sistema, temos relações de CORRESPONDÊNCIA BIUNÍVOCA (  quando um som só é representado por uma única letra, e esta mesma letra não representa mais nenhum outro som.)    entre o som e a letra (como em p, d, f, v, b, f), e encontramos, também, letras que assumem diferentes representações sonoras, dependendo do contexto em que elas se encontram.

Podemos classificar as consoantes pelo seu ponto de articulação em cinco grupos.

BILABIAIS — Seu som é produzido no contato entre o lábio superior e o lábio inferior em um gesto explosivo (p, m, b).
LABIODENTAIS — Seu som é produzido quando o lábio inferior entra em contato com os dentes superiores atuando como obstáculo para saída da corrente de ar (f,v).
LINGUODENTAIS — Seu som ocorre quando ponta a língua entra em contato com os dentes superiores no momento em que se dá a saída da corrente de ar expelida pelo pulmão (t,d,n).
ALVEOLARES — Seu som é produzido no contato da ponta da língua com as gengivas ou avéolos (s,z,r,l).
PALATAIS — Seu som decorre do contato do dorso da língua com a abóbada palatina (x, j,lh,nh).
VELARES — Seu som se realiza quando a parte posterior da língua entra em contato com o véu palatino (k,g, rr).

“Cagliari (1990) procura explicar tal tipo de troca de letra fazendo referência ao fato de que as crianças são em geral, ensinadas a escrever em silêncio. Isto quer dizer que elas não devem pronunciar as palavras que irão escrever em voz alta, o que dificulta ou impede que se dêem conta dos sons que compõem tais palavras. Nesta situação, quando as crianças tendem a articular as palavras sem produzir sons ou sussurrá-las, acabam por não ter pistas, acústicas ou sonoras, que as auxiliem na detecção de que tipo de fonema, surdo ou sonoro, está presente. Ocorre que quando articulados sem som, ou quando sussurrados, os fonemas sonoros tendem ao ensurdecimento, o que ainda de acordo com esse autor, pode ser a razão pela qual as consoantes sonoras tendem a ser substituídas pelas consoantes surdas com muito mais freqüência do que no sentido inverso, que, de acordo com suas observações, têm uma ocorrência mais rara (ZORZI, 1998 p. 73).



Resumo aula 16 Alfabetização: Conteúdo e Forma 2 | Chegando mais perto das formas ortográficas

Promover o estudo da ortografia é muito mais do que ensinar um conjunto de regras que visam à descrição da língua de acordo com a norma-padrão.
As tarefas voltadas para a compreensão da ortografia devem ser, antes de tudo, atividades de reflexão sobre a língua em suas duas modalidades: escrita e falada. É no estudo sobre as relações entre o “como se fala” e o “como se escreve” que o aluno percebe as diferenças entre os dois códigos, e compreende as convenções do registro escrito.

Além de fatores relacionados à consciência fonológica no início do processo de alfabetização, o aluno esbarra em dificuldades provenientes das propostas alfabetizadoras que reforçam a silabação. De acordo com pesquisas realizadas por Zorzi (2003), os índices de omissão de letras na produção de textos dos alunos das séries iniciais estão relacionados aos métodos de alfabetizadores que costumam trabalhar com um padrão de escrita determinado por uma seqüência C (consoante) V(vogal).
O alfabetizando, por ter pouca experiência no campo da escrita, ainda não desenvolveu procedimentos de controle sobre a sua produção gráfica. Por isso, a importância de se estimular o hábito do aluno revisar os textos no ato de sua produção.

A grande maioria dos casos de acréscimo indevido de letras tem forte vinculação com os processos de HIPERCORREÇÃO. Tal fenômeno ocorre quando o indivíduo já tem uma certa consciência dos condicionamentos ortográficos, mais ainda não sabe usá-los adequadamente. Sendo assim, a transgressão de uma norma/regra é decorrente de uma generalização indevida no plano da fala e/ou no plano da escrita. No plano da escrita, exemplificamos um caso de hipercorreção narrando a situação do sujeito
que viu escrito em algum lugar a formas gráficas “há” e “espécie”. Sendo assim escreve um bilhete para a sua namorada: Vou festa na casa de Rodrigo, por favor, não me esperie.

Constatamos que as dificuldades ortográficas podem ser decorrentes de diversos fatores. Cabe ao professor acompanhar o processo de apropriação da escrita desenvolvido pela criança, auxiliando na compreensão das arbitrariedades que se encontram no sistema ortográfico. Um dos caminhos que pode ajudar o aluno a compreender melhor as convenções gráficas, é levá-lo a perceber as regularidades e irregularidades que existem em nosso sistema de escrita.

Seria impossível memorizar a maneira correta de escrever todas as palavras apenas por sua visualização e leitura. Por isso, além da memorização, recorremos, a todo instante, a um conjunto de regras que internalizamos quando estamos nos apropriando das convenções ortográficas. Dentro do sistema de escrita há certas combinações de sinais gráficos que se apresentarão com certa freqüência. Mesmo que o aluno nunca tenha visto uma determinada palavra escrita, ele poderá registrar adequadamente pela observação das leis que regem e regulam a escrita em seu idioma.

Da mesma maneira que encontramos um conjunto de regularidades no sistema da escrita que permite escrever com mais facilidade um grupo de palavra, encontramos também formas gráficas que não podem justificar, por nenhum tipo de regularidade. Que critério justificaria a escrita de “cebola”, “cidade”, “sebo” e “situação” com “s” ou com “c”? A única justificativa plausível seria a etimologia da palavra. Neste caso, não há regras que possam apoiar o aprendiz na hora de grafar as palavras mencionadas. Veja outras situações de irregularidades no campo da ortografia.
– som do G (gigante, jiló)
– som do Z (asa, zunido, exato)
– som do X (caixa, charco)
– H inicial (homem, herbáceo)

Como nosso sistema de escrita é constituído de regularidades e irregularidades é importante desenvolver atividades voltadas para a percepção de regularidades do sistema e outra parte voltada para a ativação do domínio mnemônico na aquisição do saber ortográfico. Toda situação de escrita deve ser um momento de reflexão em que o aluno possa exprimir suas hipóteses de como grafar as palavras ortograficamente.

Muitas práticas reduzem o ato de escrever à associação de letras a sons, estimulando a fixação de normas ortográficas sem processo de reflexão que discuta as razões que levam a grafar uma palavra de uma determinada forma e não de outra. Considerando a escrita como espelho da fala, o ensino artificializa a oralidade, negando a existência de convenções presentes no sistema de escrita da Língua Portuguesa. A orientação do
ensino da língua escrita não está estritamente vinculada às leis da fala, mas às leis que dizem respeito ao código escrito. A compreensão das leis do código escrito pode ser estimulada se o professor propuser atividades em que as crianças venham a refletir sobre o conjunto de arbitrariedades produzidas pelos gramáticos para padronizar a escrita que conhecemos nos dias de hoje.

Tradicionalmente, o ensino da ortografia no espaço escolar vincula-se à classificação
de palavras em: encontros vocálicos, encontros consonantais e a separação de sílabas. Os principais recursos para ensinar as crianças a escrever são a cópia e o ditado de palavras de forma mecânica. Pesquisas recentes demonstram que tais atividades não ajudam as crianças a superarem suas dificuldades. Muitos alunos omitem e acrescentam letras indevidamente. Tal falta está relacionada ao apoio na oralidade para grafar as palavras e o modo artificial que a escola desenvolve para ensinar a ler e a escrever. Partindo do principio que é mais fácil ensinar padrões silábicos simples, consoante-vogal (CV), a escola reduz a escrita a mecanismos de silabação. Para ensinar a escrever, é preciso ir além das partes, visto que o sistema de escrita é resultante de um conjunto de relações marcado por regularidades e irregularidades. É no processo de reflexão e ação sobre as arbitrariedades produzidas no sistema que o aluno se apropria e internaliza as regras do sistema ortográfico.

As propostas de ensino da escrita na escola devem tomar como referência as palavras no interior do texto. Neste contexto o professor poderá enfocar as dificuldades ortográficas, promovendo uma ampla reflexão sobre as regularidades e irregularidades existentes no sistema gráfico com atividades desafiadoras e instigantes.

Destacamos alguns procedimentos que favorecem o aprendizado da ortografia.
_ Discutir sobre as diferenças dialetais e a eleição de uma variedade padrão que serve como referência para a escrita.
_ Não corrigir tudo de uma forma aleatória. É importante a seleção de um tipo de erro para ser enfocado e comentado de uma forma mais aprofundada. O aluno terá mais tempo para perceber os motivos que distanciam da forma gráfica convencional.
_ Não encarar o erro de forma espalhafatosa, corrigindo o aluno rispidamente. Todo erro deve ser visto como uma tentativa de aproximação da forma ortográfica.
_ Planejar atividades que favoreçam a observação de determinados aspectos da ortografia de forma lúdica, preferencialmente atividades que levem o sujeito a descobertas de regras.
_ Construir regras com os alunos, a partir de uma situação proposta
para turma solucionar.
_ Listar, no quadro negro, os erros mais freqüentes para serem analisados e discutidos.
_ Focalizar segmentos das palavras a fim de o aluno compreender e perceber as irregularidades existentes no sistema de escrita.
_ Estimular o uso de dicionário como material de consulta. O aluno poderá tirar suas dúvidas ortográficas de uma forma mais autônoma.







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6 - PRÁTICAS EDUCATIVAS EM CONTEXTOS NÃO ESCOLARES

Educação não-formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas Zescolas Maria da Glória Gohn

Considera-se a educação não-formal como uma área de conhecimento ainda em construção Estuda-se a possibilidade deste processo em conselhos de escolas e o aprendizado que resulta da participação da sociedade civil nestes conselhos. O trabalho se divide em duas partes: a primeira tem caráter teórico e discute a categoria educação não-formal em si, seu campo e atributos. Por meio da análise comparativa, busca-se diferenciá-la da educação formal e da educação informal.
A segunda investiga a categoria da educação não - formal em conselhos escolares, e em movimentos sociais que atuam na área da educação.

Quando tratamos da educação não-formal, a comparação com a educação formal é quase que automática. O termo não-formal também é usado por alguns investigadores como sinônimo de informal. Consideramos que é necessário distinguir e demarcar as diferenças entre estes conceitos.
A princípio podemos demarcar seus campos de desenvolvimento: a educação formal é aquela desenvolvida nas escolas, com conteúdos previamente demarcados; a informal como aquela que os indivíduos aprendem durante seu processo de socialização na família, bairro, clube, amigos etc., carregada de valores e culturas próprias, de pertencimento e sentimentos herdados: e a educação não-formal é aquela que se aprende “no mundo da vida”, via os processos de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações coletivos cotidianas.

“Quem é o educador em cada campo de educação que estamos tratando? Em cada campo, quem educa é o agente do processo de construção do saber?”
Na educação formal sabemos que são os professores. Na não-formal, o grande educador é o “outro”, aquele com quem interagimos ou nos integramos. Na educação informal, os agentes educadores são os pais, a família em geral, os amigos, os vizinhos, colegas de escola, a igreja paroquial, os meios de comunicação de massa, etc.

“Onde se educa? Qual é o espaço físico territorial onde transcorrem os atos e os processos educativos?”
Na educação formal estes espaços são os do território das escolas, são instituições regulamentadas por lei, certificadoras, organizadas segundo diretrizes nacionais.
Na educação não-formal, os espaços educativos localizam-se em territórios que acompanham as trajetórias de vida dos grupos e indivíduos, fora das escolas, em locais informais, locais onde há processos interativos intencionais ( a questão da intencionalidade é um elemento importante de diferenciação).
Já a educação informal tem seus espaços educativos demarcados por referências de nacionalidade, localidade, idade, sexo, religião, etnia etc. A casa onde se mora, a rua, o bairro, o condomínio, o clube que se freqüenta, a igreja ou o local de culto a que se vincula sua crença religiosa, o local onde se nasceu, etc

. “Como se educa? Em que situação, em qual contexto?”
A educação formal pressupõe ambientes normatizados, com regras e padrões comportamentais definidos previamente.
A não -formal ocorre em ambientes e situações interativos construídos coletivamente, segundo diretrizes de dados grupos, usualmente a participação dos indivíduos é optativa, mas ela também poderá ocorrer por forças de certas circunstâncias da vivência histórica de cada um. Há na educação não-formal uma intencionalidade na ação, no ato de participar, de aprender e de transmitir ou trocar saberes.
A informal opera em ambientes espontâneos, onde as relações sociais se desenvolvem segundo gostos, preferências, ou pertencimentos herdados.

“Qual a finalidade ou objetivos de cada um dos campos de educação assinaladas?”
Na educação formal, entre outros objetivos destacam-se os relativos ao ensino e aprendizagem de conteúdos historicamente sistematizados, normatizados por leis, dentre os quais destacam-se o de formar o indivíduo como um cidadão ativo, desenvolver habilidades e competências várias, desenvolver a criatividade, percepção, motricidade etc.
A educação informal socializa os indivíduos, desenvolve hábitos, atitudes, comportamentos, modos de pensar e de se expressar no uso da linguagem, segundo valores e crenças de grupos que se freqüenta ou que pertence por herança, desde o nascimento trata-se do processo de socialização dos indivíduos.
A educação não- formal capacita os indivíduos a se tornarem cidadãos do mundo, no mundo. Sua finalidade é abrir janelas de conhecimento sobre o mundo que circunda os indivíduos e suas relações sociais. Seus objetivos não são dados a priori, eles se constroem no processo interativo, gerando um processo educativo. Um modo de educar surge como resultado do processo voltado para os interesses e as necessidades que dele participa. A construção de relações sociais baseadas em princípios de igualdade e justiça social, quando presentes num dado grupo social, fortalece o exercício da cidadania. A transmissão de informação e formação política e sociocultural é uma meta na educação não formal. Ela prepara os cidadãos, educa o ser humano para a civilidade, em oposição à barbárie, ao egoísmo, individualismo etc..

“Quais são os principais atributos de cada uma das modalidades educativas que estamos diferenciando?”
A educação formal requer tempo, local específico, pessoal especializado, organização de vários tipos (inclusive a curricular), sistematização seqüencial das atividades, disciplinamento, regulamentos e leis, órgãos superiores etc. Ela tem caráter metódico e , usualmente, divide-se por idade/ classe de conhecimento.
A educação informal não é organizada, os conhecimentos não são sistematizados e são repassados a partir das práticas e experiência anteriores, usualmente é o passado orientando o presente. Ela atua no campo das emoções e sentimentos. É um processo permanente e não organizado.
A educação não-formal tem outros atributos: ela não é, organizada por séries/ idade/conteúdos; atua sobre aspectos subjetivos do grupo; trabalha e forma a cultura política de um grupo. Desenvolve laços de pertencimento. Ajuda na construção da identidade coletiva do grupo (este é um dos grandes destaques da educação não-formal na atualidade); ela pode colaborar para o desenvolvimento da auto-estima e do empowerment do grupo, criando o que alguns analistas denominam, o capital social de um grupo. Fundamenta-se no critério da solidariedade e identificação de interesses comuns e é parte do processo de construção da cidadania coletiva e pública do grupo.

“Quais são os resultados esperados em cada campo assinalado?”
Na educação formal espera-se, sobretudo que haja uma aprendizagem efetiva (que, infelizmente nem sempre ocorre), além da certificação e titulação que capacitam os indivíduos a seguir para graus mais avançados.
Na educação informal os resultados não são esperados, eles simplesmente acontecem a partir do desenvolvimento do senso comum nos indivíduos, senso este que orienta suas formas de pensar e agir espontaneamente.
A educação não- formal poderá desenvolver, como resultados, uma série de processos tais como:
• consciência e organização de como agir em grupos coletivos;
• A construção e reconstrução de concepção(ões) de mundo e sobre o mundo;
• contribuição para um sentimento de identidade com uma dada comunidade;
• forma o indivíduo para a vida e suas adversidades (e não apenas capacita-o para entrar no mercado de trabalho);
• quando presente em programas com crianças ou jovens adolescentes a educação não-formal resgata o sentimento de valorização de si próprio (o que a mídia e os manuais de auto-ajuda denominam, simplificadamente, como a auto-estima); ou seja dá condições aos indivíduos para desenvolverem sentimentos de auto-valorização, de rejeição dos preconceitos que lhes são dirigidos, o desejo de lutarem para ser reconhecidos como iguais (enquanto seres humanos), dentro de suas diferenças (raciais, étnicas, religiosas, culturais, etc.);
• os indivíduos adquirem conhecimento de sua própria prática, os indivíduos aprendem a ler e interpretar o mundo que os cerca.

Algumas características da educação não-formal: metas, lacunas e Metodologias
• O aprendizado da diferenças. Aprende- se a conviver com demais. Socializa- se o respeito mútuo;
• Adaptação do grupo a diferentes culturas, reconhecimento dos indivíduos e do papel do outro, trabalha o “estranhamento”;
• Construção da identidade coletiva de um grupo;
• Balizamento de regras éticas relativas às condutas aceitáveis socialmente.

O que falta na educação não-formal:
• Formação específica a educadores a partir da definição de seu papel e as atividades a realizar;
• Definição mais clara de funções e objetivos da educação não formal;
• Sistematização das metodologias utilizadas no trabalho cotidiano;
• Construção de metodologias que possibilitem o acompanhamento do trabalho que vem sendo realizado;
• Construção de instrumentos metodológicos de avaliação e análise do trabalho
realizado;
• Construção de metodologias que possibilitem o acompanhamento do trabalho de egressos que participaram de programas de educação não formal;
• Criação de metodologias e indicadores para estudo e análise de trabalhos da Educação não formal em campos não sistematizados. Aprendizado gerado por atos de vontade do receptor tais como a aprendizagem via Internet, para aprender música, tocar um instrumento etc.;
• Mapeamento das formas de educação não formal na auto aprendizagem dos cidadãos (principalmente jovens).

Metodologias
Na educação formal as metodologias são, usualmente, planificada previamente segundo conteúdos prescritos nas leis. As metodologias de desenvolvimento do processo ensino/aprendizagem são compostas por um leque grande de modalidades, temas e problemas.
A educação informal tem como método básico a vivência e a reprodução do conhecido, a reprodução da experiência segundo os modos e as formas como foram apreendidas e codificadas.
Na educação não-formal, as metodologias operadas no processo de aprendizagem parte da cultura dos indivíduos e dos grupos. O método nasce a partir de problematização da vida cotidiana; os conteúdos emergem a partir dos temas que se colocam como necessidades, carências, desafios, obstáculos ou ações empreendedoras a serem realizadas; os conteúdos não são dados a priori. São construídos no processo. O método passa pela sistematização dos modos de agir e de pensar o mundo que circunda as pessoas. Penetra-se portanto no campo do simbólico,
das orientações e representações que conferem sentido e significado às ações humanas.
Supõe a existência da motivação das pessoas que participam. Ela não se subordina às estruturas burocráticas. É dinâmica. Visa à formação integral dos indivíduos. Neste sentido tem um caráter humanista. Ambiente não formal e mensagens veiculadas “falam ou fazem chamamentos” às pessoas e aos coletivos, e as motivam.
Mas como há intencionalidades nos processos e espaços da educação não-formal, há caminhos, percursos, metas, objetivos estratégicos que podem se alterar constantemente. Há metodologias, em suma, que precisam ser desenvolvidas, codificadas, ainda que com alto grau de provisoriedade pois o dinamismo, a mudança, o movimento da realidade segundo o desenrolar dos acontecimentos, são as marcas que singularizam a educação não-formal.

Para finalizar a primeira parte deste texto destacamos que também diferenciamos a educação não- formal de outras propostas de educação, apresentadas como educação social, no século XX, porque a maioria daquelas propostas ao se dirigirem para os excluídos objetivam, na maior parte das vezes, apenas inseri-los no mercado de trabalho.
Entendemos a educação não – formal como aquela voltada para o ser humano como um todo, cidadão do mundo, homens e mulheres. Em hipótese alguma ela substitui ou compete com a Educação Formal, escolar. Poderá ajudar na complementação dessa última, via programações específicas, articulando escola e comunidade educativa localizada no território de entorno da escola. A educação não- formal tem alguns de seus objetivos próximos da educação formal, como a formação de um cidadão pleno, mas ela tem também a possibilidade de desenvolver alguns objetivos que lhes são específicos, via a forma e espaços onde se desenvolvem suas práticas, a exemplo de um conselho ou a participação em uma luta social, contra as discriminações, por exemplo, a favor das diferenças culturais etc.
Resumidamente podemos enumerar os objetivos da educação não-formal como sendo:
a) Educação para cidadania;
b) Educação para justiça social;
c) Educação para direitos (humanos, sociais, políticos, culturais, etc.);
d) Educação para liberdade;
e) Educação para igualdade;
f) Educação para democracia;
g) Educação contra discriminação;
h) Educação pelo exercício da cultura, e para a manifestação das diferenças
culturais.

A educação não-formal em ação: conselhos e colegiados na escola: espaços de educação não-formal

Observa-se que inúmeras inovações no campo democrático advêm das práticas geradas pela sociedade civil que alteram a relação estado-sociedade ao longo do tempo e constroem novas formas políticas de agir, especialmente na esfera pública não estatal. De fato, são inúmeras as novas práticas sociais expressas em novos formatos institucionais da participação, tais como os conselhos, os fóruns, as assembléias populares e as parcerias. Em todas elas a educação não-formal está presente, como processo de aprendizagem de saberes aos e entre seus participantes.

Ao analisarmos as possibilidades de participação da comunidade educativa em uma escola, articulando-a aos processos de aprendizagem não-formal que os métodos de gestão participativa desenvolvem, não podemos deixar de tecer algumas considerações sobre as estruturas de participação que já existem no interior das escolas, a exemplo dos distintos e diferenciados colegiados e conselhos.
Nos conselhos se entrecruzam necessidades advindas da prática da educação formal/escolar, com a educação não-formal, principalmente no que se refere a participação dos pais e outros membros da comunidade educativa nas suas reuniões.
Observa-se que o processo brasileiro de descentralização da educação não descentralizou, de fato, o poder no interior das escolas.
Usualmente, esse poder continua nas mãos da diretora ou gestora, que o monopoliza, faz a pauta das reuniões dos conselhos e colegiados escolares, não a divulga com antecedência etc. A comunidade externa e os pais não dispõem de tempo e, muitas vezes, nem avaliam a relevância de participar ou de estarem presentes nas reuniões. Além disso, usualmente, esses pais não estão preparados para entender as questões do cotidiano das reuniões, como as orçamentárias. Só exercem uma participação ativa nos colegiados aqueles pais com experiência participativa anterior, extra-escolar, revelando a importância da participação dos cidadãos(ãs) em ações coletivas na sociedade civil. O caráter educativo que essa participação adquire, quando ela ocorre em movimentos sociais comunitários, organizados em função de causas públicas, prepara os indivíduos para atuarem como representantes da sociedade civil organizada. E os colegiados escolares são uma dessas instâncias.

Muitos funcionários das escolas são membros dos conselhos e dos colegiados escolares mas, usualmente, exercitam um pacto do silêncio, não participando de fato e servindo de “modelo passivo” para outros setores da comunidade educativa que compõem um colegiado.
Por que eles se comportam assim? Porque, na maioria dos casos, estão presentes para referendar demandas corporativas, ou para fortalecer diretorias centralizadoras. Como elo mais fraco do poder, eles participam para ´compor`, para dar número e quorum necessários aos colegiados, contribuindo com esse comportamento para não construir nada e nada mudar.
Por que isso ocorre? Porque, embora os colegiados sejam um espaço legítimo e de direito, e uma conquista para o exercício da cidadania, até por serem previstos em lei, essa cidadania tem que ser qualificada e construída na prática. Os projetos políticos dos representantes dos diferentes segmentos e grupos, seus valores, visões de mundo etc. interferem na dinâmica desses processos participativos. Para terem como meta projetos emancipatórios, eles devem ter como lastro de suas ações os princípios da igualdade e da universalidade.
Os colegiados devem construir ou desenvolver essa sensibilidade por meio de um conjunto de valores que venham a ser refletidos em suas práticas. Sem isso, temos uma inclusão excludente: aumento do número de alunos nas escolas e estruturas descentralizadas que não ampliam de fato a intervenção da comunidade na escola. Temos setores que pretensamente estão representando o interesse público, mas que na realidade defendem o interesse de grupos e corporações, ou a manutenção do poder tradicional, cujo papel é exercer o controle, a vigilância em razão de uma falsa participação ordeira e voltada para a responsabilização da comunidade ( pais, mães e outros mais ) nas ações em que o Estado se omite (SILVA, 2003).

As novas práticas constituem, assim, um novo tecido social denso e diversificado, tencionam as velhas formas de fazer política e criam novas possibilidades concretas para o futuro, em termos de opções democráticas. As novas práticas de interação escola/representantes da sociedade civil organizada devem ser examinadas à luz dos processos da educação não-formal caracterizados na primeira parte deste texto. São aprendizagens que estão gerando saberes. Processos difíceis, tensionados mas educativos para todos, pelo que trazem de novo, pela resistência ou pela reiteração obstinada do velho, que não quer ceder à pressão das novas forças.


Movimentos sociais na área da educação
Tendo em vista que um dos principais sujeitos da sociedade civil organizada são os movimentos sociais, é importante registrar que os movimentos pela educação têm caráter histórico, são processuais e ocorrem, portanto, dentro e fora de escolas e em outros espaços institucionais. As lutas pela educação envolvem a luta por direitos e são parte da construção da cidadania. Movimentos sociais pela educação abrangem questões tanto de conteúdo escolar quanto de gênero, etnia, nacionalidade, religiões, portadores de necessidades especiais, meio ambiente, qualidade de vida, paz, direitos humanos, direitos culturais etc. Esses movimentos são fontes e agências de produção de saberes. O tema dos direitos é fundamental porque ele dá universalidade às questões sociais, aos problemas econômicos e às políticas públicas, atribuindo- lhes caráter emancipatório. É a partir dos direitos que fazemos o resgate da cultura de um povo e de uma nação, especialmente em tempos neoliberais que destroem ou massificam as culturas locais, regionais ou nacionais. Partir da ótica dos direitos de um povo ou agrupamento social é adotar um princípio ético, moral, baseado nas necessidades e experiência acumulada historicamente dos seres humanos e não nas necessidades do mercado. A ótica dos direitos possibilita-nos a construção de uma agenda de investigação que gera sinergias e não compaixão, que resultam em políticas emancipadoras e não compensatórias. Fora da ótica da universalidade dos direitos caímos nas políticas focalizadas, meras justificativas para políticas que promovem uma modernização conservadora.
A ótica dos direitos como ponto de partida poderá nos fazer entender as mudanças sociais em curso.
Listamos, a seguir, alguns dos principais eixos das demandas pela educação nos movimentos sociais envolvendo as escolas. A cada luta corresponde um momento do processo de aprendizagem, típico da educação não-formal, a saber:
• Lutas pelo acesso;
• Aumento de vagas;
• Escola pública com qualidade;
• Gestão democrática da escola;
• Escola com projetos pedagógicos que respeitem as culturas locais;
• Valor das mensalidades das escolas particulares;
• Por políticas públicas;
• Realização de experiências alternativas;
• Luta no processo de implantação de novos modelos, experiências ou reformas educacionais, envolvendo organização, trajetória das experiências, acompanhamento, construção de cultura política, redefinição do conceito de participação ;
• Luta dos professores e outros profissionais da educação por condições salariais e de trabalho;
• Lutas dos estudantes por vagas, condições, mensalidades, refeitórios, moradia, contra discriminações, etc.

Conclusões e desafios
Articular a educação, em seu sentido mais amplo, com os processos de formação dos indivíduos como cidadãos, ou articular a escola com a comunidade educativa de um território é um sonho, uma utopia, mas também uma urgência e uma demanda da sociedade atual. Por isso trabalhamos com um conceito amplo de educação que envolve campos diferenciados, da educação formal, informal e não-formal.
Acreditamos que propostas se fazem com idéias e fundamentos; por isso, dedicamos a primeira parte do texto a qualificação e diferenciação de um conceito que tem centralidade no tema que estamos discutido, qual seja: a importância da educação não-formal.
Reiteramos neste texto a perspectiva que aborda a educação como promotora de mecanismos de inclusão social. Entende-se por inclusão as formas que promovem o acesso aos direitos de cidadania, que resgatam alguns ideais já esquecidos pela humanidade, como o de civilidade, tolerância e respeito ao outro; contestam-se concepções relativas às formas que buscam, simplesmente, integrar indivíduos atomizados e desterritorializados, em programas sociais compensatórios.
A gestão compartilhada em suas diferentes formas de conselhos, colegiados etc. precisa desenvolver uma cultura participativa nova, que altere as mentalidades, os valores, a forma de conceber a gestão pública em nome dos direitos da maioria e não de grupos lobbistas. Isso implica a criação de coletivos que desenvolvam saberes não apenas normativos - legislações, formatos de aplicação de verbas etc., embora esses itens também sejam importantes, dado o papel dos fundos públicos no campo de disputa política em torno das verbas públicas. É preciso desenvolver saberes que orientem as práticas sociais, que construam novos valores, aqui entendidos como a participação de coletivos de pessoas diferentes com metas iguais. Isto tudo está no campo da educação não-formal.
Entretanto, se não houver sentido nas formas de participação na área da educação, com projetos de emancipação dos cidadãos que objetivem mudanças substantivas e não instrumentais, corre-se o risco de se ter espaços mais autoritários do que já eram quando centralizados. Como democratizar esses espaços?
Como ressignificá-los para que as obras e serviços realizados numa escola, por exemplo, não sejam vistos como dádivas de uma diretora, ou de algum político ou administrador público, e sim como direito da população? Como resgatar o direito à educação enquanto política educacional ao nível das instâncias locais, sem esquecer que elas são parte de um todo que extrapola as fronteiras nacionais? Como gerar novas políticas na gestão dos fundos públicos? É preciso criatividade e ousadia porque as novidades só ganham força quando passam a ter hegemonia em certos coletivos organizados mais amplos.
Por isso, é preciso voltar os olhos para a organização da sociedade civil, para os processos de educação não-formal que nela se desenvolvem, e para o papel que a escola pode ter como campo de formação de um novo modelo civilizatório. Precisamos de uma nova educação que forme o cidadão para atuar nos dias de hoje, e transforme culturas políticas arcaicas, arraigadas, em culturas políticas transformadoras e emancipatórias. Isso não se faz apenas em aulas e cursos de formação tradicionais, formulados no gabinete de algum burocrata, e sim a partir da prática da gestão compartilhada escola/comunidade educativa, no exercício das tarefas de que a conjuntura de uma dada escola, numa determinada comunidade territorial, necessite. Construir cidadãos éticos, ativos, participativos, com responsabilidade diante do outro e preocupados com o universal e não com particularismos, é retomar as utopias e priorizar a mobilização e a participação da comunidade educativa na construção de novas agendas.
Essas agendas devem contemplar projetos emancipatórios que tenham como prioridade a mudança social, qualifiquem seu sentido e significado, pensem alternativas para um novo modelo econômico não excludente que contemple valores de uma sociedade em que o ser humano é centro das atenções e não o lucro, o mercado, o status político e social, o poder em suma. A educação não - formal é um campo valioso na construção daquelas agendas, e para dar sentido e significado às próprias lutas no campo da educação visando à transformação da realidade social.

Resumo A QUESTÃO DA EDUCAÇÃO FORMAL NÃO-FORMAL
Moacir Gadotti
O direito à educação é, sobretudo, o direito de aprender. Não basta estar matriculado numa escola. É preciso conseguir aprender na escola.Como serviço, a ele só podem ter acesso aqueles e aquelas que podem pagá-lo. Surgem então muitas “indústrias do conhecimento” que oferecem os mais variados pacotes educacionais para todos os gostos em acirradas disputas mercantis movidas pelo “marketing educacional”,
A criança é a principal vítima da mercantilização da educação. É importante confrontar a teoria e a prática, o legal e o real, trocar experiências e mobilizar energias contra essa onda mercantilista que afeta também a educação pública. A contradição maior hoje não está entre o estatal e o privado, mas entre o mercantil e o público.

Educação formal e educação não-formal

Define-se educação não-formal como “toda atividade educacional organizada, sistemática, executada fora do quadro do sistema formal para oferecer tipos selecionados de ensino a determinados subgrupos da população” (La Belle, 1982:2).
Usualmente define-se a educação não-formal por uma ausência, em comparação com a escola, tomando a educação formal como único paradigma, como se a educação formal escolar também não pudesse aceitar a informalidade, o “extra-escolar”.
A educação formal tem objetivos claros e específicos e é representada principalmente pelas escolas e universidades. Ela depende de uma diretriz educacional centralizada como o currículo, com estruturas hierárquicas e burocráticas, determinadas em nível nacional, com órgãos fiscalizadores dos ministérios da educação. A educação não-formal é mais difusa, menos hierárquica e menos burocrática. Os programas de educação não-formal não precisam necessariamente seguir um sistema seqüencial e hierárquico de “progressão”. Podem ter duração variável, e podem, ou não, conceder certificados de aprendizagem.
Toda educação é, de certa forma, educação formal, no sentido de ser intencional, mas o cenário pode ser diferente: o espaço da escola é marcado pela formalidade, pela regularidade, pela seqüencialidade. O espaço da cidade (apenas para definir um cenário da educação não-formal) é marcado pela descontinuidade, pela eventualidade, pela informalidade. São múltiplos os espaços da educação não-formal.
Além das próprias escolas (onde pode ser oferecida educação não-formal) temos as Organizações Não-Governamentais (também definidas em oposição ao governamental), as igrejas, os sindicatos, os partidos, a mídia, as associações de bairros, etc. Na educação não-formal, a categoria espaço é tão importante como a categoria tempo. O tempo da aprendizagem na educação não-formal é flexível, respeitando as diferenças e as capacidades de cada um, de cada uma. Uma das características da educação não-formal é sua flexibilidade tanto em relação ao tempo quanto em relação à criação e recriação dos seus múltiplos espaços.
Segundo Maria da Glória Gohn (1999:98-99), a educação não-formal designa um processo de formação para a cidadania, de capacitação para o trabalho, de organização comunitária e de aprendizagem dos conteúdos escolares em ambientes diferenciados. Por isso ela também é muitas vezes associada à educação popular e à educação comunitária.
Gostaria, a seguir, de me referir a um exemplo concreto de um espaço cada vez mais utilizado
para na educação tanto formal quanto não-formal. Trata-se do ciberespaço da formação propiciado pelo avanço das novas tecnologias.

Novos espaços de formação e informalidade da educação
As novas tecnologias da informação criaram novos espaços do conhecimento. Agora, além da escola, também a empresa, o espaço domiciliar e o espaço social tornaram-se educativos. Cada dia mais pessoas estudam em casa, podendo, de lá, acessar o ciberespaço da formação e da aprendizagem a distância, buscar fora das escolas a informação disponível nas redes de computadores interligados, serviços que respondem às suas demandas pessoais de conhecimento. O ciberespaço rompeu com a idéia de tempo próprio para a aprendizagem. O espaço da aprendizagem é aqui, em qualquer lugar; o tempo de aprender é hoje e sempre.
É essencial saber comunicar-se, saber pesquisar, ter raciocínio lógico, saber organizar o seu próprio trabalho, ter disciplina para o trabalho, ser independente e autônomo, saber articular o conhecimento com a prática, ser aprendiz autônomo e a distância.
Nesse contexto, o professor é muito mais um mediador do conhecimento, diante do aluno que é o sujeito do sua própria formação. O aluno precisa construir e reconstruir conhecimento a partir do que faz. Hoje as teorias do conhecimento estão centradas na aprendizagem. Mas só aprendemos quando nos envolvemos profundamente naquilo que aprendemos, quando o que estamos aprendendo tem sentido para as nossas vidas.
O conhecimento serve primeiramente para nos conhecer melhor, a nós mesmos e todas as nossas circunstâncias. Serve para conhecer o mundo. Serve para adquirirmos as habilidades e as competências do mundo do trabalho; serve para tomar parte nas decisões da vida em geral, social, política, econômica. Serve para compreender o passado e projetar o futuro. Finalmente, serve para nos comunicar, para comunicar o que conhecemos, para conhecer melhor o que já conhecemos e para continuar aprendendo.
Conhecer é importante porque a educação se funda no conhecimento e este na atividade humana. Para inovar é preciso conhecer. A atividade humana é intencional, não está separada de um projeto. Conhecer não é só adaptar-se ao mundo. É condição de sobrevivência do ser humano e da espécie. Antes de conhecer o sujeito se “interessa” (Habermas). É “curioso”, é “esperançoso” (Freire). Daí a importância do trabalho de “sedução” (Nietzsche) do professor, da professora, frente ao aluno, à aluna. Seduzir no sentido de encantar pela beleza e não como técnica de manipulação. Daí a necessidade da motivação, do encantamento. Motivação que deve vir de dentro do próprio aluno e não da propaganda. É preciso mostrar que “aprender é gostoso, mas exige esforço”, como dizia Paulo Freire.
Os currículos monoculturais do passado, voltados para si mesmos, etnocêntricos, desprezavam o “não-formal” como “extra-escolar”, ao passo que os currículos interculturais de hoje reconhecem a informalidade como uma característica fundamental da educação do futuro. O currículo intercultural engloba todas as ações e relações da escola; engloba o conhecimento científico, os saberes da humanidade, os saberes das comunidades, a experiência imediata das pessoas, instituintes da escola; inclui a formação permanente de todos os segmentos que compõem a escola, a conscientização, o conhecimento humano e a sensibilidade humana, considera a educação como um processo sempre dinâmico, interativo, complexo e criativo.

O direito das crianças à cidade.
A cidade de hoje foi construída só para os trabalhadores adultos. Não é para crianças e idosos. O maior poder das nossas cidades é o poder dos automóveis. Eles são os valores maiores da cidade. As máquinas venceram a cidade, tornaram as cidades seguras só para elas e para mais ninguém. A cidade é insegura porque a cidade também foi privatizada e mercantilizada.
A casa tornou-se a cidade onde há de tudo: o teatro, “home theater”, o cinema, a livraria, o banco... não precisamos mais sair de casa, nem crianças, nem adultos. A casa tornou-se um lugar que não precisa mais da cidade. Antes sentíamos prazer em sair de casa. Hoje sentimos prazer em voltar para casa. Não basta oferecer serviços às crianças em casa. É preciso restituir-lhes a cidade. “Os adultos de hoje, precisam optar entre construir mais estacionamentos ou construir mais parquinhos”, como nos dizia recentemente Francesco Tonucci, diretor de “La Città dei bambini” (Roma), num Seminário em Padova (Itália).
Os adultos devem optar entre os automóveis e as crianças. Brincar é um dever para a criança. Não é só um direito. Um dever para tornar-se um adulto completo. É a extensão do direito de aprender. Porque a criança aprende brincando. Ela brinca para construir sua identidade e construir os seus conhecimentos. O primeiro direito da criança é o direito a uma identidade própria. Brincar é coisa séria para uma criança.
Oferece brinquedos industriais (“barbies”), não para brincar, mas para contemplar. As crianças precisam participar, desde muito pequenas, da construção de suas vidas, precisam tomar parte das decisões sobre o que lhes diz respeito. Elas participam pouco da vida da cidade, da gestão política da cidade.
As escolas ainda não descobriram o potencial educativo não-formal da cidade. A cidade é um lugar misterioso para as crianças, um lugar de iniciação à vida dos jovens. Por isso é um lugar que deve ser mais explorado pelas escolas. Há duas palavras latinas muito importantes quando falamos da criança: infans e ingenuus. Infans significa “sem fala” e ingenuus significa “nascido livre”. Na verdade trata-se de duas concepções da infância. A primeira nega à criança o direito à fala, a expressar sua vontade, seus direitos; a segunda busca entender a criança como um ser livre, em construção permanente de sua liberdade.
A educação formal, escolarizada, muitas vezes burocratiza o saber. Os adultos escutam pouco as crianças; perderam a relação de alteridade em relação a elas. É uma cultura da dependência. As escolas trabalham com a homogeneidade diante da diversidade das crianças. E ignoram ou desqualificam o saber delas. O direito da criança é o direito de realizar suas aspirações, o direito de ter esperança, o direito de não ler o livro que não ama. Porque aprendemos quando temos o desejo de aprender.
A criança gosta mais de aprender na rua do que a escola.

Pode a cidade educar?
A cidade dispõe de inúmeras possibilidades educadores. A vivência na cidade se constitui num
espaço cultural de aprendizagem permanente por si só, espontaneamente, informalmente. Para uma cidade ser considerada educadora ela precisa promover e desenvolver o protagonismo de todos e de todas – inclusive das crianças – na busca de um novo direito, o direito à cidade educadora: “enquanto educadora, a Cidade é também educanda. O direito à cidade é essencialmente um direito à informalidade, direito à educação não-formal.
Adela Cortina (1997) afirma que existem dimensões complementares, que se constituem em
exigências de uma cidadania plena: cidadania política: direito de participação numa comunidade política; cidadania social: que compreende a justiça como exigência ética da sociedade de bem viver; cidadania econômica: participação na gestão e nos lucros da empresa, transformação produtiva com eqüidade; cidadania civil: afirmação de valores cívicos como liberdade, igualdade, respeito ativo, solidariedade, diálogo; cidadania intercultural: afirmação da interculturalidade como projeto ético e político frente ao etnocentrismo.
Na cidade que educa todos os seus habitantes usufruem das mesmas oportunidades de formação, desenvolvimento pessoal e de entretenimento que ela oferece. O “Manifesto das Cidades Educadoras” aprovado em Barcelona em 1990 e revisto em Bolonha em 1994, afirma que “a satisfação das necessidades das crianças e dos jovens, no âmbito das competências do município, pressupõe uma oferta de espaços, equipamentos e serviços adequados ao desenvolvimento social, moral e cultural, a serem partilhados com outras gerações. O município, no processo de tomada de decisões, deverá levar em conta o impacto das mesmas. A cidade oferecerá aos pais uma formação que lhes permita ajudar os seus filhos a crescer e utilizar a cidade num espírito de respeito mútuo. Todos os habitantes da cidade têm o direito de refletir e participar na criação de programas educativos e culturais, e a dispor dos instrumentos necessários que lhes permitam descobrir um projeto educativo, na estrutura e na gestão da sua cidade, nos valores que esta fomenta, na qualidade de vida que oferece, nas festas que organiza, nas campanhas que prepara, no interesse que manifeste por eles e na forma de os escutar”.
A escola deixa de ser um lugar abstrato para inserir-se definitivamente na vida da cidade e ganhar, com isso, nova vida, superando a tradicional dicotomia entre a educação formal e a educação não-formal. A escola se transforma num novo território de construção da cidadania.
Podemos falar de Escola Cidadã e de Cidade Educadora quando existe diálogo entre a escola e a cidade. Não se pode falar de Escola Cidadã sem compreendê-la como escola participativa, escola apropriada pela população como parte da apropriação da cidade a que pertence. Nesse sentido Escola Cidadã, em maior ou menor grau, supõe a existência de uma Cidade Educadora. Essa apropriação se dá através de mecanismos criados pela própria escola, como o Colegiado escolar, a Constituinte Escolar, plenárias pedagógicas e outros. Esse ato de sujeito da própria cidade leva para dentro da escola os interesses e necessidades da população. Esse é o “cenário” da cidade que educa no qual as práticas escolares possibilitam qualificar tanto a leitura da palavra escrita como a “leitura do mundo” (Paulo Freire).
A cidade que educa não fica no imediato, mas aponta para uma compreensão mais analítica e
reflexiva tanto dos problemas do cotidiano quanto dos desafios do mundo contemporâneo.
“A tarefa educativa das Cidades se realiza também através do tratamento de sua memória e sua memória não apenas guarda, mas reproduz, estende, comunica-se às gerações que chegam. Seus museus, seus centros de cultura, de arte são a alma viva do ímpeto criador, dos sinais da aventura do espírito” (Freire, 1993:24).

A escola na cidade que educa
A cidadania precisa controlar, na cidade, o Estado e o Mercado, perseguindo a utopia das cidades justas, produtivas, democráticas e sustentáveis que são aquelas que conseguem romper com o controle político das elites locais e com as formas burocráticas, corruptas e clientelistas de governar e estabelece uma nova esfera pública de decisão não-estatal, como o “orçamento participativo”, que já se tornou emblemático nas gestões populares do Brasil.
E não há segredo nisso. Basta vontade política, apoiada numa ética que condene o segredo burocrático e estabeleça a transparência, que incorpore o conflito com práticas de negociação e que publicize a informação.
O papel da escola (cidadã), nesse contexto é contribuir para criar as condições que viabilizem a cidadania, através da socialização da informação, da discussão, da transparência, gerando uma nova mentalidade, uma nova cultura, em relação ao caráter público do espaço da cidade.
Para que a escola seja espaço de vida e não de morte, ela precisa estar aberta para à diversidade cultural, étnica e de gênero e às diferentes opções sexuais. As diferenças exigem uma nova escola. O grande desafio da escola numa cidade educativa é traduzir esses princípios em experiências práticas inovadoras, em projetos para a capacitação cidadã da população, para que ela possa tomar em suas mãos os destinos da sua cidade.
Numa sociedade de redes e de movimentos, numa sociedade da informação, o papel social da escola foi consideravelmente ampliado. É uma escola presente na cidade e que cria novos conhecimentos sem abrir mão do conhecimento historicamente produzido pela humanidade, uma escola científica e transformadora.
A cidade, sobretudo a grande metrópole, está chegando ao limite do suportável (violência, estresse, desemprego, falta de habitação, de transporte, de saneamento...) e não têm outra alternativa hoje a não ser se transformar radicalmente em “novas cidades”, em cidades educadoras. Caso contrário, as cidades estarão caminhando rapidamente para se transformarem em espaços de extermínio, sobretudo dos jovens. A educação e a cultura não podem tudo porque existem outros componentes que são os componentes sociais, políticos e, sobretudo, econômicos. Mas ela pode contribuir para a construção de uma sociedade saudável, tornando-se amiga e “companheira”, como dizia Paulo Freire, transformando-se num espaço de formação ético-política de pessoas que se querem bem e por isso têm legitimidade para transformar a vida da cidade.
Para isso, precisamos de uma pedagogia da cidade.
Em primeiro lugar precisamos aprender da cidade. Paulo Freire dizia que o primeiro livro de leitura é o mundo. Para aprender da cidade precisamos ler o mundo. Vejamos nosso comportamento nos semáforos quando somos abordados por meninos e meninas de rua nas cidades mais empobrecidas.
Passamos por elas como se fossem seres transparentes.
Precisamos de uma pedagogia da cidade para nos ensinar a olhar, a descobrir a cidade, para poder aprender com ela, dela, aprender a conviver com ela. A cidade é o espaço das diferenças. Uma pedagogia da cidade serve também para a escola construir o projeto político-pedagógico de uma educação na cidade.

Um exemplo: o “Orçamento Participativo Criança”
Dizem que as crianças e os jovens estudam para “ser alguém na vida”, que são “o futuro da nação”, que são consumistas. Dizem que eles são o futuro, quando deveríamos estar preocupados com o seu presente.
O neoliberalismo apresenta aos jovens apenas um espaço de objetos, de consumo e não de vínculos, de relações humanas, de companheirismo. O neoliberalismo apresenta-se como o apogeu da história, como se outro mundo não fosse possível.
Uma educação popular e emancipadora, intensamente não-formal e democrática, tem mostrado inúmeros exemplos de solidariedade, de vida dedicada à ética, à educação política.
O livre fluxo de idéias é fundamental. As crianças tem direito de saber sobre tudo o que lhes diz respeito, direito de expressar suas idéias e seus sonhos. Educar para e pela cidadania implica criar espaços democráticos de decisão política não estatais para que todos os cidadãos e cidadãs sejam partícipes na construção da cidade em que vivem, inclusive as crianças.
Pedagogicamente, trata-se de reconhecer o direito de crianças e adolescentes a encaminharem suas demandas para melhorar a educação e a vida na cidade, de serem ouvidas e, se possível, atendidas pelo poder público.
Sonhamos com uma cidade acolhedora e promotora da vida. Queremos nossos alunos e nossas alunas, nossas crianças, adolescentes e jovens, tomando para si o destino de sua escola, de seu bairro, de sua cidade, de seu país.
Para que a educação seja válida, ela precisa “problematizar” (Paulo Freire) o presente e o futuro: a educação precisa problematizar a sociedade, não apenas “resistir” a ela. Daí que o direito à educação deve possuir pelos menos 4 elementos:
1º. Historicidade. Conhecer o contexto histórico. Muitas vezes afirmamos formalmente o direito à educação sem nos referir concretamente a sujeitos de direitos. O direito não é uma categoria abstrata. É preciso dar historicidade concreta ao sujeito do direito à educação. Por exemplo: não basta falar da pobreza; é preciso enxergar concretamente a situação em que vivem os pobres.
2º. Superar a noção de serviço. Na prática trabalhamos com a noção de “serviços educacionais” e não com a categoria de direito. Trabalhamos com classes superlotadas porque não é “rentável” trabalhar com 15 alunos. O critério, então, não é o do direito à educação, mas a rentabilidade do serviço.
3º. Não reduzir o direito à educação apenas à escola. Direito é ter acesso a oportunidades iguais para todos e todas em condições formais e não-formais. É um direito à permanência (a matrícula é diferente da conclusão), a resultados de qualidade e pertinência cultural e social.
4º. É um direito que tem um sujeito. É o direito a uma orientação da educação segundo as identidades culturais dos povos. Não apenas a processos interculturais nacionais, mas globais. Os direitos dos professores estão associados aos direitos das crianças. Se as crianças têm direito a uma educação de qualidade, os professores têm direito de terem as condições necessárias para oferecer uma educação de qualidade.
Existe hoje um crescente sentimento anti-escola. Muitos apontam a escola como o “bode expiatório” das crises econômicas e da falta de emprego, como se o emprego dependesse exclusivamente de qualificação dos indivíduos. Atacar a escola pública, entre nós, é atacar a
democracia. A educação não-formal pode dar uma grande contribuição à educação pública, mas não pode substituí-la. A escola não pode estar apenas aberta para a comunidade. Ela deve
estar em sintonia com ela. As escolas precisam conhecer como vivem seus alunos, sua origem social, cultural, econômica, suas motivações, seus sonhos e utopias.
Os sistemas escolares são ambíguos, isto é, podem servir tanto para a ampliação das oportunidades sociais quanto para a preservação das desigualdades, podem servir a um projeto de transformação social ou de reprodução das relações sociais existentes.
A discussão dos direitos nas escolas contribuirá para a melhoria dos nossos sistemas escolares.


Resumo - ADOLESCENTES COMO AUTORES DE SI PRÓPRIOS: COTIDIANO, EDUCAÇÃO E O HIP HOP
VIVIANE MELO DE MENDONÇA MAGRO

Os adolescentes participantes desse movimento são descritos como protagonistas de seu próprio processo educativo, no qual deixam de ser meros atores e agentes de um modelo social e se tornam “autores de si próprios”; ou seja, no hip hop eles resgatam a educação como uma formação de “autores-cidadãos”.
Um situação cotidiana, muitas vezes banal, pode nos trazer questionamentos, às vezes, tão inesperados e produtivos, que requerem um olhar mais perscrutador dos detalhes e dos desapercebidos que a compõem. Como afirma Pais (1993), é no cotidiano que os múltiplos aspectos da vida social se revelam.
Os adultos desejam que o adolescente confesse seus sentimentos, seus pensamentos e suas idéias – o adulto quer que ele se manifeste. O adolescente, por sua vez, olha com desdém, e não se reconhece em um nome que lhe é estranho, e ele mostra que simplesmente está aí – transcendendo conceitos acadêmicos, médicos e pedagógicos –, junto aos seus amigos, vivendo o dia-a-dia com o que lhe apraz. O adolescente revela-se não como adolescente, mas como pessoa. Essa revelação é a tacada ameaçadora à identidade de adulto e à autoridade desta categoria etária sobre os seres em formação (crianças e adolescentes), e, portanto, para protegê-las, há uma necessidade de reificação e categorização, e diz-se: são coisas de adolescente.

A escolarização, como conseqüência, estabeleceu um processo de separação entre seres adultos e seres em formação.
Nesta ordem hierárquica, a infância e a adolescência tornaram-se os representantes do presente, cabendo ao passado (adultos produtivos e a ordem por eles estabelecida) o papel de subjugar os seus elementos de transformação. Portanto, a educação tornou-se o fundamento para o ordenamento do mundo moderno, que ocorre de
cima para baixo, das classes dominantes para as classes populares; dos adultos (ordem estabelecida) para as crianças e adolescentes (seres em formação).
Os adolescentes se tornaram, desde o início do século XX, um grupo etário delimitado que vive uma fase quando o indivíduo possui menores responsabilidades, sendo tutelado pelos pais e/ou Estado.
A visão de que o adolescente ainda não alcançou uma competência crítica, social e política proporciona inevitavelmente uma necessidade do desenvolvimento de uma pedagogia por parte dos adultos sobre estes seres em formação, com o intuito de controlá-los.
O conceito, a definição e a existência da adolescência é de interesse acadêmico, médico e das ciências psicológicas e sociais, bem como dos interesses políticos hegemônicos – mas não do adolescente em seu cotidiano, no seu dia-a-dia, na sua vida.
Muitas são as manifestações culturais praticadas por adolescentes que são desenvolvidas nas periferias dos grandes centros urbanos, como por exemplo, escolas de samba, blocos carnavalescos, religiões afro-brasileiras, rodas de samba etc. No entanto, gostaríamos de enfatizar um movimento que está progressivamente tomando força nas periferias e que é desenvolvido principalmente por jovens negros: o movimento Hip Hop, que tem transformado para muitos jovens o lazer em forma de luta e resistência.

O Hip Hop é um movimento de cultura juvenil que surgiu nos Estados Unidos, nos últimos anos da década de 1960, unindo práticas culturais dos jovens negros e latino-americanos nos guetos e ruas dos grandes centros urbanos. O movimento é constituído pela linguagem artística da música (RAP-Rhythm and Poetry, pelos rappers e DJ´s), da dança (o break) e da arte plástica (o graffiti) (Rose, 1994).
No Brasil do final dos anos 80, o movimento Hip Hop, especialmente o ritmo musical Rap, tornou-se para os jovens da periferias urbanas um meio fecundo para mobilização e conscientização.
Esses grupos são organizados por rappers, DJ´s, grafiteiros e breakers de uma mesma região e são denominados de Posses (Andrade, 1999).
As posses e, especialmente, os grupos de Rap começaram a alcançar visibilidade no início dos anos 90 no Brasil, sendo caracterizados por ações coletivas bem definidas de conscientização política e exercício da cidadania. As posses mantêm contatos com entidades do movimentos negros (do Brasil e do exterior), participam de eventos, simpósios e congressos promovidos por essas entidades, e se propõem a trabalhar com a questão racial, a pobreza, as drogas e a violência da sociedade brasileira; e incentivam e procuram conhecer as biografias de personalidades negras, elaboram panfletos com o resumo destas biografias e as distribuem nos pontos de encontro da juventude negra (Andrade, 1997, 1999).
Você fala

“pô, o cara não está falando bobagens!”. Se ele prega a ideologia, ele está falando alguma coisa séria... alguma coerência tem na letra. Então a gente pensa assim, a partir do momento que você pára para pensar, você pára pra prestar atenção ao que aquele cara está tretando ali em cima... então, tudo bem, beleza se for bater palma para ele, mas você vai bater palma é para você mesmo. Porque é o seguinte, você não veio ver ele, ele saiu do meio de vocês. Para mim a conscientização e mostrar a realidade é o meu papel no Hip Hop”. (MC D.)

(...) É uma educação assim, da mesma forma que tem a escola, tem o Rap. (Mano C.)

Esse aprendizado acontece no âmbito da comunicação oral e é carregado de representações e tradições culturais, bem como de emoções, pensamentos e desejos. As posses, portanto, são espaços para a criação e recriação do grupo para exercício pleno de cidadania.

Ilustrando este processo de educação não-formal das posses, MC Foz relata, na revista Caros Amigos (op. cit., p. 5):
“Eu estudo, estou no segundo ano do colegial porque, apesar dos pesares, a gente precisa de um diploma. Mas não posso depender da escola para aprender, aqui mesmo (na Posse) eu aprendo mais”.

O Rap (Rhythm and poetry) é um estilo musical originado do canto falado da África ocidental, adaptado à música jamaicana da década de 1950 e influenciado pela cultura negra dos guetos americanos no período pós-guerra. As letras das canções de Rap são denúncias da exclusão social e cultural, violência policial e discriminação racial; constituindo-se de longas descrições do dia-a-dia de jovens que vivem nas periferias de centros urbanos (Silva, 1999).
A força pedagógica do Rap, e do movimento Hip Hop como um todo, também pode ser evidenciada pela parceria de rappers com escolas públicas, tal como exercido pelo projeto “Rap...ensando a Educação”, desenvolvido pela administração pública popular da prefeitura de São Paulo, no início dos anos 90.

Interagindo desse modo, eles trazem para dentro da escola o debate sobre questões
pertinentes à realidade social e cultural que as crianças e adolescentes vivem, criando uma interlocução que estabelece uma alternativa de informação e de conduta aos alunos, promotora de um visão mais crítica do mundo que os rodeia.

O depoimento do MC D. revela a importância do papel do Hip Hop nos processos educativos fora ou dentro das escolas:

O papel do Hip Hop é união (...). A gente entra na sala de aula e vamos discutir isso aí, a professora não está só na sala de aula. Se ela gosta do assunto, tiver andamento e tiver conferido coerência no papo, logicamente ela vai repetir em outra aula. Então ela vai estar unindo pessoas de certo modo, pra que um dia se elas terem que usar isso, elas vão saber usar e com quem usar. O Hip Hop é isso.

Há uma evidente transgressão produzida pelos adolescentes e jovens que participam e (re)criam o Hip Hop brasileiro e suas práticas pedagógicas. Essa transgressão é entendida não em um sentido de desvio delinqüente, mas, da mesma forma que a conceitua Vieira (1996), como uma possibilidade de entrar em contato com o diferente, constatando alternativas à monocultura e construindo uma interculturalidade.
Nessa perspectiva, os adolescentes participantes do movimento Hip Hop transgridem quando tomam as rédeas de seu próprio processo educativo, fazendo-o contextualizado com suas vidas, sua história, suas experiências, suas necessidades e, também, com seus sonhos, projetos e desejos. Assim, estes adolescentes deixam de ser meros atores e agentes de um modelo social que os exclui e discrimina, e os idealiza, os teme e os controla; e se tornam também autores de si próprios.

A educação não-formal é definida por Gohn (1997) como um processo de quatro dimensões. A primeira dimensão envolve a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos como cidadãos; a segunda, a capacitação dos indivíduos para o trabalho; a terceira é aprendizagem e exercício de práticas que capacitam os indivíduos a se organizarem com objetivos comunitários; e a quarta é a aprendizagem dos conteúdos da escolarização formal. A educação não-formal se caracteriza também por haver uma intencionalidade dos sujeitos para criar ou buscar certos objetivos por meio de ações e práticas coletivas organizadas em movimentos, organizações e associação sociais.





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7 - CORPO E MOVIMENTO - Denise Sardinha Mendes Soares de Araújo

Corpo e Movimento na Educação resumo aula 01
Um pouco sobre a história do corpo, da Pré-História ao século XVI

O PENSAMENTO COMPLEXO DE EDGAR MORIN
Edgard Morin defende a idéia de que os fenômenos humanos devem ser entendidos não apenas no espaço epistemológico da simplificação, mas também, na complexidade que diz respeito a todos os níveis do real: físico, biológico, antropológico, filosófico e sociopolítico.

Morin acredita que qualquer fenômeno humano pode ser interpretado em diferentes dimensões: pedagógica, social, cultural, biológica, histórica, política etc. Em qualquer abordagem escolhida, o corpo torna-se um dos principais pontos de referência, ao falarmos sobre vivência corporal.

Por que é importante para um pedagogo conhecer como as sociedades vivenciavam o corpo no decorrer dos tempos? É importante atentarmos para as abordagens históricas, porque essas diferentes visões transformam o comportamento do ser humano e a sua maneira de lidar com as atividades físicas, a sua qualidade de vida, a sua própria saúde e, com o corpo das pessoas, na sua vida profissional.

Você, como profissional de Educação, estará na escola desenvolvendo experiências corporais com seus alunos, mesmo que não tenha uma visão clara disso. Meu objetivo é ajudá-lo a fazer sua escolha pedagógica. Querendo ou não, as experiências com o corpo ficarão marcadas na existência dos seus futuros alunos das primeiras séries do Ensino Fundamental

Observe que a nossa disciplina trata do corpo e do movimento, diferentemente da disciplina História. Imagine, então, durante a leitura das aulas, o modo como os povos se movimentavam e viviam a experiência corporal.

A Pré-História pode ser dividida em três períodos: Paleolítico, Mesolítico e Neolítico.

PALEOLÍTICO OU IDADE DA PEDRA LASCADA
Nessa época, as pessoas habitavam cavernas, muitas vezes tendo de disputar esse tipo de habitação com animais selvagens. Quando acabavam os alimentos de onde habitavam, as famílias migravam para outra região.
Dessa forma, apresentavam uma vida NÔMADE. Nesse período, os seres humanos se comunicavam com uma linguagem rudimentar, baseada em poucos sons, sem a elaboração de palavras. Utilizavam muito a comunicação gestual.

PERÍODO MESOLÍTICO
Nesse período intermediário da Pré-História, o homem conseguiu dar grandes passos rumo ao desenvolvimento e à sobrevivência, de forma mais segura. O domínio do fogo foi o maior exemplo disso. Com ele, o ser humano pôde espantar os animais, cozinhar, iluminar sua habitação, além de conseguir calor nos momentos de frio intenso. Outros dois grandes avanços foram a evolução da agricultura e a domesticação dos animais. Cultivando a terra e criando animais, o homem conseguiu reduzir sua dependência em relação à Natureza. Com esses avanços, inclusive, foi possível a SEDENTARIZAÇÃO pois a habitação fixa tornou-se uma necessidade.
Assim, o homem do Neolítico produziu o fogo por meio do atrito e deu início ao trabalho com metais, desenvolveu a técnica de tecer panos, de fabricar cerâmicas e construiu as primeiras moradias, tornando-se o primeiro arquiteto do mundo. Todas essas conquistas técnicas, certamente, tiveram um forte reflexo na arte e na condição física dos seus corpos, pois com a chegada do conforto e a possibilidade de utilização dos dorsos dos animais domesticados para o seu transporte, o homem passou a caminhar pouco e a desenvolver menos força muscular.

NEOLÍTICO OU IDADE DA PEDRA POLIDA
Nessa época, o homem atingiu um importante grau de estabilidade. Com a sedentarização, a criação de animais e a agricultura em pleno desenvolvimento, as comunidades puderam trilhar novos caminhos.
O surgimento da metalurgia representou um avanço importante. Criando objetos de metal, tais como lanças, ferramentas e machados, os homens puderam caçar melhor e produzir com mais qualidade e rapidez.
A produção de excedentes agrícolas e sua armazenagem, por sua vez, garantia o alimento necessário para os momentos de seca ou de inundação. Com mais alimentos, as comunidades foram crescendo, e logo surgiu a necessidade de trocas com outras comunidades.
A divisão de trabalho, nessas comunidades, aumentou ainda mais, dando origem ao trabalhador especializado. O corpo do homem, então, passou a ser utilizado para a produção, e não somente para a sobrevivência a seus predadores.

A GRÉCIA ANTIGA
A civilização grega surgiu entre os mares Egeu, Jônico e Mediterrâneo, por volta de 2000 a.C. Formou-se após a migração de tribos nômades de origem indo-européia, como, por exemplo, aqueus, jônios, eólios e dórios.
A história da civilização registra que a sociedade grega serviu de berço para a cultura, a educação e a civilização ocidentais. Os gregos tinham visão universal sobre o homem livre, apesar de manterem dezessete escravos para cada homem livre (GADOTTI, 1998). Por volta do século VIII a.C., surgiram as pólis, cidades-Estado, formas que caracterizavam a vida política dos gregos. O grego, em geral, realizava a síntese entre
educação e cultura. A educação do homem integral passava pelo corpo, na ginástica; pela mente, na Filosofia e na Ciência; pela moral e pelos sentimentos, nas Artes.
A filosofia grega também atingiu um desenvolvimento surpreendente, principalmente em Atenas, no século V (período clássico da Grécia). PLATÃO e SÓCRATES eram os filósofos mais conhecidos deste período.

Idéias de Platão para a Educação:
Platão valorizava os métodos de debate e conversação como formas de alcançar o conhecimento. A educação, para o filósofo, deveria funcionar como forma de desenvolver o homem moral, assim como dedicar esforços para o desenvolvimento intelectual e físico dos alunos (observe aqui, também, a valorização da condição física do corpo). As aulas deveriam abordar temas associados à retórica, debates, educação musical, geometria, astronomia e educação militar. Para os alunos de classes menos favorecidas, Platão dizia que deveriam buscar trabalho a partir dos 13 anos de idade. Afirmava, também, que a educação da mulher deveria ser a mesma educação aplicada aos homens.

Palavras atribuídas a Sócrates: “A ociosidade é que envelhece, não o trabalho. O início da sabedoria é a admissão da própria. Todo o meu saber consiste em saber que nada sei.”

A INSTRUMENTALIZAÇÃO DO CORPO
O corpo como instrumento da alma era a doutrina dos grandes filósofos medievais e antigos como Platão (V-IV a.C.), Aristóteles (IV a.C.), Santo Tomás de Aquino (XIII), Hobbes (XVIII) e outros. Descartes, na Idade Moderna (XVII), com o seu pensamento – penso, logo, existo –, passou a considerar o corpo e a alma como substâncias diferentes e independentes, confirmando, assim, a idéia de um dualismo. A revolução científica ocorrida por volta dos séculos XVI e XVII (1500 e 1600) e conduzida por cientistas e pensadores como Copérnico (1473-1543), Galileu (1564-1642) e Francis Bacon (1561-1627), dentre outros, sedimentou essa visão dualista cartesiana com a criação do método científico que divide o todo em partes, para explicá-lo.
A divisão cartesiana entre matéria e mente provocou um efeito profundo no pensamento ocidental. Esse pensamento resultou em uma divisão entre o trabalho intelectual e o manual, conseqüência da divisão social. Passamos a nos ver como seres isolados dentro de corpos e a atribuir ao trabalho mental um valor superior ao trabalho manual. Essa era a teoria do passado moderno.

Os gregos valorizavam a educação integral, harmonizando corpo, mente, moral e ética. No pensamento cartesiano essa integralidade é estratificada, e existe uma valorização da mente em detrimento do corpo, resultando em valorização do trabalho intelectual em detrimento do manual.

A ciência moderna vem denunciando que o universo não pode ser considerado como uma máquina formada por peças distintas a serem exploradas separadamente. O homem começa a perceber, então, que o paradigma de Descartes (cartesiano) está superado em seus fundamentos, e que mente e corpo funcionam em consonância e dependem entre si, coadunando-se com as reflexões de Edgard Morin sobre o pensamento complexo. Uma outra constatação é que a ciência não é neutra. Ela é sempre fomentada por valores sociais e culturais.
Assim sendo, muitos autores discordam do pensamento cartesiano dizendo que, muito antes do pensamento lógico-racional de Descartes e das ciências experimentais de Newton, na Física, o homem já fazia a experiência existencial do corpo, isto é, muito antes dos acontecimentos científicos sobre o corpo, cada indivíduo já construía para si uma imagem de corpo a partir de sua experiência pessoal. Por outro lado, a literatura comprova que a maioria das pessoas não tem uma compreensão científica do seu próprio corpo, ainda hoje. Contudo, têm uma compreensão do corpo elaborada pela maneira de vivenciá-lo. Esse pensamento lógico racional, segundo os críticos, não busca apenas a verdade, e fundamenta-se na crença de que a ordem social, a razão, a inteligência ou a mente são os valores supremos. Nessa ordem social, o homem dotado do saber
intelectual torna-se aquele que exerce o poder. O empirismo do século XVII, de Jonh Looke e David Hume, da Inglaterra, não se coadunava com o racionalismo de Descartes. Eles valorizavam o saber construído pelo corpo, os sentidos, a sensibilidade, o conhecimento da experiência existencial e o conhecimento popular, mesmo que esses não tivessem o crédito da cientificidade oficial.
Terminamos voltando ao princípio de pensamento complexo defendido por Edgard Morin, no qual os fenômenos humanos devem ser interpretados em diferentes dimensões.

Fomos da Pré-História ao século XVI, resumidamente. Porém, a sua reflexão sobre o corpo do HOMEM (um dos eixos curriculares do nosso curso) em diferentes momentos históricos e a maneira como a experiência corporal era vivida (vivência corporal) pode resultar em uma TRANSFORMAÇÃO (outro eixo curricular do nosso Projeto Político- Pedagógico) das suas ações e atitudes no seu cotidiano profissional, ajudando a SOCIEDADE.

HOMEM, TRANSFORMAÇÃO E SOCIEDADE
São os três eixos curriculares do projeto político-pedagógico do curso de Pedagogia para os anos iniciais do Ensino Fundamental.

O período da Pré-História pode ser dividido em três períodos: Paleolítico, Mesolítico e Neolítico. Em todos eles, o corpo servia como objeto de defesa e sobrevivência.
Na Grécia Antiga, Atenas e Esparta divergiam quanto à formação do homem ideal num duelo entre o corpo e a mente.
No século XVI, a divisão cartesiana entre matéria e mente teve um efeito ainda mais profundo sobre o pensamento ocidental, reforçada pela revolução científica.


Resumo aula 2 Corpo e Movimento na Educação
Vivência corporal do século XVIII ao século XXI

Estamos trazendo, agora, nossas reflexões sobre o Século das Luzes e os séculos da Guerra Fria e dos movimentos de contracultura – o movimento hippie e o Tropicalismo brasileiro. Quando se afirma que o século XX foi o “século do corpo” e que, certamente, o século XXI continuará a sê-lo, devemos perguntar de que corpo estamos
falando? Um corpo transgressor, disciplinado, saudável? Pode o corpo ajudar a população do século XXI a encontrar o que vem buscando incessantemente: a qualidade de vida (ARAÚJO, 2004)?
Há, sem dúvida, nesses séculos, um enorme acervo de novas perspectivas e de contribuições teóricas acerca da temática do corpo. Podemos pensar, a título de exemplo, nas contribuições que nos trouxeram os estudos sobre a imagem e o esquema corporal, o papel central do corpo no desenvolvimento infantil, sobretudo para Le Boulch (1990) e Piaget (1976) e, ainda, a perspectiva filosófica fenomenológica que investiu o corpo de uma dignidade central no contexto do humano.

SÉCULO DAS LUZES
O século XVIII, conhecido como Século das Luzes, valorizava o método científico e trazia como novidade, em termos de poder sobre o corpo, a disciplina, os métodos, a preocupação com o espaço. Segundo Foucault (1997), a disciplina a que o corpo foi imposta, nos séculos XVII e XVIII, aumentou a sua força econômica em termos utilitários, mas, ao mesmo tempo, diminuiu essa mesma força em termos políticos, pois o tornou um corpo disciplinado e obediente.
No século XVIII, procedimentos como a exigência de fileiras de alunos nas escolas, a ordenação dos alunos por idade ou a construção das escolas-edifícios evidenciavam a submissão do corpo a determinadas regras disciplinares. Se compararmos a liberdade da vivência corporal na Pré-História, por exemplo, com a vivência corporal nas escolas, a partir do século XVIII, podemos observar a perda da liberdade e até certa imobilização corporal. Além da imobilização, as punições corporais e mentais explícitas
e toda uma série de processos sutis, que vão do castigo físico leve a privações ligeiras e pequenas humilhações, causaram muito sofrimento mental e corporal, quase sempre retirando dos alunos o prazer de freqüentar a escola.

Explique, em poucas linhas, a afirmação de Foucault (1997): As diferentes formas de disciplina se tornaram, nos séculos XVII e XVIII, fórmulas gerais de dominação, que aumentam as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminuem essas mesmas forças (em termos políticos de obediência).
Resposta: Ao mesmo tempo que, nesses séculos, aumentam as atenções sobre o corpo,
porque ele é utilizado como força de trabalho e como um veículo de consumo para a economia, diminui o seu prestígio, porque o trabalho intelectual é mais valorizado do que o corporal.

Entre os séculos XVIII e XIX, as relações sociais de trabalho sofreram profundas mudanças. O corpo individual, como unidade produtiva, passa a ser um instrumento a mais a ser meticulosamente controlado com o objetivo de se tornar útil ao capital. Para a sociedade capitalista, passou a ser importante que os corpos dos trabalhadores fossem saudáveis, para produzir mais. Os aspectos biológicos e somáticos do corpo tornaram-se, portanto, valorizados.
Ao estudar as relações sociais do trabalho com o capital, o pensador MARX (1848) analisou o efeito do poder institucionalizado sobre o corpo, tentando resgatar o seu valor verdadeiramente humano, mesmo que circunscrito à situação de trabalho.
Pesquisadores em História da Educação Física descrevem que essa área ajudou a fabricação de corpos disciplinados e submissos, voltados à produção. A formação de corpos fortes e atléticos, preparados para o trabalho e desfiles de marchas de guerra, comprova essa afirmação. Para esses pesquisadores, os profissionais da área de Educação Física ignoravam os sofrimentos impostos ao corpo do trabalhador proletário. Em contrapartida, existem estudiosos que defendem, racionalmente, a eficiência da educação disciplinar imposta ao corpo, pois, por meio dela, o progresso econômico e os descobrimentos de novos mundos realmente avançaram.

Tanto na Idade Média quanto na Moderna, render-se aos prazeres do corpo e valorizá-los significava agir contra as regras da Igreja. Apesar disso, a beleza física era um constante atributo exaltado pelos artistas da época. A Igreja Católica dominava, então, o cenário religioso. Detentora do poder espiritual, ela influenciava o modo de pensar, a psicologia e as formas de comportamento e também tinha grande poder econômico, pois possuía terras em grande quantidade e até mesmo servos trabalhando. GIOVANNI BOCCACCIO, autor do século XIV, exaltava em suas obras o vigor físico masculino e a suavidade da beleza feminina, muito embora o corpo, principalmente o da mulher, fosse considerado um meio para o pecado, e o seu valor, condenado pela Igreja. Um documento religioso cristão do século XV, O martelo das feiticeiras, serve de exemplo para esse fato.

No século XVIII, as mulheres mostravam-se assexuadas, puras, “rainhas do lar”, tendo a RAINHA VITÓRIA como referência de corpo e de comportamento. O corpo deveria ser rechonchudo para procriar.

As mulheres, nessa época, não gozavam de prestígio social, e o seu corpo, por ser diferente do corpo masculino, assustava a sociedade.
Aristóteles acreditava que as mulheres eram homens defeituosos ou monstruosos porque as suas genitálias, contidas internamente, não tiveram a força e o calor suficientes para se desenvolver.

Assim como nos séculos anteriores, eram os filósofos que interpretavam as questões corporais. No século XIX e princípio do século XX, com Freud, passamos a interpretar a corporeidade e a sexualidade à luz da Psicanálise. A Psicologia passou a possuir essa prerrogativa.

O CORPO BRASILEIRO NO SÉCULO XIX
Apesar da diferente forma de interpretação das questões do corpo, no Brasil a aristocracia resistia às atividades físicas por estas não se identificarem como atividades da elite social. O trabalho intelectual ainda era mais valorizado.
Para a aristocracia, uma pele bronzeada pelo sol, ao ar livre, não era de bom alvitre, pois lembrava a classe trabalhadora. As adolescentes deveriam ter a pele alva e o corpo arredondado para se diferenciarem da pele e da forma da classe trabalhadora.

Para termos uma idéia mais precisa, quando a educação física começou a ser praticada no Brasil, em 1874, foi muito mal recebida pelos pais, que ameaçavam tirar suas filhas da escola para evitar que vestissem roupas apropriadas às atividades físicas e mudassem o seu somatotipo (ARAÚJO, 2001).

Com o fim do tráfico negreiro e a expansão da lavoura cafeeira, começava a crise de mão-de-obra no Brasil. Para debelá-la, recorreu-se, então, à imigração européia: uma troca de corpos. Onde não houve importação de estrangeiros, utilizou-se mão-de-obra nacional, que ficava em segundo plano.
RUI BARBOSA se insere nesse contexto, pregando que a educação escolar deveria moldar a grande massa constituída pelo povo (ANZAI,1989) e a Educação Física poderia ajudar neste intento, fabricando a imagem do indivíduo forte, robusto, saudável e disciplinado, de que tanto carecia a nova sociedade brasileira em formação.
Nesse período econômico e social, ele viveu e compôs a sua obra pedagógica, como representante da intelectualidade da classe média. Assim, por volta de 1880, Rui Barbosa, na época deputado, divulgava os benefícios das atividades físicas, instituindo a ginástica nas escolas para ambos os sexos.

SÉCULO XX E XXI
No século XX, depois das guerras, surgiram os movimentos feministas (1960 -1970), pregando a emancipação do gênero e da vida sexual. Um dos mais famosos movimentos de contracultura de que se tem notícias sai da submissão do corpo feminino pela subversão puritana e platônica da “suspeição” do corpo, por meio do MOVIMENTO HIPPIE, nas décadas de 1960 e 1970. Nele, a corporeidade era vivida com liberdade irrestrita, por homens e mulheres.

No Brasil, vivíamos uma ditadura nessa época, e era impossível haver manifestações. O movimento cultural mais próximo ao hippie, no Brasil, foi o chamado Tropicalismo, na década de 1960, que, recorrendo ao deboche, à irreverência e à improvisação, revolucionou a música popular brasileira, que antes se restringia basicamente à bossa-nova. Os tropicalistas criticavam a forma ditatorial de governo e buscavam a liberdade de expressão do brasileiro, a liberdade de obter informações e de estar ligado ao mundo. Além disso, eles transformaram os gostos da época, não só em relação à música e à política, mas também ao comportamento (como, por exemplo, os mais variados movimentos estudantis), à moral, ao sexo e ao modo de se vestir. Infelizmente, a maioria dos praticantes do Tropicalismo foi perseguida, e alguns artistas, como Gilberto Gil e Caetano Veloso, foram exilados por apresentarem, em suas músicas, críticas contrárias ao regime de governo.

No final do século XX e início do século XXI, o corpo do homem volta a ser forte e musculoso. Surge o conceito clínico da DISMORFIA muscular, representada por uma alteração da auto-imagem da morfologia corporal (ARAÚJO, 2001), na qual os indivíduos desenvolvem uma preocupação patológica com sua conformação muscular, que afeta principalmente os fisiculturistas e aqueles que usam esteróides anabólicos, objetivando um ganho rápido e expressivo na sua massa muscular (OLIVARDIA, 2000).

Como preocupação geral, o culto ao corpo está presente em todos os segmentos sociais; por isso, a maneira como ele se realiza em cada grupo é diversificada. Assim, a linguagem corporal, a vestimenta e o consumo alimentar são marcados socialmente pelo poder aquisitivo. É possível entendermos a preocupação com o culto ao corpo como traço característico das sociedades contemporâneas. No fim da década de 1920, as indústrias de cosméticos, de moda e de publicidade de Hollywood passam a vender, como produto, o corpo esbelto, esguio. A combinação dessas quatro indústrias foi fundamental para a vitória do corpo magro sobre o gordo, no decorrer do século XX.

No formato de corpo das modelos, a beleza ectomorfa (formato de corpo linear predominante) é o objetivo, enquanto no modelo da mulher desportiva, hipertrofiada e mesomorfa (formato de corpo com hipertrofia muscular predominando), o paradigma exercício e saúde é o que parece estar sendo buscado, construindo um outro modelo de corpo e de beleza.

O século XVIII traz como novidade o poder que a disciplina, os métodos e a preocupação com o espaço têm sobre o corpo. Naturalmente, as atividades e os exercícios físicos estavam também refletindo a ordem do século. Daí ouvirmos que a Educação Física brasileira tem uma história de disciplina e rigidez militar. No século XIX, as relações sociais de trabalho sofreram profundas mudanças, como na Europa, onde o corpo individual, como unidade produtiva, passou a ser um instrumento útil ao capital. No século XX, surgiram os movimentos feministas e os movimentos de contracultura. No movimento hippie, a corporeidade era vivida com liberdade irrestrita. No século XXI, o corpo do homem volta a ser forte e musculoso. Surge a indagação: A que corpo, afinal, é o referencial do século XXI: o musculoso dos dismórficos? O macérrimo das modelos? A busca do modelo de corpo bem condicionado fisicamente da “geração saúde” afirma-se como uma tendência atual de busca de comportamentos.


Resumo aula 03 Corpo e Movimento na Educação
Aspectos sociais, antropológicos e culturais do estudo do corpo e das atividades físicas

Os estudos do corpo passaram por diferentes abordagens. Para os filósofos da Antigüidade, como Platão e Aristóteles, e medievais, como São Tomás de Aquino e Hobbes, o corpo era um instrumento da alma guiado pelos sentimentos e pelos deuses. Na Idade Moderna, século XVII, surgiu Descartes, alterando essa abordagem. Afirmava que o corpo e a alma eram substâncias diferentes e independentes, e que a mente, e não a alma, guiava o corpo. Daí surgiu o pensamento dualista cartesiano, separando o corpo da mente. A Revolução Científica, ocorrida entre os séculos XVI e XVII, sedimentou essa visão cartesiana, criando o método científico, que estuda os fenômenos, dividindo-os em partes, para a sua compreensão pelo método experimental, racional. Assim sendo, as ciências racionais da Natureza passaram a reger o Universo e seus fenômenos, anulando a influência dos deuses e da alma. No entanto, o filósofo Emmanuel Kant, no século XVIII, com o seu método de estudo, o criticismo kantiano, fez três importantes críticas sobre a Ciência e a Metafísica: a Crítica da Razão Pura, a Crítica da Razão Prática e a Crítica do Juízo. Nelas, ele aborda os limites do conhecimento, explicando que até a razão humana pode ser imperfeita e
impotente para conhecer tudo sobre um determinado fenômeno, e advoga que o ideal seria a união do mundo das ciências da Natureza com o mundo moral do conhecimento sensível (que abrange as instituições sensíveis) e o mundo do conhecimento inteligível (que trata das idéias metafísicas) (WELSCH, 1988).
Esses estudos de Kant, com base na tradição racionalista ocidental, tornaram possível a realização de uma educação integral que inclui, hoje, a intelectual (cognitiva), a física (corporal) e a moral. No entanto, apesar de Kant defender a união entre os diferentes tipos de conhecimento, sem que um se sobreponha a outro, na tradição ocidental, a educação mental ou intelectual goza, ainda, de superioridade perante a educação corporal.
Até mesmo as teorias positivistas são mentalistas. Somente a psicanálise valoriza o corpo, não racionalizado, como elemento importante para o entendimento das ações humanas (BRACHT, 1999). Interessante é que até as teorias da construção do conhecimento e as da aprendizagem, com raras exceções, não considerem o corpo na aprendizagem.
Para estas teorias, é o intelecto que aprende, e, inclusive, as teorias sobre aprendizagem motora são, em parte, cognitivistas. O papel da corporeidade na aprendizagem foi historicamente subestimado, negligenciado (ASSMANN, 1996).

Os estudiosos da Educação Física, mais radicais em suas críticas, consideram que o crescimento do prestígio dos estudos do corpo, atualmente, se dá pelas necessidades produtivas (corpo produtivo), sanitárias (corpo “saudável”), morais (corpo deserotizado) e, ainda, pelas necessidades de adaptação e controle social (corpo dócil) (FOCAULT, 1994). Nessa perspectiva, o corpo precisaria ser alvo de educação.

A EDUCAÇÃO CORPORAL É DE RESPONSABILIDADE DE TODOS NA ESCOLA
A educação do comportamento corporal acontece, também, em outras instâncias e em outras disciplinas escolares. O currículo escolar, apresentado de forma hierarquizada e disciplinar, em vez de uma forma interdisciplinar, transfere essa responsabilidade apenas à Educação Física.
O quadro teórico das propostas pedagógicas em Educação apresenta-se, hoje, bastante diversificado. Contudo, a prática pedagógica das escolas brasileiras, em todas as áreas, ainda resiste a mudanças. A Educação Física, em geral, valoriza muito, na escola, o paradigma da aptidão física e esportiva, embora, nas últimas duas décadas, várias tendências tenham sido manifestadas: a desenvolvimentista, a críticos-uperadora, a crítico-emancipatória – influenciadas por Paulo Freire (KUNZ, 1991) –, a dialógica, a de aulas abertas e outras.

Saúde não se caracteriza apenas como um estado de ausência de doenças nos indivíduos, mas como um estado geral de equilíbrio, nos diferentes aspectos e sistemas que caracterizam o homem: social, emocional, mental, intelectual e biológico, psicológico, respectivamente, resultando em sensação de bem-estar.

A qualidade de vida pode existir em termos individuais, em grupos ou em grandes populações. Os domínios de qualidade de vida mais freqüentemente descritos na literatura dividem-se em quatro categorias:
• condição física e habilidades funcionais;
• condição psicológica e sensação de bem-estar;
• interação social;
• fatores e condições econômicas.

Embora esses quatro fatores devam ser considerados quando avaliamos a qualidade de vida de um indivíduo ou de um grupo de pessoas, em países em desenvolvimento, como o Brasil, devemos, provavelmente, considerar um outro fator: os direitos humanos (isto é, direito à educação, à moradia, ao trabalho, ao emprego, à segurança pública) (ARAÚJO, 2004). Sem esses direitos básicos e primários garantidos, não podemos sequer iniciar uma avaliação sobre os níveis de qualidade de vida das pessoas.

Apesar da diversidade étnica e cultural, o corpo humano sempre foi retratado, na cultura ocidental, como um corpo forte, com baixo percentual de gordura. Algumas culturas, no entanto, consideram que a gordura representa opulência e poder. A figura do corpo, com maior ênfase em proporcionalidade corporal, músculos mais desenvolvidos e menor quantidade de gordura, talvez esteja relacionada com a figura do homem guerreiro ou atleta, tal como se observa nas figuras que retratam os Jogos Olímpicos da Era Antiga. Por outro lado, as mulheres buscam, cada vez mais, a linearidade como modelo de corpo.
A classificação de uma qualidade de vida boa ou ruim está diretamente relacionada com a maneira de o indivíduo entender o sentido da vida. Todas estas diferenças de opinião surgem de um atributo cultural que denominamos valor. Daí vem a importância de valorizarmos os efeitos culturais e sociais nas visões e interpretações dos fenômenos.


Resumo aula 04 Corpo e Movimento na Educação
Aspectos políticos do esporte e do corpo

POLÍTICA E ESPORTE
Definimos o que entendemos por política para apresentar como o esporte e o corpo podem ser utilizados para fins políticos. O esporte e a educação física tiveram, em diversos momentos da História, uma função ligada aos interesses políticos e estratégicos das instituições sociais e dos Estados.
Na Antigüidade, a prática do esporte não tinha uma finalidade política, apresentando como objetivo apenas o jogo em si mesmo. Já na Grécia Antiga, além de possuir valores morais e pedagógicos, o esporte era utilizado, na época escolar, como preparação militar para os jovens. Os espartanos eram guerreiros. Para eles, a ginástica e os jogos, juntamente com a educação moral religiosa, deveriam estar submetidos ao Estado. Os atenienses também valorizavam o esporte e os jogos, mas priorizavam o exercício da política. Os jogos gregos tinham caráter predominantemente político e religioso, sendo homenageados, neles, os deuses do Olimpo. Os Jogos Olímpicos proporcionavam o intercâmbio cultural entre as cidades-estado gregas e eram realizados para celebrar a paz entre os povos gregos (GODOY, 1996).

OS JOGOS ROMANOS E A POLÍTICA DO PÃO E CIRCO
Os Jogos Públicos surgiram em Roma, configurados em grandes espetáculos realizados nos circos e anfiteatros, onde ocorriam lutas entre gladiadores, corridas de bigas, combates com feras e as tristes e famosas execuções.
Na época do Império Romano, os Jogos foram utilizados como estratégia da Política do Pão e Circo para alienar a população diante das ações antipopulares do Imperador (GRIFI, 1989).
Empregou-se o termo “política do pão e circo”, na cultura romana, para os jogos religiosos realizados em grandes circos e anfiteatros, nos dias de festas sagradas e feriados. Esses jogos eram oferecidos pelos governantes romanos ao povo e serviam para aliviar as tensões sociais. Nessa política, o calendário de jogos foi expandido, chegando ao incrível número de 175 dias festivos, quando eram realizados os jogos e oferecidas cotas de pão à população.

A função alienadora e a utilização política dos Jogos Romanos, que já era aplicada durante a República grega, simbolizavam a pacificação entre os patrícios (aristocratas) e os plebeus (povo). No entanto, somente durante o Império Romano, os jogos alcançaram o seu apogeu, tornando-se grandes espetáculos e reunindo milhares de pessoas (RAMOS, 1982).

O uso do espetáculo dos Jogos Públicos, como ferramenta política dos governantes romanos, é análogo à instrumentalização sofrida pelo esporte na era contemporânea, quando a mídia bombardeia os espectadores com notícias esportivas, causando um desvio de atenção das pessoas dos assuntos importantes relacionados à política e ao cotidiano. Alguns cientistas políticos afirmam que a Copa do Mundo de Futebol de Campo, de 1970, foi utilizada, no Brasil, para distrair a atenção do povo das torturas que aconteciam nos porões da ditadura militar sob a qual vivíamos.
O USO POLÍTICO DO ESPORTE NA OLIMPÍADA DE BERLIM,
EM 1936
Em 25 de abril de 1931, o Dr. Theodor Lewald, secretário-geral do Comitê Olímpico alemão, apresentou as intenções da Alemanha em sediar os jogos de 1936 na cidade de Berlim. Como argumento, o Dr. Lewald apresentou os projetos, em andamento, para a construção de estádios e instalações esportivas. Também lembrou que a Alemanha havia sido escolhida para sediar os jogos de 1916, que acabaram não se realizando em função da Primeira Guerra Mundial. Assim, Berlim foi eleita.
Em 1931, a Alemanha era governada pela República de Weimar. A realização dos Jogos Olímpicos seria utilizada para exaltar a honra do povo alemão, abalada pelas imposições humilhantes do Tratado de Versalhes. No entanto, em 1936, os jogos acabaram representando os interesses de propaganda do governo totalitário nazista, tornando-se um marco de referência da utilização do esporte para fins políticos.
Hitler assumiu o cargo de chanceler alemão em 30 de janeiro de 1933. Com a morte do presidente Hindenburg, em agosto de 1933, Hitler assumiu, também, o cargo de presidente. Investido de plenos poderes, ele dissolveu os outros partidos e impôs uma caçada aos opositores do governo e aos judeus (JAGUARIBE, 2001).

USO POLÍTICO DO ESPORTE NO MUNDO CONTEMPORÂNEO
No mundo contemporâneo, o esporte passou a compor as estruturas neoliberais da economia de mercado, transformando-se em uma grande instituição financeira que representa os interesses das corporações transnacionais, as quais ditam as regras no mercado mundial. O Estado utiliza o esporte porque este é facilmente instrumentalizado politicamente pelo poder institucionalizado.
O esporte reúne as seguintes características, que o tornam suscetível à utilização política:
• é uma atividade com regras de fácil compreensão, sendo utilizado como elemento de comunicação de massa portador de uma linguagem simples.
• o Estado, por meio desta linguagem, utiliza o elemento de tensão emocional do esporte para veicular os seus objetivos e ideologias;
• oferece à população a possibilidade de identificação com o coletivo e com as aspirações patrióticas, dando sentido de união nacional;
• é um elemento alienador que permite ao espectador a compensação para as tensões e aflições da vida cotidiana;
• a apropriação do atleta como representante do sistema e os sucessos esportivos fornecem prestígio político;
• é reflexo da concepção de valores existentes na sociedade na qual está inserido. Isto lhe confere uma neutralidade interna, permitindo que o direcionamento político seja determinado de fora do seu contexto.

O ESPORTE E O CAPITALISMO
A desestatização do esporte e a inclusão do mesmo no mercado mundial caracterizaram as mudanças impostas pela globalização. Isso ocorreu porque o processo de mercantilização do esporte transformou as federações internacionais e o COI em grandes corporações financeiras transnacionais, que teceram uma rede de filiais por todo o mundo através dos Comitês Olímpicos nacionais e das confederações nacionais. Essas corporações esportivas mantêm relacionamentos comerciais com grandes empresas patrocinadoras, tais como a Coca-Cola, a Nike e a Adidas.

O CORPO UTILIZADO PARA FINS POLÍTICOS
No decorrer da História, o corpo desempenhou um papel muito importante, assim como o esporte, na política. Podemos exemplificar essa afirmação lembrando do corpo de Jesus Cristo, crucificado pelos judeus e pelos romanos. Nesse contexto, ele desempenhou o papel de mártir, assim como Che Guevara,Tiradentes, Joana d’Arc e outros vultos históricos que entregaram o seu corpo em nome de suas causas políticas e ideológicas. Os camicases são, também, exemplo de utilização da perda do corpo por
uma causa política.
As causas políticas têm no corpo um grande aliado, por sua característica de possibilidade de manipulação, de domesticação – o corpo disciplinado pela mente.
Outro exemplo de utilização política do corpo são os ataques terroristas, pior flagelo da Humanidade neste século, realizados por homens-bomba que explodem os seus corpos com explosivos muito potentes, matando pessoas nos chamados atentados das guerras santas (islamismo versus judaísmo). O maior desses ataques, o atentado conhecido como 11 de setembro, retrata bem o que queremos denominar como corpo político. Aviões do grupo terrorista Al Qaeda se chocaram propositadamente com os edifícios americanos do World Trade Center, matando milhares de pessoas, para confrontar forças com os americanos. Todos os terroristas do atentado deram a vida em nome da causa palestina.
Nem sempre o corpo e o movimento são utilizados para fins políticos partidários. Eles também podem ser alvo de políticas públicas de saúde, educacionais ou contra a violência.

Jovens de classes diferentes fazem a opção pela marginalidade, que inclui furtos, assassinatos, consumo e tráfico de drogas. Existe, contudo, um fator comum nesses jovens: a ociosidade. Programas de exercício e de esportes regulares ocupam os jovens
intelectual e fisicamente, ajudando na empreitada contra a violência urbana.
Finalmente, acreditamos que políticas e programas que orientem os cidadãos para a realização de atividades físicas também seriam muito bem-vindos, pois o cidadão, quando sai da escola, carrega consigo mitos e tabus sobre o exercício físico, o que atrapalha o desenvolvimento de seus próprios programas individuais de treinamento.

Desde a Antigüidade até os dias atuais, os esportes demonstram ter uma excelente aceitação por parte das sociedades e dos Estados. Infelizmente, o seu uso tem sido voltado, em demasia, para movimentos políticos e para fins ideológicos. Um exemplo disso é a utilização do esporte pela Inglaterra, por ocasião da Revolução industrial; pela Alemanha, no nazismo; pelos mulçumanos, nas Olimpíadas de Munique etc. Os homens-bomba provam como o corpo humano também pode ser utilizado para esses fins.


Resumo aula 05 - Corpo e Movimento na Educação
Aspectos biológicos do corpo e do movimento

A Anatomia é a ciência que estuda a estrutura, a localização e a forma do organismo e dos sistemas do corpo humano, enquanto a Fisiologia é a ciência que estuda o funcionamento dos órgãos e sistemas do corpo.

ANATOMIA DO SISTEMA MUSCULAR
Em nosso corpo, existe uma enorme variedade de músculos dos mais diferentes tamanhos e formatos. Temos, aproximadamente, 200 músculos, distribuídos, na mesma proporção, entre a região frontal e a dorsal. O sistema muscular é capaz de efetuar uma imensa variedade de movimentos por meio de contrações controladas e coordenadas pelo cérebro.
Os músculos são dotados da capacidade de contrair-se e de relaxar-se, e, em conseqüência, transmitem os seus movimentos aos ossos, que formam o sistema passivo do aparelho locomotor.

A FISIOLOGIA DOS MÚSCULOS E DO SISTEMA CARDIORRESPIRATÓRIO
Etapas da respiração – inspiração e expiração
A primeira etapa dessa cadeia de processos ocorre nos pulmões, onde o ar chega pela inspiração. Com a contração da musculatura inspiratória, o tórax se distende, aumentando de volume e fazendo a sua pressão interna ficar menor do que a pressão atmosférica (externa), resultando, assim, na sucção do ar para dentro dos pulmões. O principal músculo da inspiração é o diafragma, músculo grande que separa a cavidade torácica da abdominal. Quando o diafragma se contrai, abaixa-se e, conseqüentemente, aumenta o tamanho do tórax no sentido longitudinal.
Outros músculos importantes para a respiração são os intercostais, que ficam entre as costelas. Durante a inspiração profunda, alguns músculos do pescoço também ajudam.
Em condição de repouso, somente a fase de inspiração é ativa. Para expirarmos, basta relaxarmos a musculatura para que o fenômeno aconteça. Na expiração forçada, quando sopramos ou espirramos, por exemplo, os músculos expiratórios, como os da parede abdominal, contraem-se. Assim, o ar inspirado traz oxigênio em grandes quantidades, e o ar expirado retira o gás carbônico produzido pelo nosso metabolismo.

ETAPA DA RESPIRAÇÃO – AS TROCAS GASOSAS NOS PULMÕES
O corpo humano possui dois pulmões, sendo o esquerdo um pouco menor do que o direito, já que divide espaço com o coração. O ar que entra pelas narinas ou pela boca passa pela faringe, em seguida, pela laringe e finalmente chega à traquéia. Na entrada dos pulmões, a traquéia se
subdivide em dois brônquios, os quais vão se subdividindo, sucessivamente, em brônquios de diâmetros cada vez menores, até atingirem os alvéolos, onde ocorrem as trocas gasosas. Existem milhões desses alvéolos, que se organizam na forma de pequenos sacos.
Os alvéolos são cobertos por uma malha ou rede de vasos sangüíneos bem finos, os capilares. Apenas uma membrana muito fina separa o ar dentro dos alvéolos do sangue no interior dos capilares pulmonares. Essa organização resulta em uma enorme área de contato com as trocas gasosas. Ao contrário do ar inspirado, o sangue que chega aos capilares pulmonares, provenientes das diferentes regiões do corpo, é pobre em oxigênio. A diferença de concentração permite que as moléculas de oxigênio passem dos alvéolos para os capilares pulmonares. No sangue, quase a totalidade do oxigênio é transportada pela hemoglobina,
proteína que se encontra nas hemácias (glóbulos vermelhos).
Os glóbulos vermelhos, por terem vida muito curta – cerca de 90 a 120 dias –, necessitam ser sempre produzidos pelo organismo. Qualquer deficiência em sua produção ou um aumento em sua destruição pode levar à anemia, que consiste na diminuição do número de hemácias, que, por sua vez, prejudica o transporte de oxigênio. Essas hemácias são produzidas pela medula óssea, ou seja, por células especializadas que se encontram no interior de alguns ossos do organismo, principalmente os mais longos.

A FUNÇÃO DO SISTEMA CARDIOVASCULAR
O sistema circulatório se assemelha a um sistema de tubos formado por artérias e veias, cujo centro é o coração. Este sistema gera a energia mecânica necessária para a movimentação do sangue. Sua função é facilitar a condução de oxigênio e nutrientes e, também, a remoção de substâncias indesejadas nas células.
O funcionamento do coração é intermitente, com duas fases bem distintas: sístole, que corresponde à contração do músculo cardíaco, e diástole, responsável pelo relaxamento do coração. Poderíamos, então, dizer que o coração se enche de sangue na diástole e se esvazia na sístole. A quantidade de sangue ejetada pelo coração vai depender de dois fatores: o número de vezes que ele se contrai e o volume de sangue ejetado a cada batimento.
Freqüência cardíaca é o número de contrações do coração, por minuto. Em um adulto, gira em torno de 70 a 80 batimentos por minuto.
Débito cardíaco é a quantidade de sangue ejetado pelo coração, a cada minuto.
O coração é uma bomba inteligente que ajusta a sua vazão (o ritmo de recebimento de sangue) à demanda do organismo, se está em repouso ou em exercício, por exemplo. Ele consegue ajustar essa vazão pela variação da freqüência cardíaca e, também, alterando a sua força de contração e, assim, aumentando a quantidade de sangue ejetada em cada sístole. Essa vazão é o que denominamos volume sistólico. Durante o exercício físico, o coração bate mais rápido e mais forte; portanto, com uma freqüência cardíaca maior. O resultado é, então, um maior volume sistólico.

A PRESSÃO ARTERIAL
Ela depende do débito cardíaco e da resistência vascular total do escoamento de sangue para os órgãos, chamada resistência vascular periférica total. Poderíamos comparar a pressão arterial com a pressão dentro de uma mangueira de água, que pode ser aumentada quando abrimos mais a torneira ou apertamos a extremidade de saída da água.
Uma diferença importante é que o coração é uma bomba intermitente; por isso, a pressão arterial aumenta durante a sístole até atingir um valor máximo chamado pressão sistólica e diminui durante a diástole até chegar à pressão mínima ou diastólica. Durante o exercício físico, a pressão sistólica aumenta, enquanto a pressão diastólica não se altera.

CIRCULAÇÃO PULMONAR E SISTÊMICA
Esses dois sistemas circulatórios, o pulmonar e o sistêmico, estão ligados entre si pelo coração. A partir dos ventrículos, o sangue é bombeado por uma artéria de grande calibre, a aorta, que vai-se dividindo e diminuindo de calibre. Quando chega aos órgãos, o vaso sangüíneo é chamado de arteríola. No interior dos órgãos, os vasos capilares microscópios permitem a realização de trocas gasosas e de nutrientes entre a circulação e os tecidos. Depois de passar pelos capilares, o sangue é direcionado para vasos cada vez maiores e, em seguida, para as veias. É importante sabermos, entretanto, que o sistema circulatório não serve apenas para conduzir passivamente o sangue.
Através do diâmetro das arteríolas, o organismo distribui o sangue, e, portanto, o oxigênio pelos diferentes órgãos. Explicando melhor: cada tecido ou órgão do corpo deve receber a quantidade de nutrientes
necessária para manter a sua função, nem mais, nem menos. Durante o exercício físico, ocorre uma redistribuição do débito cardíaco, com aumento do fluxo sangüíneo para a musculatura em atividade e redução para os rins, estômago, intestino e músculos que não estão sendo contraídos. No entanto, o fluxo sangüíneo para o cérebro é mantido constante, até mesmo durante o sono, para o perfeito funcionamento do organismo.
O fluxo sangüíneo é diminuído no estômago quando realizamos exercícios físicos, e isso dificulta a digestão. Isso acontece por que há um aumento do fluxo sangüíneo para a musculatura que está em atividade e uma redução desse fluxo para os rins, estômago, intestino e músculos que não estão sendo contraídos. Esta é a razão pela qual devemos esperar duas ou mais horas para realizar exercícios pesados após uma alimentação volumosa. O ideal é que a última refeição antes de um exercício forte seja baseada em alimentos leves, pouco gordurosos, como frutas e legumes.

A SUDORESE
Com a diminuição do fluxo sangüíneo, ocorre a diminuição da produção de urina, principalmente se o exercício é de longa duração e grande intensidade, como uma meia maratona ou uma maratona. Esta menor perfusão e a diminuição de produção de urina servem para reter líquido no organismo, na tentativa de contrabalançar a perda de suor. Um atleta pode perder mais de um litro de suor em uma competição ou até mais do que isso. Dependerá de fatores tais como umidade e temperatura do meio ambiente e da intensidade e duração do exercício.
A sudorese é um mecanismo importante para o corpo controlar a sua temperatura.
É necessário, O corpo humano, desviar o sangue aquecido para os tecidos subcutâneos, a fim de levar o calor a essa região, o que provoca a produção de suor pelas glândulas sudoríparas. O suor é uma solução de água e alguns sais minerais que, ao evaporar, retira calor do corpo.
Quando o sangue é desviado para a pele, para dissipar o calor produzido pelo exercício, o fluxo sangüíneo aumentado na pele dá um aspecto que conhecemos como vermelhidão. Podemos concluir que, se perdemos líquido no suor, o volume de sangue diminui durante o exercício físico.
O sangue é composto por uma parte líquida, o plasma, e uma parte sólida, com vários constituintes, como as células, proteínas, glicose, gorduras e hormônios. As células incluem os glóbulos vermelhos ou hemácias, que possuem, como principal função, o transporte de oxigênio, dos glóbulos brancos ou leucócitos, que defendem o organismo de infecções, e as plaquetas, que participam da coagulação do sangue após um corte ou ferimento. Quando suamos, esta parte líquida diminui.

A VOLEMIA
O sangue é um líquido dinâmico, não somente na circulação, mas, também, na sua composição. O volume total de sangue, denominado volemia, varia com uma série de situações, entre elas o exercício físico. Após alguns minutos de exercícios físicos, a volemia começa a diminuir devido a dois fatores: a sudorese, que já comentamos, e um aumento da passagem de líquidos do capilar para os tecidos vizinhos, levando ao acúmulo no espaço intersticial e provocando o que conhecemos por edema. Esse processo faz os pés incharem após um longo período parado em pé ou após uma série de exercícios físicos com peso, quando percebemos que a musculatura ficou inchada. Essas duas situações são distintas, mas o mecanismo fisiológico é o mesmo.

A SEDE
A sudorese é muito importante para evitar um superaquecimento do organismo e, na tentativa de reduzir a perda líquida, a produção de urina é diminuída. Por isso, é importante nos hidratarmos durante os exercícios e deixarmos as crianças beberem muita água quando estiverem na aula de Educação Física, se assim necessitarem. Costumamos sentir sede somente quando já existe algum grau de perda líquida e diminuição da volemia. Por isso, precisamos ingerir bastante líquido durante os exercícios, mesmo que não sintamos sede. O melhor é bebermos pequenas quantidades com bastante freqüência, pois tomar um volume muito grande de uma só vez pode provocar desconforto no estômago e náuseas.

ETAPA DA RESPIRAÇÃO – A PASSAGEM DO OXIGÊNIO DO AR PARA OS TECIDOS
O sangue oxigenado é levado aos tecidos com pouco oxigênio e, desse modo, repete-se o mesmo mecanismo do capilar pulmonar e do alvéolo, só que no sentido oposto. O oxigênio passa do interior do capilar para o tecido, onde estão as células. Quanto maior a atividade metabólica de um órgão ou tecido, mais oxigênio é consumido e maior é o fluxo sangüíneo. Isso acontece porque a relativa falta de oxigênio provoca um aumento do diâmetro da arteríola daquele local, tornando-a VASODILATADA.
Por isso, é natural que, durante o exercício, aumente o fluxo sangüíneo para os músculos que estão sendo contraídos. Um vaso sangüíneo varia o seu diâmetro, porque existe uma camada de músculos nas arteríolas que, ao se relaxar, aumenta o diâmetro do vaso e, ao se contrair, diminui o diâmetro, provocando vasoconstrição.

DIFERENTES TIPOS DE MÚSCULOS
O músculo que envolve as arteríolas é diferente do músculo da perna, por exemplo. Apesar de todos os músculos terem a capacidade de contrair e gerar força, existem três tipos de músculos no corpo humano, conforme o seu aspecto microscópico e a sua inervação: o músculo liso, como o próprio nome diz, possui uma aparência lisa quando observado ao microscópio e é inervado basicamente pelo sistema nervoso autônomo ou, como algumas pessoas gostam de chamar, sistema vegetativo. É o controle do nível de contração do músculo liso da arteríola que determina o seu diâmetro e a quantidade de fluxo sangüíneo que chegará àquela região
Além do músculo liso, existe o músculo estriado cardíaco, que ao microscópio tem uma aparência com listras e também possui inervação autônoma. O músculo esquelético também tem aparência estriada ao microscópio, mas sua inervação é feita por uma parte do sistema nervoso chamado sistema somático. Os músculos cardíaco e liso são involuntários e os esqueléticos são voluntários, embora respondam também de modo involuntário.
Os músculos esqueléticos também podem se contrair involuntariamente.
Quando andamos, não precisamos comandar cada passo, pois as contrações ocorrem involuntariamente. Um outro exemplo são os reflexos. Quando o médico, durante um exame, bate com um martelinho no joelho do paciente e a perna dá um chute sem que se precise comandar o movimento, ele está, na verdade, provocando um reflexo que contrai a musculatura da coxa. O músculo esquelético, neste caso, contraiu-se involuntariamente.

AS CONTRAÇÕES MUSCULARES – A ORIGEM DOS MOVIMENTOS
A contração do músculo esquelético é fundamental para a realização dos movimentos e produção de trabalho. Talvez a forma mais simples de contração muscular seja a estática. Na contração estática, você não produz movimento, apenas provoca gasto energético. Empurrar uma parede sem deslocá-la seria um exemplo. Para nos mantermos na posição em pé, é necessário que vários músculos estejam contraindo-se estaticamente.
Outra forma de contração é a dinâmica, na qual há movimento com produção de trabalho. As contrações dinâmicas podem ser divididas em duas formas: a concêntrica, na qual o músculo é encurtado, diminuindo de tamanho; a excêntrica, na qual o músculo é alongado, aumentando
de comprimento.
Outra forma de contração é a dinâmica, na qual há movimento com produção de trabalho. As contrações dinâmicas podem ser divididas em duas formas: a concêntrica, na qual o músculo é encurtado, diminuindo de tamanho; a excêntrica, na qual o músculo é alongado, aumentando de comprimento. Podemos imaginar que o músculo esteja se contraindo ao inverso. Embora possa parecer estranho, a princípio, ocorre em várias situações do nosso cotidiano. Por exemplo, quando você tem um objeto nas mãos, tal como um prato de comida, e quer colocá-lo sobre uma mesa, você o faz numa velocidade muito menor do que se o tivesse soltado. Para depositar o prato sobre a mesa, você faz uma contração excêntrica, isto é, uma contração insuficiente para manter o prato em uma posição fixa ou estática, mas suficiente para diminuir a ação da gravidade sobre o prato, fazendo com que ele desça vagarosamente sobre a mesa. Neste caso, o músculo se contraiu, mas o resultado final foi o seu alongamento, e não um encurtamento.

AS RESERVAS E A PRODUÇÃO DE ATP NO ORGANISMO
O oxigênio é utilizado pelos músculos para gerar a energia necessária para as contrações, sejam elas estáticas ou dinâmicas. A energia para o processo de contração é obtida pela decomposição de uma substância de alto teor energético cuja sigla é ATP (adenosina trifosfato).
A fibra ou célula muscular tem uma reserva muito pequena de ATP e precisa constantemente fabricar mais para poder manter a contração muscular. O primeiro mecanismo da célula, para ressintetizar ATP, é utilizar a energia liberada a partir de uma outra molécula energética, a creatina-fosfato (CP). A energia da CP é utilizada para ressintetizar o ATP. As moléculas de ATP ressintetizadas a partir da CP são, então, decompostas com a conseqüente liberação de energia. Explicando de outra maneira, é como se o ATP fosse a moeda corrente energética no organismo.
Qualquer outra forma de energia deve ser utilizada, primeiramente, para ressintetizar ATP. Somente em seguida pode estar disponível para uso das células. Por esta razão é que chamamos os processos que geram energia durante o exercício de processos de ressíntese de ATP. As reservas de CP também não são muito grandes. A solução seria simples se, apenas com a decomposição de moléculas de CP, o músculo fosse capaz de ressintetizar todo o ATP necessário para um determinado exercício. Mas, como disse, a fibra muscular também tem pouco CP, talvez em quantidade apenas três vezes superior à de ATP.

OUTRA MANEIRA DE PRODUZIR MAIS ATP
Existem, ao menos, dois outros processos importantes. Em um deles, a célula muscular usa a glicose, que é o principal açúcar do organismo, e consegue obter energia para a produção de ATP. O músculo usa a glicose do sangue e do seu próprio reservatório, que armazena glicose na forma de glicogênio. O desdobramento da glicose gera uma molécula, o ácido pirúvico. Esta substância não teria maior importância se não representasse um ponto de decisão para a célula. Ao chegar a este ponto, o ácido pirúvico pode ser transformado em ácido lático ou seguir uma via com uma série de reações que, no final, usam o oxigênio. Durante esta cadeia mais longa de reações, também ocorre liberação de energia para a ressíntese de ATP, além de haver formação de moléculas de CO2 ou gás carbônico. Se a fibra muscular decide ir na direção da via mais longa que utiliza oxigênio, nós teremos uma via aeróbia de ressíntese de ATP. Ao contrário de ela optar por transformar o ácido pirúvico em ácido lático, teremos a ressíntese de ATP pela via anaeróbia. A via anaeróbia pode ser de dois tipos: anaeróbia lática, com decomposição de glicose e formação de ácido lático, e anaeróbia alática, usando a CP. O que determina qual dos dois caminhos o ácido pirúvico deve seguir e, ainda, determina a via metabólica com maior participação na formação de ATP durante um determinado exercício é a sua intensidade e duração. Em realidade, as três vias ocorrem simultaneamente em todos os exercícios. O que varia é apenas a proporção relativa de contribuição de cada via para a ressíntese do ATP utilizado durante as contrações.
Mas, para simplificar, considera-se apenas a via predominante para caracterizar um exercício.

CARACTERIZAÇÃO DAS VIAS METABÓLICAS DE RESSÍNTESE DE ATP
A via anaeróbia alática é utilizada no início de qualquer exercício e em contrações de alta intensidade, mas de curta duração, pois não existe uma reserva muito grande de CP. Dar um pique, chutar uma bola, dar um salto, lançar um peso são exemplos no esporte, assim como subir um lance de escada, levantar da cadeira, correr para atravessar uma rua, transportar um engradado de bebidas por alguns metros são exemplos de situações cotidianas em que temos uma demanda súbita de ATP.
Os exercícios de grande intensidade feitos por um período relativamente curto de tempo, digamos, entre dez segundos e dois minutos, correspondem à via anaeróbia lática. Se a duração do exercício não chegar a mais ou menos dez segundos, o ATP é ressintetizado, principalmente, pela via anaeróbia alática.
A formação de ácido lático é o resultado do funcionamento da via metabólica mais importante de ressíntese de energia para os exercícios muito intensos e mantidos por um ou dois minutos. O problema é o desconforto que acompanha essa produção. Aparece uma dor como uma queimação nos músculos que estão realizando o exercício e, depois, pode ocorrer náusea e até vômito, devido à acidose, isto é, a presença de substâncias ácidas no sangue.
Os desportos coletivos do tipo futebol, basquetebol e voleibol são esforços intermitentes, e raramente se tem mais do que uns poucos segundos de grande intensidade. É por isto que se pode praticar mais de uma hora essas modalidades sem se chegar à exaustão, pois não ocorre grande produção de ácido lático. Podemos guardar a idéia de que o indivíduo produz ácido lático quando diminui a sua performance. Na escola, uma idéia, durante uma atividade desse tipo, é observar se um determinado exercício poderia ser mantido na mesma intensidade por vários minutos. Quando o aluno perde o ritmo do exercício ou começa a errar muito na técnica do jogo, isso pode significar acúmulo de ácido lático no sangue e nos músculos. Uma vez produzido ácido lático em quantidades apreciáveis, é melhor diminuir o ritmo, sem parar subitamente o exercício, pois a remoção do ácido lático é mais eficiente quando estamos em movimento. É preciso mais de uma hora para normalizar a acidez do sangue e do músculo.

As dores musculares têm muitas origens. As dores durante o exercício ou imediatamente após são efeito da acidez lática. As dores que aparecem geralmente no dia seguinte ao esforço podem durar vários dias e não se devem ao ácido lático, pois este é totalmente eliminando poucas horas após o exercício. Na verdade, elas correspondem a microlesões do tecido que circunda as células musculares ou, até mesmo, das próprias fibras. Isto costuma acontecer quando realizamos um esforço para o qual o organismo não estava treinado.
O melhor a fazer, quando a dor já está instalada, é repetir o mesmo tipo de exercício, mas com intensidade muito pequena, com o intuito de ativar a circulação local e ajudar a acelerar a recuperação.

A via aeróbia é responsável, para a ressíntese de ATP, pelos exercícios de longa duração, os aeróbios. Quando o músculo necessita que a ressíntese de ATP seja mantida durante um longo período de tempo, ele lança mão da via oxidativa ou aeróbia, metabolizando completamente a glicose, com conseqüente liberação de CO2, consumo de oxigênio e liberação de grandes quantidades de energia. Este processo é muito eficiente e predomina sempre que o exercício é de baixa ou média intensidade. Na verdade, o exercício aeróbio é o mais comum.
As gorduras – e só muito raramente as proteínas – também podem ser levadas até a via aeróbia para produzir ATP. Desta forma, quando estamos sentados, por exemplo, toda a ressíntese de ATP é feita pela via aeróbica, usando, principalmente, gorduras e glicose que estão circulando no sangue. Podemos usar esta mesma pergunta e olhar um outro lado. Se o exercício em questão pode ser mantido na mesma intensidade por vários minutos, é predominantemente aeróbio. Caminhar, correr, nadar, pedalar ou remar por vários minutos são exemplos de exercícios aeróbios.

O CO2
É produzido pelo metabolismo aeróbio e é o mesmo que exalamos na respiração. O CO2 é um produto do metabolismo que deve ser eliminado do organismo. Isso também ocorre através da ação conjunta dos sistemas circulatório e respiratório, mas no sentido inverso do oxigênio, isto é, dos músculos até os pulmões. O CO2 é um gás que passa das fibras musculares para o sangue, onde se encontra em menor quantidade. A partir daí, o CO2 é transportado no sangue sob algumas formas, em pequena parte ligado à hemoglobina. Após passar pelo coração, chega aos pulmões, onde atravessa em direção aos alvéolos, já que o ar que inspiramos não contém quase nenhum CO2. No ar que expiramos também há oxigênio.

1- Durante a expiração não-forçada, ocorre o levantamento do diafragma.
Resposta; Ocorre um abaixamento do diafragma na expiração não-forçada porque ela é um ato involuntário, e o músculo relaxa

2- Durante o exercício físico dinâmico, ocorre diminuição da pressão sistólica
Resposta: a pressão arterial aumenta durante a sístole até atingir um valor máximo chamado pressão sistólica e diminui durante a diástole até chegar à
pressão mínima ou diastólica. Durante o exercício físico, a pressão sistólica aumenta, enquanto a pressão diastólica não se altera.

3- Os atletas diminuem a produção de urina durante exercícios de média e longa duração e intensidade. Isso ocorre devido ao aumento da pressão arterial
Resposta: Ocorre devido à diminuição do fluxo sangüíneo para os rins, porque o sangue se concentra nos músculos que estão se movimentando

4- Em um desporto coletivo, como o voleibol, a energia para a contração muscular provêm, predominantemente, da via metabólica anaeróbia alática.
Resposta: A via que predomina é a aeróbia, embora a ressíntese de ATP passe por todas as outras vias. Isso acontece por causa da intensidade e duração longa do exercício.

Anatomia é a ciência que estuda as formas e as estruturas do corpo humano em repouso, enquanto a fisiologia do exercício estuda o funcionamento do corpo em movimento. Existem diferentes tipos de músculo, e cada um tem uma função específica no corpo. Os movimentos corporais acontecem com as contrações dinâmica e estática do músculo esquelético. A molécula de ATP, com a sua quebra na contração, libera energia. São três os mecanismos de ressíntese de ATP: o aeróbio e os anaeróbios lático e alático. A respiração, a sudorese, a sede e a pressão arterial são mecanismos fisiológicos que ajudam e sofrem alterações durante os exercícios físicos.


Resumo aula 06 - Corpo e Movimento na Educação | Corpo, internet e vivência corporal

Não nos Bastam os conhecimentos e habilidades que aprendemos na escola durante o processo de instrução nos diferentes níveis de ensino; temos de continuar nos instruindo, estudando e nos aperfeiçoando, para acompanhar os recursos tecnológicos da atualidade.
Somente, ou principalmente, por meio da Educação, o indivíduo terá condição de compreender e atuar na sociedade contemporânea como sujeito que avalia, decide e participa, escolhendo o melhor caminho a seguir, diferentemente da personagem Alice, destacada na introdução desta aula.

O CORPO E A WEB
A comunicação, que antes era apenas pessoal, passou a ocorrer por via elétrica, e as pessoas passaram a perceber o espaço e o tempo como variáveis mais elásticas, moduláveis. O corpo passou a experimentar vivências a distância. Quando uma pessoa recebia uma notícia muito triste, por telégrafo, ativava as suas emoções de tristeza e desespero como se estivesse recebendo a notícia pessoalmente. Atualmente, na web,
acontecem vivências semelhantes, e a vivência corporal a distância pode ser vivida mais intensamente porque, além da comunicação escrita, como no telégrafo, ativamos os dois hemisférios do nosso cérebro, com estímulos de som e imagem em duas e três dimensões. Podemos dizer, então, que os lugares, as durações, têm sentido diferente nos dias de hoje.
Segundo Gonçalves (2000), a diferença ou oposição entre os relacionamentos reais e virtuais não permite que se julgue negativamente um ou outro. Ele afirma, sumariando, que as diferenças são pouco significativas e que, em contrapartida, as semelhanças entre esses dois tipos de relação são muito maiores do que se poderia supor. Os dois tipos de namoro podem ser longos ou rápidos, e o adultério acontece nas duas formas de relacionamento.
Todavia, o corpo está presente nesses relacionamentos de modo diferente do que ocorre nos reais. Para o amante virtual, o único corpo presente é o seu, de onde surge o prazer sexual, por exemplo. A imaginação é livre para criar o corpo do parceiro virtual. De acordo com esse autor, relatos informam que as sensações físicas e sentimentais nesse relacionamento são tão verdadeiras quanto as de um relacionamento real. Contudo, a identidade em um relacionamento virtual é sempre incerta. É possível apaixonar-se por alguém completamente diferente do que se esperava. Podemos estranhar essa forma de amor, mas a vivência amorosa nem sempre foi a que conhecemos hoje.
Se levarmos em consideração que, hoje, até para a fecundação e reprodução da espécie, não é preciso que os corpos se entrelacem, deveríamos ser mais cuidadosos ao recriminar o amor virtual.
Em uma reportagem do jornal O Globo, sobre internet, relata-se que, no amor virtual, o que seduz são as palavras, e não o corpo. Segundo o psicanalista Goldin (2005), o amor na internet é também uma entrada num mundo literário. Todos na internet são conhecidos, primeiro, por sua escrita. Segundo ele, de algum modo, os internautas se transformaram em escritores. Talvez esta seja uma oportunidade de a escola brasileira se aproximar desse novo modo de escrever, de se comunicar. Conversar com os alunos sobre esses assuntos – amor e tecnologia ou amor virtual – os aproxima da escola, já que, dessa forma, eles poderão tratar de assuntos de seu interesse cotidiano.

O adolescente e a vivência corporal no mundo da internet
Como vimos no princípio desta aula, como educadores, temos de ajudar os jovens a descobrirem aonde querem chegar e a refletirem sobre que caminho seguir na sua vivência com a tecnologia. Sabemos que a presença de adolescentes nas salas de bate-papo na internet, por exemplo, tem crescido assustadoramente. Nas salas de grandes provedores do país, 20% dos freqüentadores são jovens de 12 a 17 anos e 12% de 18 a 20 anos. Normalmente, eles não se limitam a permanecer nas salas destinadas à sua faixa etária; gostam muito de ir para as salas de pessoas mais velhas.

Por isso, a escola desempenha um papel fundamental em alertar sobre as vantagens e as desvantagens do crescimento do lazer na web.
Algumas das providências que o jovem deve tomar nestas salas de bate-papo estão listadas a seguir:
• não acreditar, cegamente, em tudo que é escrito;
• desconfiar de quem pergunta muito e revela pouco sobre si;
• se usar sites de encontros, dar preferência aos que mantêm caixas postais internas, em que a conversa pode ocorrer por um bom tempo sem a necessidade de informar sequer o seu e-mail ao outro;
• ao resolver dar o número do telefone, informar apenas o do celular;
• desconfiar de pessoas que insistem em pedir o telefone muito depressa e, principalmente, em sair depois de pouquíssimas linhas tecladas, como se tivessem muita pressa para o encontro;
• salvar as mensagens ou as conversas de chat é valioso, para ver se a pessoa não cai em contradições;
• não detalhar a vida pessoal nem dar endereço antes de conhecer melhor a pessoa;
• se decidir conhecer alguém, marcar, sempre, o encontro em um lugar público, como shopping, choperia, sorveteria ou cafeteria; se tiver celular, pedir a um amigo para ligar, depois de um certo tempo, a fim de checar se está tudo bem – assim o outro percebe que há gente sabendo que vocês estão juntos;
• usar a internet para se divertir, sem ficar viciado, teclando horas e horas por dia e esquecendo os amigos da vida real.

Encontrar uma “paquera” em bares, boates e shows, também pode nos surpreender negativamente, porque ainda não sabemos com quem estamos lidando. Por isso, preconceito com a internet ou com qualquer fenômeno que desconhecemos não é bem-vindo.
A escola deve estar atualizada a respeito das tendências da sociedade tecnológica, senão corre o risco de ficar distante do que acontece na vida de seus alunos e na sua formação geral. No entanto, é função da escola conhecer, discutir, refletir, juntamente com os seus alunos, as vantagens e desvantagens dessa forma de vivência corporal, preparando-os para lidar com ela.

A vivência corporal pode ocorrer da forma como conhecemos (o contato físico) e, atualmente, pode também ser vivenciada a distância com grande intensidade, por meio das tecnologias, mais especificamente, pela internet.
Na verdade, as comunicações a distância, com sensações e sentimentos, acontecem desde a invenção das cartas escritas; depois, eletricamente, com a invenção do telégrafo, dos eletrônicos e, atualmente, com as tecnologias digitais.
Amar a distância também não é um método novo, se lembrarmos que nem sempre o corpo está inserido no amor, como no amor platônico. Cabe à escola ajudar e contribuir educacionalmente para que os jovens reflitam sobre as vantagens e perigos dessa vivência, quando ela não é cuidadosa e quando o jovem não consegue decidir que caminho seguir.


Resumo aula 07 Corpo e Movimento na Educação | O corpo e o movimento no Projeto Político-Pedagógico da escola

A formulação do projeto de Educação da escola e a concepção de homem e de sociedade que se pretende ajudar a construir também têm de estar claros para o corpo social dessa escola, que é compreendido por diretores, supervisores, professores, funcionários, alunos e pais.
Para que esse projeto de Educação seja claro, um planejamento deve ser confeccionado com a participação de todo ou, pelo menos, da maioria do corpo social. A esse planejamento denominamos Projeto Político-Pedagógico. Ele é político, porque a Educação não é neutra e a escola tem de definir, como comentamos, a serviço de que valores está, construindo uma sociedade que esteja de acordo com tais princípios.
Para se configurar um Projeto Político-Pedagógico, algumas premissas são necessárias, como resumimos a seguir:
• deve surgir dentro da escola;
• a metodologia de confecção do PPP deve ser consoante com a metodologia do planejamento participativo, em que todo o corpo social da escola participa e decide;
• o grupo deve ter clara a necessidade de tentar esgotar as reflexões;
• o grupo deve tentar chegar a vários consensos;
• o grupo tem de entender que as decisões pedagógicas não são apenas metodológicas, mas também políticas. O grupo precisa decidir que abordagem didática/filosófica/pedagógica a escola seguirá, e, a partir daí, deve treinar os seus professores a atuarem de acordo com essa tendência, para evitar que as intenções fiquem apenas impressas no documento final.

Metodologicamente falando, um PPP de um curso é formulado com as seguintes partes:
• identificação da instituição;
• apresentação do projeto e/ou introdução;
• objetivos gerais;
• objetivos específicos;
• concepção filosófica da proposta;
• pressupostos teórico-metodológicos;
• sistema de avaliação;
• estrutura curricular;
• grade curricular;
• equipe;
• referências.

A escolha de uma concepção de corpo e movimento na escola
A Educação física escolar, área que estuda, prioritariamente, as questões do corpo e do movimento, foi implantada na escola brasileira devido à ação de Rui Barbosa, e foi incorporada aos métodos militares e à medicina por muitos anos. Com a abertura política pela qual passamos depois da ditadura militar, outras correntes e abordagens foram se configurando.


TEORIAS PEDAGÓGICAS EM EDUCAÇÃO FÍSICA
Para Brach (1999), do século XVIII ao século XX, as teorias pedagógicas na Educação Física tiveram como pano de fundo a ação militar e a medicina, sendo alvo de estudos, nos séculos XVIII e XIX, fundamentalmente, das ciências biológicas, com uma visão mecanicista de mundo. A Educação Física servia para construir corpos saudáveis e dóceis. Para esse autor, no século XX, saímos de um controle do corpo, por meio de repressão militar e com enfoque biológico, para um controle de enaltecimento do prazer corporal, com enfoque psicológico.
Detalhando um pouco mais, vemos que, na década de 1980, surgiu o paradigma da aptidão física e esportiva que teorizava a Educação Física com base pedagógica, isto é, voltada para a intervenção educativa sobre o corpo sustentado, fundamentalmente, pela biologia, para a performance desportiva. Pregava-se a educação integral, entendida na perspectiva de desenvolvimento da aptidão física e esportiva.
Nos anos 80, aconteceu a entrada das ciências sociais e humanas na área da Educação Física. Esse fato possibilitou muitas reflexões acerca da prática da Educação Física escolar, resultando em análise crítica do paradigma anterior, com base na aptidão física. Surge, então, segundo Brach (1999), o Movimento Renovador da Educação Física Brasileira.
Para esse autor, ainda existia um viés cientificista, porque se entendia que faltava ciência à Educação Física. Os anos 80 foram marcados por uma crise entre a corrente denominada Aptidão Física e a corrente Revolucionária ou Crítica e Progressista, que, segundo Brach (1999), em um primeiro momento, era homogênea.
Depois de alguns anos, porém, o saldo da crise foi muito positivo, havendo um amadurecimento de idéias e um crescimento do número de intelectuais na área de Educação Física, com mestrado e doutorado, o que possibilitou que outras propostas fossem oferecidas mais concretamente.

Apresentação sistemática da tendência tradicional da Educação Física
Desenvolvimentista.
Oferece à criança a oportunidade de vivenciar o corpo com experiências de movimento, objetivando ajudar o seu crescimento e desenvolvimento

Psicomotricidade ou Educação psicomotora.
Educar pelos movimentos naturais. O desenvolvimento motor ajuda o desenvolvimento intelectual e as disciplinas podem ajudar-se mutuamente

Promoção da saúde.
Valoriza as repercussões do efeito das atividades físicas para a saúde.

Pedagogia histórico-crítica ou críticosuperadora.
Valoriza a cultura corporal no esporte, na ginástica, no jogo, nas lutas, na dança e na mímica.

Crítico-emancipatória.
O movimento como forma de comunicação com o mundo. O sujeito é entendido com capacidade de crítica e atuação autônoma

Aulas abertas à experiência.
A aula pode ter várias concepções fechadas e abertas de Educação.

CONSTRUTIVISTA E INTERACIONISTA
Esta concepção objetiva que o aluno construa o seu conhecimento a partir da interação com o mundo e com o meio, resolvendo problemas e desafios. Opõe-se ao mecanicismo, e o movimento é utilizado como meio para atingir domínios cognitivos.

CRÍTICO-SUPERADORA
É uma concepção baseada na justiça social, que valoriza a questão da contextualização política dos fatos e do resgate histórico, encaminhando propostas de intervenção em determinada direção.

SISTÊMICA
Seu objetivo é colocar o aluno no mundo da cultura física, formando-o para usufruir, partilhar, produzir, reproduzir e transformar as formas culturais da atividade física: o jogo, o esporte, a dança e a ginástica.

PLURAL
Interpretar o ser humano através da diversidade e da pluralidade presentes na cultura do corpo, sua cultura e seu mundo são os objetivos dessa concepção. Permite que as diferenças entre os alunos sejam percebidas e seus movimentos sejam frutos de sua história do corpo.

Um projeto político-pedagógico (PPP) é um documento que demonstra a posição de uma instituição de ensino em relação ao entendimento de mundo, de homem e de sociedade, eixos igualmente norteadores do PPP deste curso. Dependendo da visão de homem, mundo e sociedade, a escola planeja a sua ação pedagógica. Para que o PPP seja incorporado pelo corpo docente de uma escola, resultando em uma prática coerente, o planejamento deve ser participativo, isto é, deve ter a colaboração da maioria do seu corpo social.
As questões do corpo e do movimento são, em sua maioria, de responsabilidade da área de Educação Física, que começou, no Brasil, com uma visão militar e biológica, mas que, nos anos 80, passou por uma crise de identidade e ideológica entre duas correntes pedagógicas, a desenvolvimentista e a marxista. Com o passar do tempo, outras correntes progressivas foram surgindo, aumentando, assim, o cenário de opções.


Resumo aula 08 Corpo e Movimento na Educação
Educação física escolar e interdisciplinaridade

CONCEITUANDO INTERDISCIPLINARIDADE

Segundo Japiassú (1976), “a interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas no interior de um mesmo projeto de pesquisa...”
Se o grupo acredita que o conhecimento é complexo e não estratificado, está aí uma boa oportunidade para, no PPP, enfocar-se a concepção filosófica da proposta e os pressupostos teórico-metodológicos, defendendo o princípio da interdisciplinaridade.
Na ação interdisciplinar, a relevância metodológica é indiscutível. Porém, “é necessário não se fazer da metodologia um fim, pois interdisciplinaridade não se ensina nem se aprende, apenas vive-se, exerce-se e, por isso, exige uma nova Pedagogia...” (FAZENDA, 1993).

A interdisciplinaridade como princípio pressupõe:
• uma atitude não-preconceituosa diante do conhecimento, acreditando que todo conhecimento é igualmente importante e, ainda, que o conhecimento individual anula-se diante do saber universal;
• uma atitude humilde, de querer ouvir a opinião crítica do outro para fundamentar a sua opinião particular, supondo uma postura única, comprometida com a realidade educacional e pedagógica.

CONCEPÇÃO DE INTERDISCIPLINARIDADE
De acordo com Siqueira (2001), podemos dizer que estamos diante de um empreendimento interdisciplinar todas as vezes que ele conseguir:
• incorporar o conhecimento de várias especialidades;
• tomar de empréstimo, de outras disciplinas, certos instrumentos e técnicas metodológicas;
• fazer uso dos esquemas conceituais e das análises que se encontram nos diversos ramos do saber;
• permitir que os integrantes do grupo se integrem e interajam;
• lançar uma ponte para ligar as fronteiras que haviam sido estabelecidas, anteriormente, entre a formulação de objetivos e os programas pedagógicos comuns.

POSSIBILIDADE DA PRÁTICA INTERDISCIPLINAR NO COTIDIANO DOCENTE
A interdisciplinaridade pode ser articulada entre os professores da mesma turma, que ao se reunirem periodicamente, avaliam conjuntamente o desempenho de seus alunos.

COMO INCLUIR OS TEMAS TRANSVERSAIS DOS PCN
Os temas transversais estão bem presentes nas aulas de Educação Física, por exemplo, e podem ser utilizados no desenvolvimento dos tópicos corpo e movimento.

ÉTICA
Respeito, justiça e solidariedade integram as práticas físicas. O respeito deve ser exercido na interação com adversários; a solidariedade, vivenciada quando se trabalha em equipe.

SAÚDE
Estresse, má alimentação e sedentarismo são subprodutos da crescente urbanização. Daí a necessidade de vincular as questões do corpo e do movimento ao cultivo da saúde e do bem-estar das pessoas, superando, em muitos casos, a falta de infra-estrutura pública voltada para o esporte e o lazer.

MEIO AMBIENTE
O contato da escola com áreas próximas, como parques e praças, abre oportunidade para se abordar o tema do meio ambiente.

ORIENTAÇÃO SEXUAL
Idéias como a de que futebol é esporte para homem e ginástica rítmica é “coisa de menina” ainda se manifestam na sociedade e no cotidiano escolar. Combater preconceitos como esses é uma das missões da orientação sexual.

PLURALIDADE CULTURAL
Adotar uma postura não-discriminatória é a chave para atingir os objetivos da pluralidade cultural em Educação Física. Para isso, é preciso valorizar danças, esportes, lutas e jogos que compõem o patrimônio cultural brasileiro, originário das diversas origens étnicas, sociais e regionais.

TRABALHO E CONSUMO
O adolescente é alvo da publicidade de produtos esportivos. O professor pode ajudar seu aluno a analisar criticamente a necessidade de possuir ou não determinado produto e, assim, criar a noção de consumo consciente.

INTERDISCIPLINARIDADE COM OS TRÊS EIXOS TEMÁTICOS DOS PCN

Conhecimentos sobre o corpo
Este bloco dá ao aluno informações sobre o próprio corpo, sua estrutura física e interação com o meio social em que vive. Estudam-se noções básicas da anatomia, da fisiologia, dos aspectos biomecânicos e bioquímicos do corpo humano.

Esportes, jogos, lutas e variações de ginásticas
Neste eixo, o professor transmite informações históricas sobre as origens e características de cada uma dessas práticas e a importância de valorizá-las.

Atividades rítmicas e expressivas
São as manifestações que combinam expressões com sons, como danças, mímica e brincadeiras cantadas. Por meio delas, o aluno caracteriza diferentes movimentos expressivos, sua intensidade e duração.

A interdisciplinaridade pode ser vivenciada na escola, mas, para isso, temos de conhecer a sua metodologia sem, contudo, nos prendermos demasiadamente a ela como se fosse um fim em si mesma. Na verdade, a interdisciplinaridade é um princípio de caráter e de formação docente. Para que ela aconteça, basta que duas pessoas tenham uma visão semelhante sobre educação e estejam dispostas a tentar essa velha nova forma de entender as disciplinas com pontos de interseção.


Resumo aula 09 Corpo e Movimento na Educação
Manifestações culturais do corpo – o folclore

Num país em que pulsam a capoeira, o samba, o bumba-meu-boi, o maracatu, o frevo, o afoxé, a catira, o baião, o xote, o xaxado, entre muitas outras manifestações, é surpreendente o fato de a Educação Física, durante muito tempo, ter desconsiderado essas produções da cultura popular como objeto de ensino e aprendizagem (PCN – 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental – Educação Física, p. 71).

O FOLCLORE NA ESCOLA
Divulgar o folclore junto aos alunos, nas escolas, permite a discussão de um acervo de ficção contada, oralmente, sem papel e sem escrita; da música, tocada e cantada, sem registro eletrônico; das manifestações plásticas, sem tela e sem tintas industrializadas; e da dança, como expressão natural do corpo. Sua divulgação também permite às novas gerações compreender o movimento do homem no tempo e no espaço e, por meio dessa compreensão, avaliar o que foi perdido, o que foi ganho e o que foi incorporado.
Folclore é a leitura, cultura, memória de um povo.
Infelizmente, na atualidade, assistimos a comemorações de certos eventos que não são de nossa cultura, em detrimento de festas populares brasileiras. Exemplo disso são as comemorações da festa do dia das bruxas do folclore americano – o Halloween –, evento folclórico muito comemorado. Os professores têm repetido essa comemoração
sem refletir por que o fazem, já que essa não é uma comemoração da cultura brasileira.

ARTE, CIÊNCIA, FOLCLORE E INTERDISCIPLINARIDADE
Com um trabalho interdisciplinar, um Projeto Político-Pedagógico pode utilizar o folclore para desenvolver conhecimentos de outras áreas das ciências. Muitas ciências, disciplinas e artes estão intensamente ligadas ao folclore. Nos primeiros anos do Ensino Fundamental, os professores devem servir-se dele, como excelente meio de transmissão de conhecimentos, ao mesmo tempo que é um revelador e transmissor da cultura do povo.
Normalmente, a maior aplicação do folclore ocorre na área da linguagem oral e escrita, com o estudo dos contos, analisando os seus objetivos éticos, morais e estéticos. Com os contos, a criança é conduzida a um mundo de fantasias que a encanta. O conto é um veículo educativo, usado nas mais antigas civilizações, e do mesmo modo, entre os povos naturais, para realce dos feitos dos seus heróis e das virtudes de seus antepassados.
Outros exemplos na área da linguagem são os provérbios, que representam a sabedoria popular: os jogos de adivinhar, que são testes de conhecimento, as PARLENDAS; os jogos e os brinquedos cantados, que estimulam as relações sociais e reafirmam a unidade grupal (Ribeiro, 1993).
Na História do Brasil, na Geografia e nas Ciências, o folclore também pode ser utilizado, recorrendo-se às lendas relativas à escravidão, à mineração, às bandeiras, aos heróis, aos tipos brasileiros e seus traços culturais, aos ambientes em que vivem, às serras, lagoas e mares, por meio de mitos, animais, vegetais e minerais.
Também na Matemática, o folclore está presente sob a forma de parlendas ou poesias e jogos; no desenho, nos trabalhos manuais, nas artes e no artesanato, o uso do material local, com revalorização de seus usos e seus motivos típicos ornamentais; na música, as melodias, ritmo e instrumentos; e, na Educação Física, a dança e o teatro, com apresentações da beleza que possuímos nesses campos. O aproveitamento do folclore na escola é das mais válidas contribuições, pela intenção formativa e pelo caráter de nacionalidade que ele imprime.
Embora estejamos conscientes de que o corpo é o veículo através do qual o indivíduo se expressa, o movimento corporal humano acaba ficando, dentro da escola, restrito a momentos precisos, como as aulas de Educação Física e o horário do recreio. Nas demais atividades em sala, a criança, geralmente deve permanecer sentada em sua cadeira, em silêncio e olhando para frente. A criança cresce acreditando que existe uma grande diferença entre a arte e as questões do corpo e a ciência.
Uma lastimável distinção: a primeira se aprende como uma atividade lúdica, e a segunda, de uma forma séria e constrangedora. Isso é resultado da ausência do aspecto lúdico nas disciplinas científicas da escola e, também, da ausência de certa sistematização nas disciplinas artísticas e de Educação Física, comportamento que tende a acentuar a visão de que o ensino dessas disciplinas – Arte e Educação Física – é supérfluo

AS DANÇAS
Toda dança, não importa a estética que explora, surge da profundeza do ser humano ou, como Robinson (2001) nomeou, surge da “magia” e adquire diversas funções a partir de três motivações principais: a expressão, o espetáculo e a recreação (ou jogo).

FOLCLORE NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Dentre as principais manifestações culturais da região do Estado do Rio de Janeiro, destacam-se o carnaval, o Ano Novo, as festas juninas, a comemoração de São Cosme e São Damião e várias outras, dependendo dos costumes de cada localidade, especificamente. Todas elas utilizam o corpo para sua representação.
O folclore, dentre outras manifestações culturais, pode utilizar o corpo e o movimento por meio de manifestações corporais, danças e ritos. Na escola, um trabalho interdisciplinar pode aliar a Educação Física ao folclore, às artes e às ciências. O folclore do estado do Rio de Janeiro é muito rico e precisa ser valorizado nas escolas.


Resumo aula 10 Corpo e Movimento na Educação
Corpo e movimento nas primeiras séries

O profissional de Educação Física, e mesmo o professor das séries iniciais, devem utilizar-se dos movimentos corporais para o desenvolvimento do domínio psicomotor da criança, colaborando, assim, para o seu desenvolvimento como pessoa, como estudou Henri Wallon em sua concepção psicogenética (NUNES, 2000), e também para o desenvolvimento das linguagens oral, escrita (como estudaram Vygotsky e Bakhtim (SOUZA, 2000)) e corporal. Se essa utilização da linguagem corporal acontecer como um fazer integrado, isto é, colaborando com o desenvolvimento das relações entre as linguagens e o outro no espaço escolar (SMOLKA,1993), crescerão as chances de sucesso educacional. O mesmo acontece com a paridade de oportunidades entre meninos e meninas.

ESPORTE E GÊNERO – MANIFESTAÇÕES CORPORAIS NA ESCOLA – ENTRE MENINOS E MENINAS
A mulher sempre foi entendida como um ser frágil. Com a introdução do esporte moderno na Educação Física escolar no Brasil, principalmente a partir dos anos 30, a mulher manteve-se perdedora porque era um corpo frágil diante do homem. Todavia, era a vencedora nas danças e nas artes.
Se no passado apenas meninos jogavam bola, hoje, meninas freqüentam esses campos, não mais apenas como espectadoras, mas buscando romper com as hierarquias de gênero.

A INTERVENÇÃO DOCENTE NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA NAS PRIMEIRAS SÉRIES
São inúmeros os conflitos e as dificuldades dos educadores no enfrentamento das questões de gênero presentes na cultura escolar, especialmente nas aulas de Educação Física, pois se trata de valores e normas culturais que se transformam muito lentamente. Nesse processo, a tendência conservadora lógica – presente em toda comunidade social para reproduzir comportamentos, valores, idéias, artefatos e relações úteis para a própria existência do grupo humano – choca-se inevitavelmente com a tendência, também lógica, que busca modificar os caracteres dessa formação que se mostram desfavoráveis para alguns dos indivíduos ou grupos que compõem o complexo e conflitante tecido social.

AS ATIVIDADES NAS PRIMEIRAS SÉRIES BUSCAM MANTER AS CRIANÇAS FELIZES?
A deterioração da condição física da criança começa logo que ela é imobilizada por longas horas nas carteiras escolares. A disciplina de Educação Física pode reverter este quadro, devolvendo à criança o hábito de movimentar-se para que se torne um adulto fisicamente ativo (Araújo, 2004).
O brinquedo para a criança não é um meio para alcançar um fim. Ele torna-se o meio em si mesmo.
Se brincar é puro prazer, e se na escola as crianças têm tempo para brincar, por que elas se sentem descontentes na escola? Por que elas aprendem pouco? Será que é porque aprendemos, mais facilmente, aquelas coisas que nos proporcionam prazer?

A tarefa de proporcionar alegria na escola não é fácil. Nós, educadores, estamos procurando uma escola que seja agradável e que cumpra adequadamente o seu papel. Desde a Antigüidade até os tempos atuais, o fenômeno de educar e a instituição escola vêm sofrendo mudanças de acordo com o pensamento pedagógico da época.
A disciplina de Educação Física, como vimos em aulas anteriores, vem vivenciando também essa procura. Moacir Gadotti, em seu livro História das Idéias Pedagógicas,
descreve os principais pensadores da educação: o pensamento pedagógico oriental, com Lao-Tsé e o Talmude; o pensamento grego, com Sócrates, Platão e Aristóteles; o romano, com Cícero e Quintiliano; o medieval, com Santo Agostinho e São Tomás de Aquino; o renascentista, com Montaigne, Lutero e os jesuítas; o moderno, com Comênio e Locke; o iluminista, com Rousseau, Pestalozzi e Herbart; o positivista, com Spencer, Durkheim e Whitehead; o socialista, com Marx, Lênin, Makarenko e Gramsci; o da Escola Nova, com Dewey, Montessori, Claparède e Piaget; o fenomenológico-existencialista, com Buber, Korczak, Gusdorf e Pantillon; o antiautoritário, com Freinet, Rogers e Lobrot; o pedagógico crítico, com Bordieu, Baudelot e Girox; o do terceiro-mundo africano, com Cabral, Nyerere e Faundez, e o do terceiro mundo latino-americano, com Gutièrrez, Rosa Maria Torres, Maria Teresa Nidelcoff, Emília Ferreiro
e Juan Carlos Tedesco; o brasileiro liberal, com Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Anísio Teixeira, Roque Spencer e Maciel de Barros; o brasileiro progressista, com Paschoal Leme, Álvaro Vieira Pinto, Paulo Freire, Rubens Alves, Maurício Tragtenberg e Demerval Saviani.

FORMAÇÃO GERAL
Como formação geral compreende-se uma preparação da criança para o futuro, desde a educação infantil e as primeiras séries até a formação continuada estrito e lato sensu (a escola que conhecemos ainda está preparando a criança para um mundo adulto, apesar da inquietação de educadores como Rubens Alves quanto a essa preparação). Contudo, embora a preocupação seja relativa à preparação para o futuro, enquanto ocorre, ela pode ser vivenciada com muito prazer e respeito. Do prazer, já falamos anteriormente. Quanto ao respeito, podemos incluir aí o respeito às diferenças. A escola que conhecemos já compreende a necessidade desse respeito, mas não está preparada para exercê-lo nas diferenças. Respeito às diferenças de gênero, cultura, condição intelectual, grupos étnicos, interesses e diferenças de condição física e de saúde, desde a excelência de aptidão desportiva até, e principalmente, as diferenças de condição de necessidades especiais.

A preparação para o futuro inclui, também, a criação de hábitos em todas as esferas (ética, moral, social e física). Fica, então, também ao encargo da escola a manutenção do hábito da criança de se movimentar (inerente ao homem,), de realizar atividades físicas e esportes.
A educação deve ser interdisciplinar, integradora e deve respeitar e preparar a formação geral do indivíduo; essa formação geral inclui a preparação do aluno para ter capacidade de cuidar do seu corpo com uma visão de prevenção de acidentes e de doenças, e não apenas uma visão de saúde curativa. Então, também a disciplina de educação física, que trata do corpo, deve estar envolvida nas questões de saúde, e não somente algumas outras disciplinas do currículo. As aulas de Educação Física nas séries iniciais do Ensino Fundamental precisam contribuir com o crescimento e o desenvolvimento saudáveis da criança, oferecendo gasto de energia suficiente, facilitando aos alunos as atividades aeróbicas e atuando preventivamente em sua saúde mental e social.

O APELIDO NAS PRIMEIRAS SÉRIES – INSTRUMENTO PERVERSO DE HUMILHAÇÃO
Uma incoerência acontece no fato de ser muito comum exatamente as crianças obesas detestarem as aulas de Educação Física. Nessas aulas, onde o corpo é necessariamente mais exposto, o uso do apelido – brincadeira que pode ser transformada em um instrumento cruel de tortura, utilizado na infância e muito estimulado na escola, infelizmente utilizado também por alguns professores – é muito comum e parece muito “normal” a todos. Nenhum corpo deve ser alvo de abusos psicológicos e discriminação por parte dos amigos e do professor, principalmente na infância. Este fato leva alguns alunos a um sofrimento profundo, levando, em alguns casos, a processos contra a escola, professores e alunos, ou ao agravamento de doenças camufladas e surtos psicóticos, com conseqüências graves como suicídio e assassinatos coletivos.

A FORMAÇÃO PROFISSIONAL PARA ATUAR COM CORPO E MOVIMENTO NAS PRIMEIRAS SÉRIES
O professor de Educação Física é o único profissional que atua nos diferentes domínios da aprendizagem: o cognitivo, o psicossocial e, em caráter particular, o psicomotor. Este fato deve resultar em prestígio junto ao corpo docente da escola.
Para lidar com a saúde física e mental, esse profissional tem, em seu currículo, Anatomia, Biologia, Fisiologia, Psicologia do Desenvolvimento Social etc. Ele é o único profissional que, em nível superior, recebe formação específica sobre diferentes desportos (necessitando de conhecimentos na Biomecânica, Física, e Matemática), lutas, exercício físico, dança, folclore, ginásticas, hipertrofia muscular, jogos recreativos etc.
Para ser um docente licenciado, o profissional precisa experimentar as disciplinas Didática, Prática de Ensino, Estrutura e Dinâmica da Escola e Fundamentos da Educação (Filosofia, Psicologia, Sociologia, História, Política).
Para se conseguir uma boa formação, em qualquer profissão, o profissional precisa se envolver em programas de formação continuada: cursos de pós-graduação lato sensu (as especializações e aperfeiçoamento) e cursos de pós-graduação stricto sensu (os mestrados e doutorados).

OBJETIVOS PARA AS PRIMEIRAS SÉRIES NOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS
No Ensino Fundamental, os objetivos devem ser coerentes com os conteúdos e com a avaliação. O objetivo geral da Educação Física no Ensino Fundamental é proporcionar às crianças a capacidade de:
• participar de atividades corporais, estabelecendo relações equilibradas e construtivas com os outros, reconhecendo e respeitando características pessoais, físicas e de desempenho de si próprio e dos outros, sem discriminar por características
pessoais, físicas, sexuais ou sociais;
• adotar atitudes de respeito mútuo, dignidade e solidariedade em situações lúdicas e esportivas, repudiando qualquer espécie de violência;
• conhecer, valorizar, respeitar e desfrutar da pluralidade de manifestações de cultura corporal do Brasil e do mundo, percebendo-as como recurso valioso para a integração entre pessoas e grupos sociais;
• reconhecer-se como elemento integrante do ambiente, adotando hábitos saudáveis de higiene, alimentação e atividades corporais, relacionando-os com os efeitos sobre a própria saúde e de recuperação, manutenção e melhoria da saúde coletiva;
• solucionar problemas de ordem corporal em diferentes contextos, regulando e dosando o esforço em um nível compatível com as possibilidades, considerando que o aperfeiçoamento e o desenvolvimento das competências corporais decorrem de
perseverança e regularidade, e devem ocorrer de modo saudável e equilibrado;
• repudiar condições de trabalho que comprometam os processos de crescimento e desenvolvimento, para si e para os outros, reivindicando condições de vida dignas;
• conhecer a diversidade de padrões de saúde, beleza e estética corporal que existem nos diferentes grupos sociais, na cultura em que são produzidos, analisando criticamente os padrões divulgados pela mídia e evitando o consumismo e o preconceito;
• conhecer, organizar e interferir no espaço de forma autônoma, bem como reivindicar locais adequados para promover atividades corporais de lazer, reconhecendo-as como necessidade básica do ser humano e direito do cidadão.
Ainda de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, os conteúdos de Educação Física para o Ensino Fundamental foram selecionados com base nos seguintes critérios: sua relevância social, a interação com os temas transversais, as diferentes características regionais dos alunos e a característica da área de produzir discussões,
debates sobre cultura corporal, educação, exercício e saúde. Esses conteúdos contemplam três blocos interligados, guardando, todavia, suas especificidades. São eles:
1. esportes, jogos, lutas e ginástica;
2. atividades rítmicas e expressivas;
3. conhecimento sobre o corpo.

No bloco 1, consideram-se, como esporte as práticas nas quais são aplicadas regras oficiais em caráter de competição, com federações regionais, nacionais e internacionais, com regulamentação para atuações amadoras e profissionais. Envolve espaço e equipamentos sofisticados. Já os jogos têm regulamentações flexíveis e adaptadas ao espaço, materiais e participantes. Podem ser cooperativos, competitivos ou recreativos. As lutas são disputadas de forma que o jogador ou adversário é subjugado mediante técnicas de imobilização, desequilíbrio, projeção ao solo, e vão do cabo-de-guerra até o caratê. As ginásticas podem ter como finalidade a própria atividade ou ser uma preparação para outra modalidade. Podem ter objetivos de relaxamento, estética ou recreação.
No bloco 2, incluem-se todas as manifestações da cultura corporal que sejam expressivas e utilizem estímulos sonoros e ritmados. As danças podem ser eruditas (clássicas, contemporâneas, modernas e jazz), folclóricas, populares, religiosas, urbanas etc.
No bloco 3, o conhecimento do corpo capacita para a percepção corporal e para a análise criteriosa de programas de atividades físicas, possibilitando ao aluno ser independente para realizar atividades físicas para a saúde, trabalho e/ou lazer. São envolvidos conhecimentos de
Anatomia, Fisiologia, Biomecânica e Bioquímica. Os conhecimentos de anatomia concentram-se nos sistemas osteomusculares. Na Fisiologia, o enfoque recai sobre o conhecimento dos efeitos agudos e crônicos do exercício, para os sistemas cardiovascular e respiratório, como o que acontece com a freqüência cardíaca, por exemplo. A Bioquímica aborda alguns processos metabólicos de produção de energia (que veremos adiante). A Biomecânica se resume na física do corpo (postura). O importante é que estes conceitos devem ser ensinados tendo o próprio corpo do aluno como experiência de aprendizagem. A percepção corporal deve resultar dos efeitos do exercício no corpo.

Escreva um texto, concordando ou não com a importância da Educação Física escolar para a formação geral do aluno, justificando.
• a manutenção do hábito do ser humano de se movimentar, desde a Antigüidade, quando era nômade;
• a formação específica do professor de Educação Física para lidar com o domínio psicomotor;
• a formação abrangente desse profissional nas áreas de educação, técnica, desportiva, didática, social e biológica;
• o incrível aumento de especialistas, mestres e doutores na área de Educação Física;
• a enorme quantidade de publicações científicas nacionais, internacionais e educacionais nessa área, em periódicos com um rígido corpo editorial e avaliação rigorosa para aceitação de publicação

Temas como esporte e gênero, manifestações corporais, apelidos etc. são integradores. Para a deterioração da condição física da criança quando chega à escola, principalmente a disciplina de Educação Física pode reverter esse quadro, devolvendo à criança o hábito de movimentar-se para que se torne um adulto fisicamente ativo. A formação do professor de Educação Física é ampla e complexa, em diferentes áreas: educacional, técnica, biológica, filosófica, histórica e social.

A prática de atividade física e do exercício físico nas escolas está, na maioria das vezes, sob responsabilidade da disciplina Educação Física. O objetivo da Educação Física escolar é habilitar os alunos a compreenderem os determinantes técnicos, históricos e culturais, fisiológicos, biomecânicos, sociopolíticos, econômicos e pedagógicos da prática desportiva e do exercício físico. Assim, ela contribui para a construção de estilos de vida ativos e saudáveis, ajudando no desenvolvimento complexo, integrado e interdisciplinar da criança e do jovem.



Resumo aula 11 Corpo e Movimento na Educação | Criança, escola e movimento nas primeiras séries

Se a Educação Física na escola tiver como um de seus objetivos habilitar os alunos a compreenderem os determinantes técnicos, históricos e culturais, fisiológicos, biomecânicos, sócio-político, econômicos e pedagógicos da prática desportiva e do exercício físico em geral, ela estará contribuindo para a construção de estilos de vida ativos e saudáveis, contribuindo, assim, para um desenvolvimento complexo, integrado e interdisciplinar da criança e do jovem (ARAÚJO e ARAÚJO,1996).
AS FORMAS DE ENERGIA E SUAS TRANSFORMAÇÕES
Existem seis formas de energia: a química, a calórica, a luminosa, a magnética, a mecânica e a nuclear. A energia é constante no universo, e jamais a ganhamos ou perdemos (lei de conservação de energia).
Se não perdemos energia, o que ocorre? Ocorre a transformação de uma forma de energia em outra. A transformação de química em mecânica, em nível de célula muscular, é a parte da BIOENERGÉTICA mais útil e de maior interesse para o funcionamento do corpo durante o exercício físico e/ou as atividades físicas. Como a bioenergética do exercício é mais valorizada nos esportes de rendimento, a sua aplicação na escola sofre um certo preconceito, até porque o que não compreendemos não aceitamos. Esse pressuposto está aos poucos sendo substituído. Se a escola lida com o corpo, tem de conhecê-lo. Trataremos da bioenergética e de sua aplicabilidade, a partir de um de nossos artigos (ARAÚJO e ARAÚJO, 1985).
A TRANSFORMAÇÃO DE ENERGIA PARA A CONTRAÇÃO MUSCULAR
O processo de contração da fibra muscular depende da conversão de energia química em mecânica. A energia química vem dos alimentos que ingerimos, e a mecânica é utilizada para o movimento das pontes cruzadas de miosina, contidas na fibra muscular.
A ATP
Como já vimos, a substância intermediária de toda a produção de ATP chama-se adenosina-trifosfato (ATP). Na prática, a contração muscular requer que a molécula de ATP sofra a quebra de uma de suas ligações de alta energia. A célula muscular acumula uma quantidade muito pequena de ATP. É necessário, portanto, ressintetizar continuamente a ATP, de acordo com as necessidades metabólicas, para que o processo da contração muscular aconteça. É aí que se configura a importância da nossa alimentação rotineira. Os nutrientes da nossa alimentação, por meio de reações químicas catalisadas por enzimas, podem permitir a ressíntese de ATP, recuperando o seu nível no organismo.
Existem dois tipos de sistemas básicos de ressíntese de ATP na célula muscular:
• o que não depende do oxigênio – o anaeróbio;
• o que depende do oxigênio – o aeróbio.
O processo anaeróbio pode ocorrer com ou sem a produção de ácido lático para a ressíntese de ATP. Se o processo de ressíntese não utiliza ácido lático, é denominado anaeróbio alático. Quando utiliza, é chamado anaeróbio lático. Como temos pouca reserva de ATP no músculo, logo que realizamos uma atividade de pouca intensidade utilizamos as reservas de ATP do sistema aeróbio. Se esta atividade torna-se mais rápida e potente, acabam-se essas reservas, e o organismo lança mão do sistema de ressíntese com ácido lático. As células se “sacrificam”, optando pela produção de ATP, mesmo produzindo ácido lático, porque é a forma mais rápida e mais potente de produção por razões bioquímicas que não objetivamos detalhar aqui.
O PRIMEIRO SISTEMA – ANAERÓBIO ALÁTICO
O sistema de ressíntese utiliza uma substância de alto teor energético – a creatina-fosfato –, que é acumulada na célula muscular em uma concentração três vezes maior do que a da ATP. Esse processo de ressíntese, que ocorre no citoplasma, tem uma capacidade muito pequena de ressintetizar, em virtude da quantidade bastante limitada de creatina-fosfato disponível na célula muscular.
O SEGUNDO SISTEMA – ANAERÓBIO LÁTICO
É um outro sistema de ressíntese de ATP que tem como produto final o ácido lático. Nesse sistema, o glicogênio ou a glicose são utilizados como precursores de uma cadeia com pouco mais de uma dezena de reações químicas, algumas delas irreversíveis e que ocorrem no citoplasma da célula muscular. A potência desse sistema é elevada, ainda que seja menor do que a do primeiro. Porém, a sua capacidade de produção é muito maior, porque não utiliza somente substratos de reserva no músculo; pode usar também a glicose circulante no sangue. A principal limitação para a utilização desse sistema não está na quantidade de substrato, mas se relaciona com o produto final, isto é, o ácido lático.
O TERCEIRO SISTEMA – AERÓBIO
O último sistema de ressíntese de ATP apresenta algumas características especiais. É o único processo que utiliza oxigênio, sendo, na realidade, a única razão para necessitarmos tanto do oxigênio do ar; é também o único que ocorre em parte no citoplasma e em parte na mitocôndria.
A potência desse sistema é a mais baixa dos três aqui discutidos, pois, embora uma única molécula de glicose permita a ressíntese de 36 ATP (ressintetiza muito), por via aeróbia, ao contrário dos 2 ATP do sistema anaeróbio lático, o tempo de reação é muito mais lento para o sistema aeróbio, em virtude do número muito maior de reações que ele tem a executar.
UTILIZANDO A TEORIA NA PRÁTICA ESCOLAR DAS PRIMEIRAS SÉRIES
Em aulas infantis, por exemplo, aspectos psicossociais e culturais devem ser considerados. Os bioenergéticos devem ser também considerados, pois, como já frisamos, o esforço físico deve ser adequado às condições biopsicossociais dos alunos.
Para o nível escolar, não se esperam atividades de intensidade elevada por períodos longos (30 segundos), a não ser que seja um treinamento, o que não é o caso desta aula. Desse modo, os principais sistemas envolvidos seriam o aeróbio e o ATP-CP, este último em proporção direta com o número de piques de intensidade (por exemplo: série de saltos), sem maior atuação do sistema ácido lático.
Dessa maneira, a preparação para uma série de ginástica rítmica deverá conter exercícios que utilizem, primariamente, esses dois sistemas. Quando começar a sensação de fadiga, a atividade deve ser interrompida, porque a parte técnica da execução é seriamente comprometida quando existe produção significativa de ácido lático.
As atividades com bola são basicamente aeróbias e eventualmente ATP-CP (saltar e rolar com bola). A importância de cada sistema, nesse caso, vai depender muito do indivíduo e dos tipos de exercícios envolvidos; porém, como regra geral, pode-se verificar uma intensidade aeróbia menor com exercícios que exijam mais da parte técnica (normalmente associada a um grande número de interrupções).
FATORES ADEQUADOS ÀS CRIANÇAS DAS PRIMEIRAS SÉRIES
Selecionamos alguns fatores que devem ser considerados no planejamento de uma aula de Educação Física escolar, do ponto de vista da saúde.
• A maior ênfase deverá ser sempre sobre o sistema aeróbio. Todas as aulas deverão conter atividades que exijam a participação desse sistema, principalmente em nível fundamental, embora as atividades que exijam o sistema ATP-CP sejam úteis para despertar maior interesse pela aula e provoquem maior aceitação por parte dos alunos. Cabe ao professor imaginar atividades que despertem o prazer nas crianças, mesmo que tenham caráter aeróbio.
• É bastante útil começar a aula com exercícios de alongamento, mobilizando as principais articulações corporais. A intensidade deverá ser baixa no início, aumentando com o decorrer da aula.
• Exceto quando se possui um grupo muito homogêneo, não se deve começar a aula por corrida, evitando, assim, um trabalho anaeróbio desgastante, no início da aula, para aqueles que estão menos preparados.
• Só se deve dar maior ênfase ao sistema ácido lático quando se tratar de equipe colegial de competição, na qual a modalidade desportiva requeira esse sistema bem desenvolvido. Em situação cotidiana, raramente utilizamos ou precisamos do sistema de ressíntese de ATP produzindo ácido lático em muita quantidade; por isso, não precisamos desenvolver esse sistema tão acirradamente.
Se quisermos manter na criança o hábito de se movimentar, as aulas devem ser agradáveis. Seguem indicadores de que o aluno está produzindo ácido lático, situação desconfortável tanto para adulto quanto para criança:
• débito de oxigênio por mais de 30 segundos (respiração ofegante);
• piora na execução da atividade (quando o ácido lático se acumula, a musculatura dói, e o aluno, naturalmente, passa a economizar energia. Do ponto de vista da aprendizagem motora, se o objetivo é aprender corretamente, não adianta executar de forma errada);
• dor localizada, imediatamente após o esforço, nos músculos que realizaram o exercício;
• náuseas e vômitos;
• fadiga e incapacidade de continuar o exercício;
• freqüência respiratória superior a 40 batidas por minuto.
Aconselha-se, no entanto, que a aula de Educação Física escolar não seja voltada apenas à preparação e ao desenvolvimento desses sistemas ou de valências de condição física. Existem momentos da aula em que o docente objetiva ensinar um gesto motor, e, naturalmente, nenhum ganho energético tem de ser esperado nesse momento.
Atividades livres e de pouco movimento – como o xadrez, o tênis de mesa, a dramatização etc. – têm outros objetivos além do desenvolvimento biológico. Cabe ao professor realizar um trabalho no qual diferentes intenções são alcançadas
Oferecer atividades, diminuir o tempo de imobilidade diante do computador e da tevê são atitudes importantes. A criança, sozinha, não toma essa decisão. Para que a criança mantenha ou adquira o hábito de exercitar-se, essas variáveis – o prazer, o conhecimento e a oportunidade – devem também estar presentes, se quisermos que ela não se transforme em um adulto sedentário.
A prática de atividade física e do exercício físico nas escolas está, na maioria das vezes, sob responsabilidade da disciplina Educação Física. O objetivo da Educação Física escolar é habilitar os alunos a compreenderem os determinantes técnicos, históricos e culturais, fisiológicos, biomecânicos, sociopolíticos, econômicos e pedagógicos da prática desportiva e do exercício físico. Assim, ela contribui para a construção de estilos de vida ativos e saudáveis, ajudando no desenvolvimento complexo, integrado e interdisciplinar da criança e do jovem.


Resumo aula 12 Corpo e Movimento na Educação
Criança, escola e movimento nas primeiras séries

As crianças das primeiras séries se beneficiam quando aprendem com materiais didáticos lúdicos. O professor pode explorar o tema corpo e movimento de maneira interdisciplinar, utilizando-se de confecções de materiais didáticos como calendários, jogos de cartas, jogos da memória, revistas em quadrinhos, jornais, figurinhas, teatro de fantoches, músicas etc.
Qualquer material didático de boa qualidade, quando bem utilizado, é um bom incentivo e contribui para a aprendizagem. É fato que histórias e revistas em quadrinhos são materiais já consagrados pelo gosto infantil. Se acreditamos em aprendizagem significativa e ainda que com alegria e prazer aprendemos mais rápido, as histórias em quadrinhos podem e devem ser utilizadas na prática pedagógica das primeiras séries. O tema exercício e saúde não é muito desenvolvido na escola, na formação geral do futuro adulto. Sabemos que, se não aprendermos sobre isso na infância, ficará difícil aprendermos na vida adulta, o que pode acarretar vida sedentária, prejudicial para a saúde e para a qualidade de vida das pessoas. Combinar o desenvolvimento teórico desse tema com histórias em quadrinhos pode colaborar com o sucesso da aprendizagem.
A seleção de objetivos de ensino, de conteúdos e de experiências de aprendizagem é atitude corriqueira na prática de planejamento docente. Dessas, as experiências de aprendizagem podem estar mais diretamente ligadas a uma aprendizagem significativa, alegre e prazerosa ou não. O professor das primeiras séries pode explorar o tema corpo e movimento de maneira interdisciplinar, utilizando-se de confecções de materiais didáticos para ajudar na sua prática cotidiana, já que as histórias e revistas em quadrinhos são materiais já consagrados pelo gosto infantil. Combinar o desenvolvimento teórico desse tema com histórias em quadrinhos, ou outro material agradável, pode colaborar com o sucesso da aprendizagem.


Resumo aula 13 Corpo e Movimento na Educação
O esporte e a atividade física inclusiva na escola

DECLARAÇÃO DA CRIANÇA ESPORTIVAMENTE SAUDÁVEL
Toda criança deveria ter o direito de experimentar (ARAÚJO, 2004):
• andar, correr, trepar, saltar e arremessar;
• nadar pelo menos três estilos;
• jogar dois ou mais esportes de bola;
• jogar um ou mais esportes de raquete;
• realizar exercícios básicos de ginástica;
• pedalar e patinar;
• dançar;
• competir em uma luta marcial;
• praticar danças e jogos da cultura popular e do folclore brasileiro.
O ESPORTE INCLUSIVO NA ESCOLA
Embora a preocupação seja com a preparação para o futuro, enquanto essa preparação ocorre, o presente pode ser vivenciado, com prazer e respeito, principalmente o respeito às diferenças.
A escola que conhecemos já compreende a necessidade desse respeito, mas não está preparada para exercê-lo em relação às diferenças. Respeito às diferenças de gênero, de culturas, de condição intelectual, de grupos étnicos, de interesses, de condição física e de saúde, desde a excelência de aptidão desportiva até, e principalmente, as diferenças de condição de necessidades especiais das crianças.
EDUCAÇÃO INCLUSIVA
A educação inclusiva iniciou-se nos EUA em 1975, no estado da Califórnia. A partir daí, políticas públicas foram implantadas para se concretizar este sonho. Nos EUA, há diversas propostas de mudanças curriculares visando à implantação de programas mais adaptados às crianças com necessidades especiais. A Universidade de Minnesota realiza uma pesquisa de acompanhamento destes programas, e estados como New York, Massachussets, Minnessota, Daytona, Siracusa e West Virgínia já implementaram os seus programas. Localiza-se na Inglaterra o principal Centro de Estudos de Educação Inclusiva. Dele saíram as principais propostas mundiais sobre o tema. Países como Bangladesh, Brunei, China, Hong Kong, Índia, Indonésia, Japão, Coréia, Malásia, Nepal, Paquistão, Filipinas, Singapura, Siri Lanka e Tailândia, além de França, Alemanha, México, Canadá, Itália e Espanha têm, também, os seus programas de inclusão.
Entende-se por Educação Inclusiva o processo de inclusão dos portadores de necessidades especiais ou de distúrbios de aprendizagem na rede comum de ensino, em todos os seus graus. Nela, o processo educativo é entendido, principalmente, como um processo social e não como um processo de instrução apenas. Nele, as crianças têm o direito à escolarização o mais perto possível do normal, isto é, junto das crianças classificadas como normais, sem necessidade especial aparente e gritante.
Por cuidado excessivo, por vergonha e por proteção descabida, mas compreensível, alguns pais literalmente escondem os seus filhos nessa condição, sob a alegação de que as estão protegendo para não serem humilhadas, e para evitar que elas se tornem objeto da curiosidade de outras crianças, do restante da família, dos vizinhos, dos amigos em potencial na escola. Se essas crianças não forem expostas, a sociedade nunca se acostumará a lidar com a sua condição especial, e elas serão impedidas de exercerem vários dos seus direitos, sendo um deles o de ir e vir. Colocá-las em escolas especiais é uma forma de segregação. Impedi-los de conviver com os irmãos, colegas dos irmãos ou com colegas de escola com condição diferente também o é. Existem muitas situações de segregação às quais essas crianças são submetidas, e isso, de certa forma, é uma covardia.
Para conseguirmos, no futuro, um processo educativo brasileiro inclusivo, muitas mudanças deverão ocorrer. Essas mudanças passam pelas políticas de educação, pelo financiamento da educação, pela formação dos professores (muitos currículos não privilegiam esse tema de educação inclusiva), pelos princípios sociais éticos dos professores. Se esses professores tivessem convivido com crianças especiais, já estariam “acostumados” com a condição delas.
Os processos de avaliação tradicionais e os seus critérios deverão ser reformulados. O acesso físico à escola e na escola também são fatores que necessitam de mudanças.
Segundo os pesquisadores das Escolas de Educação da Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO) e da Universidade de São Paulo (USP), uma política de implantação de educação inclusiva deve conter (ARAÚJO, 2004):
• políticas de suporte às escolas inclusivas;
• adequadas condições de trabalho à equipe técnica;
• recursos adequados;
• formação e educação continuada para os profissionais envolvidos;
• informação adequada ao professor das classes sobre as verdadeiras limitações da criança;
• criação de procedimentos de punição para os que proporcionarem procedimentos perversos e injustos contra a criança.
Em relação ao argumento que essas crianças atrapalham o crescimento e o bom rendimento da turma, discordamos porque nunca ninguém conseguirá formar uma turma homogênea. Mesmo as crianças classificadas como normais são diferentes entre si. Professores têm em sua classe alunos interessados, desinteressados, mais desenvolvidos e menos desenvolvidos, com problemas de disciplina e/ou de aprendizagem. As crianças portadoras de necessidades especiais são diferentes apenas porque as suas dificuldades são aparentes e mais graves. A educação física escolar deveria se imbuir do espírito de solidariedade das Paraolimpíadas (Olimpíada Mundial realizada por portadores de necessidades especiais) e receber esses alunos indiscriminadamente.
No Brasil, foi D. Pedro II que iniciou o atendimento ao deficiente em 1854, criando o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, no Rio de Janeiro. Em 1942, já existiam 40 escolas públicas regulares que atendiam deficientes mentais e 14 que atendiam outras deficiências. Foi nesse ano que o Instituto Benjamim Constant editou sua primeira Revista Brasileira para Cegos em braile no Brasil. Nos anos 1970, o MEC assumiu que os cuidados especiais com essas pessoas seriam de responsabilidade da família, da escola e da sociedade. Em 1986, a expressão alunos especiais foi substituída por alunos portadores de necessidades especiais. Em 1990, o Brasil participou da Conferência de Educação para Todos, na Tailândia, onde foram lançadas as sementes da Educação Inclusiva na educação brasileira.
Pela imprensa, sabemos que astros como Tom Cruise e Cher, com problemas de leitura por causa da dislexia, venceram as suas necessidades especiais. Eles decoram os seus textos por meio de gravadores, e não de textos escritos. Personalidades e cientistas famosos também conviveram com suas deficiências. Thomas Edison, inventor da lâmpada elétrica, tinha dificuldades de aprendizagem por ter o cérebro muito grande, e Agatha Christie, famosa escritora policial inglesa, produzia os seus livros ditando o texto para a sua secretária pois tinha dificuldades enormes para escrever. O mais notável dos notáveis, Albert Einstein, não falou até os quatro anos, e somente conseguiu ler aos 11 anos de idade.
Em termos de conceitos, classificamos os esportes em quatro níveis:
• esporte social – entendido como instrumento de inclusão social em todos os tipos de esporte, com uma política específica para ele;
• esporte educacional – complemento à atividade escolar com revitalização dos jogos estudantis e universitários, envolvendo o esporte além da disciplina de Educação Física, que trata de outras dimensões do corpo e do movimento, além do esporte;
• esporte de alto rendimento – refere-se ao esporte competitivo, objetivando alcançar multidões realizando esportes para aumentar, sobremaneira, a qualidade e a quantidade de atletas brasileiros;
• esporte de recreação e lazer – esporte como um instrumento de qualidade de vida relacionado à saúde e ao bem-estar físico e psicológico, incentivando a sua prática como parte do cotidiano das pessoas.
Toda criança, seja ela considerada comum ou com necessidades especiais, tem direito ao movimento e ao contato com o esporte, com a Natureza. No entanto, por motivos variados, como despreparo docente, falta de infra-estrutura na escola, esse direito não vem sendo exercido. Na família, a criança também está sendo desestimulada a sair para brincar utilizando movimento, como as brincadeiras de roda e o futebol, pelo fato de os familiares estarem preocupados com a segurança dos pequenos. As crianças com necessidades especiais são segregadas em suas casas e impedidas de usufruir o direito de praticar esportes. Por uma razão, ou por outra, o sedentarismo infantil tem aumentado muito, o que tem preocupado profissionais das áreas de Educação e de Saúde.


Resumo aula 14 Corpo e Movimento na Educação | Elementos da teoria psicomotora

Podemos mesmo dizer que psicomotricidade não se ensina, vive-se.
Devemos ficar atentos a alguns princípios que deverão nortear nosso estudo. Um deles consiste em não se subestimar conhecimentos aparentemente simples, mas vitais para a compreensão da psicomotricidade, como é o caso das bases psicomotoras e de todo o vocabulário específico desta matéria.
Sabemos que o tripé de sustentação do “aprender” se constitui de afe-to, cognição e motricidade. Poderíamos dizer que, para aprender (cognição), necessitamos de afeto (motivação) e de movimento (motricidade).
O termo psicomotricidade, segundo os estudiosos do assunto, surgiu em 1925, na França, a partir de estudos de DUPRÉ, que permitiram definir A SÍNDROME DA DEBILIDADE MOTORA. Assim, a psicomotricidade, como técnica, surge da necessidade de se tratarem as doenças de enfoque neurológico, que atuam diretamente no comportamento adaptativo da criança. Os seus objetivos eram de ordem orgânica e imediatista/mecanicista.
O conceito psicomotor confirma, no entanto, a necessidade de se ver o homem na sua unidade dinâmica corpo-mental ou corpo-psíquica.
Na década de 1900, dr. Tissié criou, na França, o primeiro movimento contra a EDUCAÇÃO FÍSICA, vista, até então, como preparadora de militares, sendo utilizada como tal nos liceus da época. Tissié criou um projeto pedagógico denominado psicodinamia, tornando-se o primeiro a utilizar o termo psicomotor, retirado da neurologia de Dupré.

EDUCAÇÃO FÍSICA
“Por Educação Física não se deve entender apenas o exercício muscular do corpo, mas o treinamento de centros psicomotores pelas associações múltiplas e repetidas entre movimento e pensamento e entre pensamento e movimento” (LE CAMUS, 1986, p. 16). Quando Tissié lança essa proposta, na verdade está inaugurando um novo olhar para o corpo em movimento, inicia a Educação Física Escolar, preocupando-se com os exercícios não apenas motores, mas, especialmente, psicomotores.
Há várias definições para psicomotricidade; no entanto, vamos citar a que oficialmente é adotada em nosso país: “Psicomotricidade é uma ciência cujo objeto de estudo é o homem, através do seu corpo em movimento, nas suas relações com seus mundos, interno e externo” (SBP, 1985, p.67).
Assim, podemos entender que a psicomotricidade está voltada para o movimento, logo, para a ação corporal, tratando-se de conduta humana, de comportamento, de gestualidade, de expressividade. Todos esses fenômenos humanos estão ligados à emergência das emoções e dos afetos, logo, das relações com o mundo interior, relativizadas pelas ocorrências do mundo externo ao corpo.
Devemos saber que a prática psicomotora tem dupla função: atuar na prevenção de dificuldades futuras na aprendizagem escolar, facilitando e adaptando melhor a criança para o aprendizado da língua falada e escrita, abrindo uma via ao diálogo através do corpo em ação. Esta prática, por si só, já é um diálogo do corpo com a própria criança e com o mundo onde está inserida. Por outro lado, a prática psicomotora facilita o desenvolvimento de padrões maturativos, quando estes se encontram defasados; trata-se, no caso, daquelas crianças que não apresentam sintonia entre sua idade cronológica e o seu desenvolvimento geral. Para estas crianças, os médicos indicam a psicomotricidade, considerando os seguintes aspectos:
• quando a qualidade da função tônica (padrão muscular) – que fala do corpo, mas também encontra-se associada ao estado emocional – não se apresenta adequada;
• quando o estado maturativo, que se caracteriza pela independência dos movimentos dos braços e pernas, não se dá dentro do esperado para a idade da criança;
• quando a criança é instável nas suas emoções e nos seus movimentos;
• quando a criança apresenta distúrbios de ordem orgânica, afetando suas ações corporais.

Assim, de modo geral, as práticas psicomotoras são aceitas e indicadas quando se pretende sustentar o movimento corporal, não como uma ginástica que desperta o corpo para atitudes latentes que a dinâmica da sala de aula não abarca ou porque vai servir a uma readaptação funcional dos órgãos (cinesioterapia), mas porque reeduca o gesto, integrando-o à melodia cinética, isto é, à harmonização do movimento, do conjunto, definindo, assim, essa nova forma de tratamento.
O QUE DIFERENCIA A PRÁTICA PSICOMOTORA DAS DEMAIS PRÁTICAS CORPORAIS
As práticas psicomotoras caracterizam-se pela espontaneidade do gesto. Mesmo quando este é solicitado e especificado, há total autonomia na sua execução, o que diferenciará a atividade psicomotora da ginástica, na qual o instrutor mostra, explica e pede a repetição, segundo o modelo oferecido.

Podemos dizer, então, que as características principais das práticas psicomotoras resumem-se à trilogia: desejo, atenção e autonomia. O desejo encontra-se no plano da vontade, capaz de dar vida e sentido à ação motora, tornando-a, assim, psicomotora. Nela, as ações automatizadas, como, por exemplo, o andar, servirão apenas para deixar a inteligência livre para novas atitudes corporais como, por exemplo, andar duas passadas a cada batida de um tambor. O desejo será sempre o tempero da motivação.
Os motivos para a desatenção podem ser variados, mas para as práticas psicomotoras a falta de atenção sobre si mesmo, sobre o corpo que age, no tempo e no espaço, inviabiliza o exercício. Não há atividade psicomotora sem muita atenção; os automatismos não são exercícios psicomotores, porque não há necessidade de muita atenção para sua execução. Na psicomotricidade, a dispersão inviabiliza o crescimento.
1-Utilize suas próprias palavras para expressar o que você entendeu por psicomotricidade, a partir da definição da Sociedade Brasileira de Psicomotricidade. Procure ser objetivo.
Resposta: A psicomotricidade fala de uma nova abordagem do corpo humano, entendendo-o como um corpo expressivo que se move numa relação constante com o seu interior e com todo o mundo de coisas e pessoas que estão à sua volta. Trata, assim, de um indivíduo num diálogo constante consigo e com os demais. A prática psicomotora cuida de atuar sobre essa comunicação, tornando o homem bem adaptado às suas contingências.
2-Quais as concepções que deram origem à psicomotricidade?
Resposta: As perturbações neuromotoras, quando estudadas por neuropsiquiatras e neurofisiologistas, representaram a origem do surgimento das primeiras práticas psicomotoras, inicialmente voltadas para as crianças que tinham seu desenvolvimento prejudicado. Este foi o sentido de sua praticidade. Por outro lado, desenvolveram-se as concepções no plano psicológico da motricidade, o que tornou esta prática inovadora em sua época. A psicomotricidade passa a apresentar o discurso da unidade corpo/psiquismo, que irá, posteriormente, significá-la.
3-O que caracteriza o exercício psicomotor?
Resposta: O exercício psicomotor caracteriza-se por ser uma forma de comunicação corporal; logo, é um elemento de comunicação, é a tomada de consciência das possibilidades e dos limites do executante. Isto só pode acontecer através da liberdade na ação corporal, mesmo quando essa prática está instrumentalizada com exercícios estruturados, mostrando o que se deve fazer; no entanto, esse fazer é livre da imposição do outro, é o mesmo que dizer a uma criança: “Pegue esta bola e a faça rolar no chão, até passar por entre as pernas daquela mesa”. Desde que não peguemos a mão da criança para jogar por ela ou não a interrompamos para corrigir seu movimento, a criança estará tendo liberdade de agir. A tomada de consciência do movimento é a característica principal dessa prática.
A psicomotricidade nasceu da necessidade de se atender às doenças de origem neurológica que atuavam diretamente sobre o comportamento adaptativo do indivíduo, tendo por preocupação os sintomas. Ficou caracterizada pela unidade corpo/psiquismo.
Seus campos de aplicação são amplos, indo da prevenção à ajuda aos sujeitos que dela precisam: do casal grávido (preparação do casal para os períodos da gestação, do nascimento e desenvolvimento geral) à terceira idade, dos sintomas às condições gerais de melhor adaptabilidade para um desenvolvimento satisfatório. Assim, temos as técnicas dirigidas para os sintomas de ordem organicista e as técnicas preocupadas com o desenvolvimento global do indivíduo e de sua relação com o corpo, denominadas técnicas relacionais. Temos aquelas que são de ordem educativa e aquelas que incursionam no campo das terapias.
Hoje, a psicomotricidade sustenta a idéia de desenvolvimento e de distúrbios que acabaram por caracterizá-la na sua prática. Quanto aos exercícios psicomotores, estes não existem sem o comprometimento e a atenção concentrada do índivíduo que os pratica.


Resumo aula 15 Corpo e Movimento na Educação | As práticas psicomotoras

A Psicomotricidade, como já vimos, nasceu da necessidade de se oferecer às crianças com sinais de síndrome neurológica um atendimento capaz de minimizar ou mesmo curar seus sintomas motores.
No Pensamento complexo, de Morin, citado na primeira aula desta disciplina, encontramos a afirmação de que em toda verdade reside a incerteza:

Cada um deve estar plenamente consciente de que sua própria vida é uma aventura, mesmo quando se imagina encerrado em uma segurança burocrática; todo destino humano implica uma incerteza irredutível, até na absoluta certeza, que é a da morte, pois ignoramos a data. Cada um deve estar plenamente consciente de participar da aventura da humanidade, que se lançou no desconhecido em velocidade, de agora em diante, acelerada (MORIN, 2004-63).

A ESCOLA FRANCESA OU EUROPÉIA DE PSICOMOTRICIDADE
A Escola Francesa de Psicomotricidade nasceu da necessidade de se atender a crianças com distúrbios de ordem neurológica. Ajuriaguerra, neuropsiquiatra infantil, com sua longa prática clínica e colaboração com equipes de reeducadores, permitiu que se formulassem as bases teóricas da Psicomotricidade a partir das teorias de Merleau-Ponty, Wallon e Piaget.

Não chegou a desenvolver nenhuma teoria psicológica sobre Psicomotricidade. Apresentava uma perspectiva naturalmente interdisciplinar, da maior relevância para a compreensão da evolução psicomotora da criança, principalmente no que se refere aos aspectos tônicos e da construção da imagem do corpo, necessários à evolução biopsicossociológica.
De forma geral, podemos dizer que o conceito de Psicomotricidade, especialmente na França, estendeu-se mais a partir das contribuições da TEORIA FENOMENOLÓGICA, com Merleau-Ponty, do desenvolvimento da Psicologia Infantil, com Wallon e Piaget, e do crescente sucesso da PSICANÁLISE, com Freud.
A percepção é o processo pelo qual o indivíduo se torna consciente dos objetos e das relações no mundo circundante, na medida em que essa consciência depende de processos sensoriais, como o tato, a audição, a visão, o olfato e a gustação.
A psicologia infantil e sua evolução, ao longo do tempo, influencia a Psicomotricidade no que concerne às suas bases teóricas e aos testes motores e psicomotores utilizados nas avaliações.
Já a Psicanálise colabora nas práticas psicomotoras, ao referir-se à descoberta do corpo pulsional, ao corpo dinâmico, segundo Laplanche & Pontalis (1998-394):

Consiste numa pressão ou força (carga energética, fator de motricidade), fazendo o organismo tender para um objetivo. Segundo Freud, uma pulsão tem a sua fonte numa excitação corporal (estado de tensão); o seu objetivo ou meta é suprir o estado de tensão que reina na fonte pulsional; é no objeto ou graças a ele que a pulsão pode atingir a sua meta (LAPLANCHE & PONTALIS, 1998-394).

Podemos, dessa forma, entender que a pulsão é a energia do psiquismo atuando sobre a ação corporal. É sobre essa dinâmica corpo-psíquica que a Psicomotricidade age, tanto nas práticas educacionais quanto nas terapêuticas.

Compreendemos, assim, que a partir de Ajuriaguerra e de outros colegas psiquiatras e equipes de reeducadores foi-se definindo a prática psicomotora como uma “motricidade em relação”; uma prática corporal que se dissociava dos exercícios repetitivos e colocava a criança e o adulto em relação consigo, com o outro ou os demais e com os objetos ao seu redor.
A evolução da Psicomotricidade, na França, ocorreu devido à presença dos reeducadores nos hospitais psiquiátricos, formando equipes de tratamento e participando dos estudos sobre as percepções e o desenvolvimento infantil. Esses estudos iam ao encontro das necessidades dos reeducadores, que, a partir daí, descobriram a importância da linguagem do corpo e da necessidade de trabalhar nesse corpo os aspectos perceptuais (percepção de si e do mundo), a sua evolução e a do comportamento infantil (corpo físico e corpo psíquico) e, ainda, a simbologia do movimento, para a qual a Psicanálise trouxe grandes contribuições.
Para Pierre Vayer, a educação psicomotora é uma modalidade educativa global, necessária a todas as crianças, independentemente de serem ou não prejudicadas intelectualmente.
A proposta tem por objetivo primordial desenvolver a percepção e o controle do próprio corpo, por meio de movimentos variados, como os do relaxamento muscular e do domínio da respiração e, também, pela educação das atitudes e por várias posições da cabeça, da bacia, das costas, das sensações plantares e do equilíbrio da postura para liberação dos braços. O método preocupa-se muito com a educação das condutas motoras de base que correspondem ao equilíbrio geral e parcial do corpo, tanto parado como em movimento, o que facilita todas as ações motoras (andar, correr, pular, saltar). Essa metodologia de ação diretiva e reeducativa tem por objetivo melhorar os padrões sensoriais e de expressão verbal e gráfica, propiciando uma aprendizagem escolar melhor.

Jean Le Boulch, psicomotricista muito conhecido, desenvolveu um método abrangente, denominado “psicocinético”. Esse método exerce uma “ação geral educativa que, como meio pedagógico, utiliza o movimento humano em todas as suas formas” (1972-17). Trata-se da “busca de um melhor conhecimento e aceitação de si mesmo, melhor ajuste da conduta e autêntica autonomia e acesso à responsabilidade no plano social”(1972-18).
Ainda na década de 1970, tivemos, entre nós, Françoise Desobeau, outra psicomotricista francesa. Ela nos trouxe uma nova abordagem de ação somática, através da descontração e ativação do corpo. Essa atuação vai além da ação educativa, trata-se da terapia psicomotora, resultado natural, como vimos, da entrada da psicanálise nesse campo.
Para os americanos a concepção perceptivo-motora se baseia na importância que assume o desenvolvimento perceptivo. A exploração de qualquer objeto exige a sua prévia manipulação considerada, aliás, como um processo de investigação motora e, posteriormente, segue-se a investigação visual, que traduz em última análise a própria percepção (FONSECA & MENDES,1987, 156).
A Escola Americana é sustentada teoricamente pela psicologia behaviorista, que atua diretamente sobre o comportamento, sendo conhecida por comportamentalismo. Nela, salienta-se a importância dos acontecimentos observáveis, denominados estímulos, de onde advêm as reações ou respostas.
O estudo sobre as práticas psicomotoras procura caracterizar as várias escolas de Psicomotricidade, bem como seus autores mais expressivos, analisando o que as motivou, qual a sua fundamentação teórica e sua aplicabilidade. Dos problemas neurológicos à estrutura mental e à minimização das dificuldades do aprendizado escolar, a Psicomotricidade esboça seu campo prático, da educação à terapia; de práticas instrumentais, com exercícios psicomotores bem definidos em termos de movimentos, a práticas relacionais, nas quais o movimento parte da espontaneidade do gesto, no prazer de agir sobre objetos e/ou situações.



Resumo aula 16 Desenvolvimento e aprendizagem psicomotora


Aprendizagem pode ser entendida como um “processo de transformação relativamente permanente do comportamento, em resultado do desempenho prático de certas tarefas específicas” (CABRAL, 1971, p. 40).
Por desenvolvimento entendemos “a evolução ordenada e sistemática das potencialidades humanas no crescimento do organismo, resultante de fatores inatos, hereditários e maturativos, assim como de influências ambientais” (CABRAL, 1971, p. 97). Vemos, assim, que desenvolvimento é crescimento ordenado; o ser humano cresce em etapas, fortemente limitado pelo meio que o absorve e que por ele é absorvido.
A aprendizagem é o domínio do comportamento que se sustenta na trilogia cognição, afetividade e motricidade.
No domínio cognitivo, tratamos das atividades intelectuais, como, por exemplo, o estudo relativo a qualquer conteúdo escolar. No domínio afetivo, temos os sentimentos e as emoções que impelem nossa conduta em direção a uma determinada situação.
No domínio motor, tem-se por base o movimento corporal, desde o tocar, manipular, mover objetos até o ato de controlar esses objetos e o próprio corpo.
Triângulo da aprendizagem: Cognição – Afetividade – Motricidade
A PSICOMOTRICIDADE, O CONCEITO DE CORPO E A APRENDIZAGEM
O movimento estará sempre presente em qualquer situação que envolva mudanças ou aprendizagens. Em Psicomotricidade, a ação (movimento) está representada por um ser total, possuidor de um corpo e de uma mente que se conectam com o mundo exterior, por meio de ações motoras e de ações psíquicas. Corpo e psiquismo constituem entidades diferentes, mas de atuação indissociável. Semelhantemente, a aprendizagem é uma ação que só se processa por meio desse corpo e desse psiquismo.
Wallon (1975) assinalou a importância do gesto no processo evolutivo da criança, que, em sua opinião, torna presente o objeto ausente, substituindo-o. A presença do gesto, para ele, só aparece no ESTÁDIO PROJETIVO, após a passagem do ESTÁDIO SENSÓRIO-MOTOR, que se verifica por volta de um ano de idade.
O gesto, ao envolver certa capacidade de abstração, só atinge a expressão intencional na medida em que as capacidades intelectuais põem em funcionamento a memória e a atenção, mecanismos indispensáveis nesse processo.
Quando a teoria walloniana nos fala da passagem do ato ao pensamento, entende-se que a criança liberta-se do hábito do gesto, atingindo o pensamento representativo e simbólico, liberando-se da ação e das situações presentes. Isso ocorre graças à inteligência e, primordialmente, à afetividade.
Para acontecer todo esse movimento e se chegar à aprendizagem, há necessidade de que o psiquismo esteja em alerta; é o que comumente chamamos de atenção.
Segundo Boujon e Quaireau (2000, p. 9), a atenção é
“O controle, a orientação e a seleção, pelo indivíduo, de uma ou mais formas de atividade durante um período de tempo que não pode ser mantido indefinidamente”.
A atenção cria, assim, um elo muito forte com a memória. As falhas de atenção dificultam ou mesmo impedem a memorização, fenômeno de grande relevância na aprendizagem.
Sobre a memória, vamos nos reportar a uma citação de Lieury (2001, p. 7) que relata um diálogo entre Carlos Magno e Alcuíno:Carlos Magno: O que você vai dizer agora da memória, que penso ser a parte mais nobre da retórica?Alcuíno: A memória é a sala do tesouro de todas as coisas se não se faz dela a guardiã de tudo o que pensamos sobre coisas e sobre as palavras, sabemos que todos os outros dotes do orador, por mais excelentes que sejam, ficam reduzidos a nada.
É preciso reconhecer a importância da memória, pois ela é preponderante nos atos evolutivos e em toda a construção dos mecanismos de aprendizagem. Para Dejour (1988), a memória deve ser vista como aptidão e possibilidade de restituir informações, entendendo que, em relação à cognição, esta se desenvolve por meio de programas preestabelecidos, logo, de lembranças que ficam gravadas, enriquecendo nossas possibilidades de domínio do conhecimento.
O desenvolvimento atingirá sua maior maturação na medida em que a criança libertar-se da atividade sensório-motora e do hábito do gesto, característico do estádio projetivo, atingindo o pensamento representativo e simbólico, o que significa emancipar-se da ação e das situações presentes. Trata-se, pois, do que Wallon denominou passagem do ato ao pensamento, que ocorre por meio da inteligência, de acertos e erros, dos subterfúgios e, sobretudo, da imitação. Ainda para Wallon, isso tudo só ocorre por intermédio da afetividade, sempre presente em todas as fases do desenvolvimento.
Para Vygotsky, a ação aparece antes da linguagem e, aos poucos, os movimentos tornam-se conscientemente intencionais. Isso ocorre graças à existência da fase pré-intelectual, que se refere ao desenvolvimento da fala, e da fase pré-lingüística, referente ao desenvolvimento do pensamento. Quando a etapa pré-intelectual alcança a etapa pré-lingüística, o pensamento torna-se verbal e a linguagem racional.
Uma palavra sem pensamento é uma coisa morta e um pensamento desprovido de palavra permanece na sombra, sendo que a conexão entre eles não é constante. O pensamento e a linguagem, que refletem a realidade através da percepção, são a chave da natureza da consciência humana (VYGOTSKY, 1964, p. 165).
Dessa forma, a aquisição do sistema lingüístico está diretamente ligada à reorganização de todos os processos mentais.
A palavra passa a ser assim um fator excepcional que dá forma à atividade mental, aperfeiçoando o reflexo da realidade e criando novas formas de atenção, de memória e de imaginação, de pensamento e de ação (p. 11).
Para que essa consciência exista, há necessidade de se entender: o sentido da ação, os domínios da aprendizagem, a integração corpo-psiquismo na aprendizagem, que se desloca para a abstração; a atenção, a memória, a formação do pensamento, até a chegada da linguagem comunicativa.
Exercícios
a. Sobre a importância do gesto, como você entende a afirmação de Wallon, quando ele diz que o gesto torna presente o objeto ausente? Dê um exemplo.
b. Que mecanismos são indispensáveis para tornar o gesto, através de certa abstração, intencional, promovendo o processo de aprendizagem?
c. Escreva, em poucas palavras, o que você entendeu por: Consciência corporal, Projeto psicomotor
Pensamento e Linguagem

a. Para Wallon, o gesto penetra o mundo simbólico por meio das representações. Assim, o gesto de um braço em riste, movendo-se exaustivamente na proteção e no ataque, pode ser a representação mental e emocional de uma poderosa espada. O gesto estará, assim, tornando presente o objeto ausente, a espada.
b. O gesto intencional está sujeito à aquisição da capacidade de abstração; esta, por sua vez, depende da potência intelectiva que coloca em funcionamento o mecanismo da atenção psíquica e da memória. Essa evolução na criança conduz à linguagem falada, e, posteriormente, ao máximo da abstração, a leitura e à escrita.
c. As trilogias, quase sempre, são a chave de grandes conhecimentos. Devemos sempre estar atentos quando elas surgirem. Na Psicomotricidade, a trilogia corpo, espaço e tempo significa a imagem tridimensional que temos de nosso corpo, podendo ser comparada ao esquema corporal; é através dela que adquirimos a consciência corporal e chegamos ao projeto motor: consciência do gesto, equilíbrio e domínio da ação. Isso se realiza por meio do pensamento, quando é possível libertar-se do gesto e penetrar no simbolismo. Pensar e perceber são componentes do mesmo processo cognitivo, muito embora o pensamento não seja predominantemente perceptivo. A passagem do ato ao pensamento e da ação à linguagem nos trazem o sentido maior do desenvolvimento e da aprendizagem: a permissão de entrada no mundo simbólico.
Psicomotricidade é ação corporal pensada, consciente, adaptativa e transformadora, assim como as aprendizagens, que ocorrem mediadas pelo corpo e pela mente. Quando a criança abstrai dominando um determinado conceito, deve retornar ao plano concreto, o que pode ocorrer por intermédio de desenhos, construções e outras manifestações gestuais. Assim, para chegar ao conceito de leve e de pesado (abstração), a criança precisa vivenciar com o corpo objetos de vários pesos (aprendizado concreto); ao dominar o conceito, ela deve ser convidada a representá-lo, e, se for através do desenho, certamente, serão criadas imagens significativas sobre essa compreensão, o que não deixa de ser um retorno ao plano concreto. Atenção, memória, pensamento, linguagem e consciência corporal são desdobramentos que possibilitam a aprendizagem, desenvolvidos pela ação corporal e psíquica ou mental.
A Psicologia define o comportamento como “um conjunto de normas extremamente complexas de reações de um organismo aos estímulos de seu meio” (CABRAL, 1971, p. 77).
“a conduta refere-se a um dado nível do comportamento que é especialmente determinado pela antecipação e a volição” (p. 81). Portanto, a conduta é a unidade dinâmica das atividades. Por conduta, devemos entender todas as manifestações humanas relacionadas com o próprio indivíduo e com seu meio. Essas manifestações são o gesto, as atitudes e a postura, referindo-se ao corpo expressivo, ferramenta principal da Psicomotricidade.
podemos ver a consciência corporal como SOMATOGNOSIA (imagem que a pessoa faz de seu próprio corpo, mantendo-se ligada às noções de esquema corporal. Para Fonseca (1987, p. 296), “a somatognosia traduz a relação dialética da atividade corporal e do reconhecimento da sua estrutura e posição postural (atitude-movimento).
as percepções, que são de três ordens, intero, extero e proprioceptivas, fazem a ligação mais fina com o meio ambiente, diferentemente das sensações, que são orientadoras por meio de seus órgãos (visual, auditivo, gustativo, olfativo e tátil).
A percepção interoceptiva coloca-nos em contato com as atividades viscerais, como a sucção, respiração, excreção e sexualidade. A percepção proprioceptiva diz respeito à unidade dinâmica da ação e da estática em relação ao mundo externo; a percepção exteroceptiva interfere no equilíbrio corporal, exercendo forte influência sobre o movimento que ocorre por meio da propriocepção. É responsável, também, pelo tônus e pela unidade da ação nos planos físico e mental.
Outro termo muito utilizado, em Psicomotricidade, diz respeito às PRAXIAS (Dizem respeito a todo movimento intencional, organizado, visando a um resultado determinado. Como exemplo, temos o movimento intencional de pegar um lápis para escrever).
Para a Psicologia Social, o corpo permite a comunicação, que se realiza por meio do corpo, também, por meio das formas expressivas, como a aparência física, o gesto e as expressões faciais, e não só pelas palavras. Assim, comunicamos o que queremos por intermédio de nossas condutas, e expressamos, dessa forma, o nosso caráter, os traços da nossa personalidade.
Psicomotricidade é a conduta no gesto, onde reside o verdadeiro sentido da somatognosia como conhecimento do corpo. É a possibilidade de o homem exercer a ação sobre o meio e sobre si. Quando utilizamos a prática psicomotora, criamos um espaço de reconhecimento de nós mesmos por meio do movimento: “Quem sou?”; “Por que me movo?”; “Para quê?” A possibilidade desse reconhecimento está nos domínios da somatognosia.

O conhecimento do corpo (somatognosia) propicia uma perfeita integração, que permite reconhecer, na ação, a representação: por que e para quê. As praxias, movimentos intencionais, realizam-se na plena consciência do ato, aperfeiçoando a função perceptual que se dá no cérebro por meio de um córtex superior, capaz de dar várias respostas a um mesmo estímulo emanado do meio.
O ato de adaptar-se ao meio requer, como vimos, a disposição humana de viver as situações que se apresentam, ser capaz de agir e, se necessário, modificar-se. Tal ação chama-se aprendizagem,
O ser humano evolui e se desenvolve graças a um corpo que se move no tempo e no espaço, agindo como força atuante sobre os processos de adaptação.



Resumo aula 17 Conceitos psicomotores – Martha Lovisaro

Para compreender os conceitos psicomotores, precisamos considerar o potencial maturativo no homem. Não nascemos prontos, vamos nos organizando de acordo com nossas possibilidades biológicas e de estimulação do meio ambiente. Um marco importante maturacional refere-se à distinção entre o que pertence ao mundo exterior e o que faz parte do próprio corpo. Para Wallon (1975), isso ocorre quando há ligação entre a atividade voltada para o mundo externo e as necessidades e atitudes do corpo.
O desenvolvimento psicomotor se caracteriza, nas palavras de Chazaud (1976-31), “por uma maturação que integra o movimento, o ritmo, a construção espacial; mas também o reconhecimento dos objetos, das posições... a imagem ou esquema de nosso corpo e por fim a palavra”.
Dessa forma, podemos tirar algumas conclusões: a primeira delas é a de que Psicomotricidade consiste, em suma, em imagem e esquema corporal. Os dois termos referem-se ao desenvolvimento psicomotor, e têm grande abrangência.
A comunicação do ser humano com o mundo é possível graças à imagem corporal que se revela através do plano do desejo (afetividade dirigida a nós mesmos) e de um esquema corporal que se realiza através do plano da realidade (na vivência do aqui e agora). A imagem permite ao sujeito a relação entre ele e suas próprias impressões, enquanto o esquema é igual para todos, levando o sujeito à relação com a realidade imediata, do aqui e agora. Assim, para Dolto, a imagem é afetiva, enquanto o esquema é corpo neurofisiológico.
Conforme Schilder, a imagem corporal constrói-se a partir das ZONAS ERÓGENAS.
Dessa maneira, o contato das pessoas e o interesse que elas demonstram em relação ao outro serão de vital importância no desenvolvimento da imagem ou modelo postural do corpo, este sendo uma outra forma de designação da imagem.
A imagem que temos de nós mesmos depende do acolhimento do mundo e do nosso potencial psíquico para recebê-las e transformá-las, de modo a suprir nossas necessidades. Podemos entender que a imagem bem constituída advém do amor e da aceitação que pode ocorrer desde a fase gestacional.
A RELAXAÇÃO, segundo Coste (1978-88), refere-se a “uma psicoterapia que, pela descontração das diferentes partes do corpo e sua unificação, tem por finalidade reduzir as tensões psíquicas”.
Vayer (1984) vê a relaxação como possibilidade de descoberta de si mesmo, como consciência e controle de si. Ele diz que as crianças devem viver a distensão muscular a partir de situações simples e em decorrência do seu contrário, a contração.
Como decorrência da aplicação da técnica de relaxamento, a criança vai desenvolvendo a consciência de si e da capacidade de interiorização ou “mergulho” interior; assim, vai descobrindo o peso de seus membros, os contatos do corpo com os objetos, por meio de situações vividas por ela própria e guiadas pelo adulto, desenvolvendo um diálogo, que adota termos, vocabulários e imagens próprios de sua idade.
O tônus diz respeito ao movimento, tornando-se um fenômeno fundamental para a compreensão do desenvolvimento e da ação psicomotora, constituindo-se em conceito de base da Psicomotricidade.
Chazaud (1976) afirma que o tônus mantém as relações entre a alma e o corpo. O tônus é um fenômeno nervoso. Participa de todas as funções motoras, expressa as emoções através do corpo, é o suporte da linguagem corporal e, pela sua íntima relação com as emoções, representa um critério de definição da personalidade.
Todo movimento ou praxia compreende um conjunto de contrações musculares ou tônicas. Embora as contrações sejam físicas, são coordenadas pelo psiquismo, em função do que desejamos. Para Le Boulch (1988), isso só pode ser conseguido graças ao acompanhamento tônico do qual dependem o ajustamento postural e as reações de equilibração.
imagem e esquema corporal são as bases fundamentais da Psicomotricidade. Referem-se à estrutura da ação psíquica e motora, essência da comunicação humana. A relaxação e o equilíbrio postural são bases de sustentação tônica, capazes de manter esse diálogo constante entre você e seu mundo exterior.
Para relaxar, é preciso buscar o equilíbrio postural e a modulação tônica através da consciência corporal.
Os três termos citados estão intimamente ligados ao esquema corporal, relacionando-se com sentimentos e emoções.
O equilíbrio corporal é uma decorrência do desequilíbrio, como quando ficamos equilibrados em uma única perna. Sempre que buscamos o equilíbrio, o fazemos para encontrar novos ajustes.
A respiração, necessária no relaxamento, depende do tônus e do equilíbrio.
Quando vivemos o medo, tensionamos todo o corpo e ficamos em estado de rigidez muscular, a respiração fica presa no peito e encurtada e a postura corporal se modifica. Uma pessoa nesse estado desequilibra-se com facilidade, tanto fisica quanto psicologicamente.

Conta-se que, em certa ocasião, CONFÚCIO viajava por uma estrada de terra, quando, ao longe, deparou-se com uma cena inusitada; à beira da estrada jazia o corpo de uma grande porca, morta recentemente. Agarrados às suas tetas, cheias de leite, uma ninhada de porquinhos se alimentava. Confúcio aproximou-se e ficou a observar o triste quadro. Parece, no entanto, que em um dado momento, os porquinhos procuraram o olhar da mãe e, não o achando, afastaram-se assustados e saíram correndo pela estrada, sem olhar para trás.
Esse fato parece ser perfeito para se entender a essência da imagem e do esquema corporal. O corpo permanecia, respondendo à sucção, contendo ainda o leite. Mas a inércia e a perda da expressividade do olhar, transformaram-no num fantasma assustador. Sem a imagem, o corpo torna-se um desconhecido, não há possibilidade de se fazer presente. Até mesmo os animais respondem a esse impositivo do contato, que reflete a presença do outro dando-lhe sentido. A imagem é, pois, essa vida interior que anima o corpo. A regulação tônica permite a ação corporal, animada pela imagem, expressão dos afetos e emoções. Assim, estabelecem-se contrações e descontrações, bases do diálogo constante, que, entre outras funções, permitirá ao corpo dominar seus movimentos e equilibrar-se frente às possibilidades de desequilíbrios.
CONFÚCIO
Viveu de 551 a.C a 479 a.C. Nasceu na China e foi um grande filósofo e teórico político. Criou uma doutrina, o confucionismo. Coube a seus alunos desenvolver na prática essa doutrina, conferindo a Confúcio o papel do grande mestre.



Resumo aula 18 Conceitos psicomotores – Martha Lovisaro


Fonseca e Mendes (1987) dividem a organização motora em organização motora de base, organização do plano motor e automatização. Por organização motora de base, devemos compreender os movimentos reflexos do bebê, sendo o mais conhecido a sucção.
No plano do movimento, é importante compreender o conceito de coordenação motora ampla e específica, base necessária para a ação corporal global, que compreende todos os movimentos que dependam de uma ação mais ampla, como andar, subir, saltar, correr, por exemplo.
A coordenação motora fina refere-se a movimentos de maior delicadeza, por exemplo, são as atividades realizadas com as mãos, como no desenho e nos trabalhos manuais.
O tônus, já estudado na Aula 17, será o responsável pela qualidade e modulação dos padrões de movimento.
As noções de espaço-temporalidade e de lateralidade vêm ao encontro da singularidade do gesto e da própria noção de corpo que, na verdade, só existe pela possibilidade de estar inscrito no tempo e no espaço e do reconhecimento do DIMÍDIO CORPORAL (divisão do corpo em duas partes, direita e esquerda).
Para Defontaine (1978), os exercícios de coordenação motora glo­bal necessitam do equilíbrio estático. Assim, ele sugere como exemplo:
• sentir concretamente a superfície de sustentação do corpo sobre os dois pés;
• inclinação vertical do corpo para frente e para trás;
• inclinação lateral para a direita e para a esquerda;
• inclinação rotativa do corpo.
Esses exercícios são estáticos, voluntários e de domínio global do corpo; podem ser realizados, também, com os olhos fechados.Na execução, sentimos o quanto eles exigem em relação à qualidade do equilíbrio postural.
O exercício dinâmico inclui andar, correr, saltar, deslocar-se de quatro, arrastar-se e colocar-se em ação, de forma harmônica.
A coordenação motora pode ser global (o corpo todo), segmentária (alguns segmentos, como o braço) e faciais.
LATERALIDADE
A lateralidade é o predomínio motor do lado direito ou esquerdo do corpo. Para Defontaine (1978), ela é a bússola do esquema corporal, no sentido de apontar, a partir do meio, o lado que se deve apresentar para o movimento do corpo percebido e sentido (esquema corporal).
A lateralização traz uma bagagem inata (neurológica), e uma dominância adquirida (social).
Para Le Boulch (1988, p. 61), na Educação Infantil, o professor pode ter seis tipos de aluno:
– destros integrais bem lateralizados;
– canhotos integrais bem lateralizados;
– alunos com predominância imprecisa;
– destros com um atraso da lateralidade;
– canhotos para certas atividades, destros para outras;
– canhotos contrariados que aprenderam a escrever com a mão direita.

2. a. Comente a importância da lateralização para o aluno que vai freqüentar a classe de alfabetização. Que possíveis interferências poderiam ocorrer nessa aprendizagem?
2. b. Elabore um exercício inicial no qual a criança vá atuar com os membros superiores, definindo sua lateralidade.
2. c. Planeje um exercício, no qual a criança que já consolidou sua late-ralidade possa se conscientizar de seu ouvido predominante, como também de sua mão e perna preferenciais

Resposta 2. a. Em Psicomotricidade, todos os autores são unânimes em afirmar ser de suma importância que a criança, em fase de alfabetização, esteja devidamente lateralizada. Os movimentos de esquerda e direita que o ato de ler e escrever requerem poderão causar séria barreira a essa aprendizagem, caso a criança não tenha adquirido, por meio da lateralização, as noções de orientação do corpo no espaço.

Resposta 2. b. Exercícios com bola são motivadores. No exercício de arremessar a bola dentro de uma caixa, pode-se ver qual o lado do corpo utilizado: a mão direita ou a esquerda? Qual a perna fixada para o lançamento da bola? A direita ou a esquerda? Os jogos livres, com bola, são ideais, também, para a criança ir definindo, aos poucos, seu lado dominante.

Resposta 2. c. Após a consolidação da lateralidade, os jogos podem ser mais complexos. Lançar a bola com a mão dominante e recebê-la com a outra provoca a dificuldade capaz de conscientizar a criança de sua dominância. Chutar a bola para alcançar um alvo, como o gol feito com ambos os pés, poderá trazer a conscientização necessária.
A ESPAÇO-TEMPORALIDADE
A espaço-temporalidade é uma das bases mais importantes da Psicomotricidade; além de nos permitir a movimentação e o reconhe­cimento, nos conecta, localizando as partes do corpo e situando-as no espaço, coordenando a atividade e organizando a vida cotidiana.
O sucesso da alfabetização, em grande parte, depende das noções de espaço-temporalidade e do domínio lingüístico, que advém de uma boa organização do esquema corporal, envolvendo os princípios da modulação tônica e do eixo corporal.
O RITMO
Para Piaget (1964), o ritmo é a primeira forma de equilíbrio da conduta humana. A conduta é a unidade dinâ­mica das atividades; trata-se, pois, de movimento, de ação, que o corpo produz. Assim como não há movimento intencional fora do tempo e do espaço, não há conduta fora do ritmo. O ritmo está no corpo: o ritmo biológico da respiração ou das batidas do coração apresenta grande repercussão em nossa vida diária e em nossos estados emocionais. O ritmo apresenta-se, também, fora do corpo, havendo necessidade de se estabelecerem ajustes entre o ritmo interno e o externo.
O ritmo ocorre em um determinado tempo, ditado pela organiza­ção interna de cada pessoa, definindo o seu grau de rapidez.
Há muito a se dizer a respeito do ritmo; vamos nos ater, no en­tanto, aos ritmos motores espontâneos.
Le Boulch (1987, p. 172) prefere definir o ritmo como “uma or­ganização ou estruturação dos fenômenos que se desenrolam no tempo”. Nessa definição, leva-se em consideração a passagem do tempo, que pode ter um aspecto quantitativo, referindo-se à duração do fenômeno, e o aspecto qualitativo, que se refere a uma certa organização temporal.
Qual a função do ritmo na Psicomotricidade?
Resposta: As atividades psicomotoras acontecem em um determinado ritmo que acompanha todo e qualquer movimento. Lembramos que o ritmo que acompanha os movimentos tanto são externos, vindos, do meio, quanto internos, produzidos pelo próprio organismo.
O que o ritmo tem a ver com espaço-temporalidade?
Resposta: O ritmo é parte imprescindível na espaço-temporalidade. Ritmo é tempo (duração) e espaço (intervalo), servindo, assim, para ajudar na execução do movimento, estabelecendo a relação entre ação e reação.

Na Psicomotricidade, tudo gira em torno do esquema corporal, que, por sua vez, só pode ser reconhecido no espaço e no tempo, por meio da dinâmica neurofisiológica que o compõe, representada pelas percepções. O tônus, por sua vez, oferece a sustentação para o movimento, relaxando ou tensionando a musculatura de ação. A precisão depende do equilíbrio postural e da coordenação motora. O gesto está determinado, também, pelo ritmo que lhe concede a fluidez.



Resumo aula 19 Psicomotricidade educacional – Martha Lovisaro

Educar para garantir determinadas aquisições básicas consiste em proceder a um retorno de vivências de contato, refazendo caminhos neurofisiológicos e afetivos, estabelecendo, desse modo, novas conexões. Assim, a prática psicomotora educativa deve ser entendida como um procedimento corporal que se dá no âmbito estritamente educacional. Por isso, torna-se fundamental conhecer, dominar e dialogar com o próprio corpo para unificar o funcionamento corpo-mente.
A EDUCAÇÃO PSICOMOTORA
A educação psicomotora foi definida por Rossel (1975) como a educação do controle mental da expressão motora. O programa educacional deve fundamentar-se na capacidade de representação mental, e não nas possibilidades funcionais (força física). Quando o educador se apóia nas possibilidades funcionais (dificuldades de ordem motora, usando o exemplo da paralisia cerebral), estará utilizando técnicas reeducativas. Havendo possibilidade de a criança agir usando as representações mentais, estará no âmbito da educação psicomotora. Caso a criança, por uma questão de deficiência mental ou outras dificuldades, não alcance a capacidade de representação mental (de expressar-se por meio do gesto), estaremos diante de uma reeducação. A diferença é sutil, gira em torno da possibilidade de reproduzir o gesto (funcionalidade) e de representá-lo (expressividade). Um exemplo simples para ilustrar essa questão pode ser visto na criança pequena. Ela vê a mãe embalando o seu irmãozinho ou a ela própria. Toma sua bonequinha nas mãos e reproduz o gesto da mãe (funcionalidade) e a trata como sua filha (representação). Se abrirmos espaço para a criança brincar, se ela pegar uma corda, prendê-la pelos dois extremos e pular por cima, teremos aí mais um exemplo do uso de representações mentais.
Para Vayer (1986, p. 111), a educação psicomotora ocorre a partir de uma ação educativa de abordagem global, na qual inclui a família e a escola, tratando-se do conjunto das interações criança-mundo. Para ele, a educação psicomotora refere-se ao auxílio que se dá à criança para a assunção de sua verdadeira personalidade, o que ocorre no diálogo com o mundo ao seu redor, deixando de lado qualquer outra abordagem que induza a uma NORMALIZAÇÃO.
Para a educação corporal ganhar significado junto à criança, faz-se necessário que seja parte integrante das atividades da classe e que as interações e inter-relações por ela produzidas não sejam determinadas somente pelo adulto, mas, principalmente, pelo grupo. Assim, as atividades podem tomar formas bem diferenciadas, ao gosto das crianças. O adulto, assim como preceituava Wallon, deverá ficar a distância, sem interferir no fazer da criança, mas oferecendo-lhe o espaço e o que for necessário para que ocorra a ação, especialmente proporcionando segurança à criança. Só assim ela poderá desenvolver sua autonomia.
Para Vayer (1994), a autonomia é uma necessidade fundamental do ser humano. Ela nasce da relação com o adulto na família, na escola e nos demais grupos de convívio. A autonomia promove o acesso ao conhecimento, que, por sua vez, consiste na autonomia na ação. Permite a auto-organização e dinâmica dos grupos de crianças, facilitando as relações.
Le Boulch distingue três fases de aprendizagem:
1. Fase exploratória global: quando se entra em contato com o problema a ser resolvido. Entretanto, ainda há, nessa fase inicial, ações motoras imprecisas com desgaste de movimentos desnecessários.
2. Fase de dissociação: caracteriza-se pelo processo de controle e de inibição, selecionando as contrações tônicas, componentes dos movimentos.
3. Fase exploratória: é a fase capital para a compreensão da situação, na qual são feitas “associações conscientes e inconscientes entre as informações recolhidas sobre a nova situação e a experiência pessoal do sujeito” (LE BOULCH, 1987, 164). Sob essa premissa repousa uma filosofia de aplicação que vai caracterizar a psicocinética. Le Boulch ressalta que a própria prática e a exploração pessoal tornam possível compreender uma situação nova, e não a experiência de outra pessoa, isto é, quando ela nos serve de modelo ou nos detalha o que devemos fazer. Ele preceitua que o indivíduo deve viver suas próprias experiências e encontrar, por meio delas, as adaptações necessárias ao sucesso de sua empreitada. Na escolha da atividade, deve-se levar em consideração a experiência anterior do aluno e suas motivações. Segundo Le Boulch, é mais fácil dominar uma situação complexa do que uma situação esquemática.
ATIVIDADE
Considerando as fases de aprendizagem propostas por Le Boulch, verifique, nos exemplos a seguir, onde elas se encaixam.
O aluno é solicitado a, usando sua mão dominante, jogar para o alto uma bolinha de tênis e recebê-la com a outra mão. Nos primeiros momentos, a bola cai com constância no chão após vários movimentos dispersos, não-coordenados, com gasto excessivo de ação motora. (Fase exploratória global)
Aplicando-se mais, pode-se observar maior precisão das ações motoras, ocasionando menor gasto de movimentos e menos bolas indo ao chão. (Fase dissociação)
Agora temos ações motoras bem ajustadas, os gestos são harmônicos e a precisão muito boa. (Fase exploratória)
As fases ocorrem na sua ordem natural. O excesso e a incorreção dos movimentos referem-se à fase exploratória global. Quando os movimentos estão mais organizados, estamos na fase de dissociação, e, finalmente, com a precisão aumentada, estamos na fase exploratória.




Resumo aula 20 Psicomotricidade educacional relacional – Martha Lovisaro
A Psicomotricidade Relacional surgiu como movimento contrário, valorizando a ação motora do aluno. Lapierre e Aucouturier discutem o conceito de corpo pulsional na Psicomotricidade, compreendido como o corpo do prazer. Criticam a escola e a família, lugares onde esse corpo não tem vez. Na escola, geralmente, fica aprisionado, retido no enfileiramento das carteiras. Outras práticas, como a Educação Física, para esses psicomotricistas, também mantinham o domínio do corpo, através de objetivos que estariam fechando o corpo em estereótipos de aprendizagem.
Lapierre e Aucouturier, impregnados pela Psicanálise e avessos ao formalismo da Educação, criam um novo modelo de Psicomotricidade, no qual fica clara a recusa a qualquer forma de exercício estruturado. Apóiam-se na formulação psicanalítica do CORPO PULSIONAL, instituindo, assim, o corpo do prazer, que para existir, precisa estar livre.
Para esse corpo do prazer “acontecer”, torna-se necessário criar um espaço apropriado. Naturalmente, é preciso preparar os profissionais para lidar com a nova realidade, quando terão de se submeter a determinados princípios relacionados às práticas relacionais, a fim de que não se pense que suas ações sejam uma “bagunça”, como dizem seus criadores (1984). Referem-se, por exemplo, ao que diria uma diretora de escola, desavisada, ao entrar em uma sala de aula e lá encontrar o mobiliário colocado de lado e os alunos gritando, fazendo barulho e movimentando-se prazerosamente durante as atividades de brincadeiras livres.
O primeiro princípio para a prática relacional diz respeito a como induzir a criança ou o adulto a agir prazerosamente e de maneira espontânea, valorizando toda e qualquer forma de expressividade do corpo. É evidente que há todo um investimento no espaço e nos objetos que o compõem, como cubos de espuma densa, colchonetes, tecidos, cordas, bambolês, pranchas, espaldares e outros mais.
Vamos explicar o sentido, primeiramente, da fusionalidade, sem nos determos no discurso psicanalítico, e sim na forma como ela é definida na Psicomotricidade Relacional. Partimos da situação do bebê intra-útero, quando, nesse espaço interno do corpo materno, o feto vive uma sensação de plenitude total e sem limites. Não havendo lugar para vazios, as necessidades fisiológicas são automaticamente atendidas, afastando qualquer possibilidade de frustração, já que nada é esperado do exterior. “O traumatismo do nascimento vai arrancá-la brutalmente desse estado de plenitude fusional”(LAPIERRE e AUCOUTURIER, 1984, p. 10). A criança fica, agora, submetida a uma série de estímulos, o que a leva a se sentir “mutilada” (dividida). A partir daí, surge a sensação de vazio, de perda, de ausência de completude. Nesse momento, o bebê estará suscetível ao corpo do outro, que deverá garantir-lhe a proteção necessária, por meio da fusionalidade.
A fusionalidade revela um ajuste tônico. O contato com o corpo do outro facilita a perda de rigidez muscular, podendo acontecer a falta de limites corporais (os corpos se amalgamam na aceitação e no prazer, tornando-se unos), gerando o prazer e o sentimento de completude vividos na fusionalidade intra-útero. É um estado regressivo, de abandono e diminuição das defesas, o que favorece o aparecimento dos recalques, na criança mais velha, quando esses sentimentos não são bem vividos. Esses recalques, fatos traumáticos anteriormente ocorridos no período de fusionalidade extra-útero, por não serem suportáveis, ficaram retidos no inconsciente, isto é, existiam, mas não se revelavam, a não ser quando as defesas diminuíam.
Na Psicomotricidade Relacional, todos os comportamentos trazem um certo retorno ao prazer original, vivenciado no corpo e pelo corpo (vivência intra-uterina), no fantasma da separação (vivência da perda da fusão) e na reação de afastamento (busca de sua própria identidade). Dessa forma, se o ambiente educacional for suscetível a essas vivências, permitindo à criança aproximar-se e afastar-se das situações prazerosas e conflitivas, certamente estará propiciando uma estruturação psicológica melhor.
Quando a atividade é espontânea, o fantasma (medo) pode ser dominado. É simples de entender: quanto mais nos aproximamos e encaramos a situação que nos amedronta, menos intensa ela passa a ser.
É fácil reconhecer a veracidade do exemplo citado. Dê a uma criança pequena uma caixa grande de papelão, coloque-a dentro da caixa e tampe sua entrada; a criança não ficará quieta nessa situação, sairá imediatamente, devendo sentir-se angustiada. Experimente deixar que ela brinque com a caixa e verá que ela mesma entra e se fecha, permanecendo por lá um bom tempo, repetindo a ação. Nesse caso, já que se encontra enclausurada espontaneamente na caixa, ela fica em condições de explorar intensamente a situação, podendo vivenciar o seu fantasma de separação. Trata-se, pois, de uma brincadeira livre com objetos, trazendo a possibilidade de atuação sobre sua própria personalidade e prevenindo dificuldades futuras.
DINÂMICA RELACIONAL
Essa prática psicomotora, segundo seus autores, parte da nossa necessidade de comunicação, de se estabelecerem relações significantes com o nosso corpo, com suas sensações e produções e com tudo o mais que lhe é exterior. A personalidade será, então, entendida como “o nosso modo pessoal de estruturar essas relações, nossa maneira de perceber e reagir”(1984, p. 56).
Para que isso aconteça, a relação com o outro (psicomotricista ou professor) deve estar livre de medos, de julgamento, de receios de não estar sendo aceito. Logo, deve-se instituir uma relação de autenticidade, sem a qual será impossível acontecer o ato relacional proveitoso.
Ao atuar na Educação, a Psicomotricidade Relacional o faz em nível preventivo, procurando levar a criança a atingir o pensamento operatório (ação cognitiva), quando ela é capaz de perceber o distan-ciamento entre o que está dentro, sua pessoa profunda (mundo fantasmático), e o nível cognitivo e emocional.
Lapierre e Aucouturier (1984, p. 38) assinalam que, numa situação fusional, não há necessidade da palavra, pois “a emoção nos torna mudos”. Assim, eles entendem que não há um movimento e um esforço de comunicação: “para que haja comunicação é preciso que haja separação” (p. 38).
Assim, entendemos que a prática relacional fundamenta-se na dinâmica de aproximação e separação, onde os contrastes são importantes, como no caso de dar e receber, do belo e do feio, do bem e do mal; entre os dois pólos, institui-se a comunicação.
A AÇÃO PREVENTIVA
Para a Psicomotricidade Relacional, como já foi demonstrado, os FANTASMAS ORIGINAIS existem e devem evoluir, de forma que os conflitos neles contidos possam ser resolvidos, diminuindo as tensões psíquicas e, assim, promovendo um melhor ajuste da personalidade. Caso isso não aconteça, o recalque dessas situações poderá conduzir a um estado neurótico. A prevenção, nesse caso, tem um sentido estritamente voltado para os aspectos relativos à saúde mental e psíquica. Toda a problemática humana estaria centrada na impossibilidade de resolução desses conflitos de ordem relacional. Portanto, a proposta preventiva e educacional será, justamente, a de se abrir um espaço de reasseguramento para a resolução dos conflitos emanados das vivências fantasmáticas que existem desde o nascimento.
Lapierre (2002) afirma, muito claramente, a partir da observação de crianças de 0 a 3 anos, a presença de fases comportamentais, que lhe servem de parâmetro para uma intervenção, com o objetivo de prevenir situações bloqueadoras do psiquismo. Essas situações poderão se manifestar, futuramente, por meio de dificuldades adaptativas que estariam mais ligadas ao processo de comunicação, logo, de relação consigo mesma e/ou com o outro, envolvendo pessoas e objetos.
Assim, ele prevê uma seqüência de fases:
1.      inibição – como um estado inicial, que marca, nos primeiros contatos, um certo distanciamento do corpo do adulto, permanecendo apenas o olhar, mas, aos poucos, a criança diminui a distância, permitindo a aproximação;
2. agressividade – surge nas crianças mais dependentes do adulto e isoladas. O adulto é agredido por ser um símbolo de autoridade, tratando-se de uma agressão aparentemente gratuita. Lapierre define essa situação como o “fantasma da devoração”, porque, nesse caso, a criança vive o medo ameaçador de algo que a quer absorver. Isso ocorre no plano inconsciente. Para Lapierre, algumas crianças não passam por essa fase, indo direto para a fase fusional, na qual a criança, no aconchego do adulto e/ou de objetos, busca sua unidade;
3. domesticação – quando o adulto, vencido, já não é mais perigoso e ameaçador. A esse respeito, Lapierre cita a fala de uma criança mandando-o ficar quieto e de olhos fechados: “Você está morto” (p. 71). Ao destruir o poder do adulto, a criança investe no seu próprio poder, invertendo os papéis;
4. fusionalidade – quando a energia agressiva é liberada, a criança entra no estado regressivo de unificação na busca do prazer;
5. agressividade simbólica – quando, após reviver o prazer da fusionalidade propiciado pelo adulto, surge uma certa dependência e a necessidade de separação, emergindo uma nova fase de agressividade, que, no entanto, é diferente da fase agressiva: ela, agora, já não tem medo do adulto, não necessita destruí-lo;
6. jogo e independência – caracterizada pela ação autônoma. Como a criança não necessita tanto do adulto, pode brincar com seus objetos, libertada da intensidade do desejo fusional e da agressividade em relação a esse adulto.

Assim, para Lapierre, ao se permitir à criança a vivência dessas fases, abre-se o caminho para o crescimento psíquico, para o desenvolvimento do Eu. Este será, então, o objetivo da prevenção: evitar as fragilidades psíquicas.
Numere, de acordo com as fases de desenvolvimento psíquico, os exemplos a seguir:
( 6 ) A criança brinca sozinha, numa caixa de areia, enchendo pane-linhas como se estivesse preparando um alimento.
( 4 ) A criança corre e se atira no colo da professora procurando acolhimento.
( 5 ) A criança afasta-se do colo da professora, atirando longe o seu ursinho de pelúcia.
( 1 ) A criança entra, pela primeira vez, na sala, mantendo-se afastada da professora, olhando-a com desconfiança.
( 2 ) A criança tem um lençol, a professora está sentada no chão, ela cobre a sua cabeça e a deita no chão, colocando-se sobre ela, agressivamente.
( 3 ) Após deitar a professora no chão e, de forma agressiva, man-tê-la sem movimentos, a criança se acalma e assume o papel controlador, apenas observa. Já não mais a agride.
A Psicomotricidade Relacional, aplicada à Educação, tem por fim, como já vimos, a prevenção de possíveis distúrbios maturacionais. O termo maturação é utilizado pelos neurologistas, e diz respeito à evolução do sistema nervoso. No entanto, para Lapierre e, especificamente, para Aucouturier, o conceito de maturação tem uma dimensão mais ampla, associando-se à ordem do psicológico, à maturação que se faz em relação ao mundo exterior, referente tanto ao estado neurológico quanto ao estado psicológico. Embora se deva admitir que o ambiente cultural exerce sua ação sobre a maturação (desenvolvimento), acelerando ou inibindo esse processo. Não se pode duvidar das competências desenvolvidas em certas idades, aceitas mundialmente, como no caso da alfabetização, em que há um consenso de se estabelecer a faixa etária dos 6/7 anos para essa aquisição, o que nos faz repensar a influência cultural. De modo geral, nessa faixa de idade, tanto neurologistas quanto psicólogos são unânimes em afirmar o potencial maturativo da criança, que lhe permite utilizar as operações mentais, isto é, não só agindo, mas pensando para agir, separando o prazer de pensar do prazer de agir. Nesse momento, a criança está pronta para viver socialmente, aceitando as tarefas coletivas.
Outra regra importante está contida numa “pedagogia da descoberta”, na qual a criança descobre coisas por intermédio da experiência. Ao professor compete abrir esse espaço, tornando-o uma experimentação contínua, observando, sempre, o nível de abstração que a criança consegue atingir. O professor está sempre muito interessado na resposta final ao exercício. Nessa proposta, isto é o que menos vale, pois o que realmente importa é o movimento criativo e de procura realizado pelo aluno. Por isso, nunca se deve presumir o nível cognitivo das crianças.
A dinâmica da aprendizagem baseada na “pedagogia da descoberta” ocorre, inicialmente, pela ação perceptivo-motora gerada pelo interesse em relação ao objeto ou pessoa. A exploração corporal do objeto leva a análise do mesmo, organizando a ação perceptiva: o que fazer, como fazer e para que fazer, conduzindo à possibilidade de abstração.
A Psicomotricidade Relacional parte da espontaneidade da brincadeira, do prazer de agir, da segurança que a brincadeira traz, já que se trata de atos simbólicos, presentes nos mecanismos criadores das fantasias e, portanto, passíveis de serem vividos sem culpa. Nada é imposto à criança, ela escolhe o que precisa e, assim, tem condições de se ajustar à situação ou ao objeto. Ela dá sentido ao objeto, vive em sua expressividade os fantasmas que a incomodam, procurando libertar-se desses medos. Nessa atividade espontânea, ela transforma o objeto, adaptando-o às suas necessidades. Quando o objeto não é mais imprescindível, ela o afasta, na busca de sua própria identidade, suas descobertas pessoais. Volta-se, enfim, para si mesma, para seu corpo, apossa-se de suas reações, do tempo e do espaço, alivia suas tensões, afasta seus fantasmas e fortalece sua autonomia e seu equilíbrio interior.



Resumo aula 21 A contribuição transpsicomotora – Martha Lovisaro

o conceito de transpsicomotricidade, que vem a ser a Psicomotricidade atravessada pelo pensamento complexo e pela TRANSDISCIPLINARIDADE. Assim, procuramos entender a ação corporal na sala de aula e nos demais grupos de convívio, especialmente na família.
TRANSDISCIPLINARIDADE
Refere-se ao estudo do pensamento complexo aplicado à ação do movimento humano sobre o mundo interno e externo, buscando compreender a multidimensio-nalidade do ser nessa relação.
Segundo estudiosos do desenvolvimento, somos regidos por uma determinada forma (modelo), que surge a partir da necessidade de uma síntese e se mantém por toda nossa existência. Apesar das transformações desencadeadas pelas experiências que vivemos e pelas vicissitudes por que passamos, reconhecemo-nos como sendo a mesma pessoa. Assim, a exigência da forma vem a ser a primeira lei da organização biológica regida pela hereditariedade. Entretanto, não somos apenas uma forma física. Há em nós a ordem do psiquismo, expressando a vontade de ser por meio da consciência.
Podemos entender, então, que cada um de nós se define, não por uma perfeita continuidade do desenvolvimento, mas por uma unidade geral de impulsão e de orientação que vem a ser a expressão da necessidade de sermos nós mesmos, o que acaba por modelar nossa individualidade.
Podemos pensar que o papel da família na promoção dessa individualidade descrita seria a de modelador mais contumaz. Os pais querem os filhos crescendo à sua imagem e semelhança. No entanto, os filhos atuam sobre os seus genitores, modificando-os para que possam ser indivíduos através da diferença. Atentando bem para essa questão, podemos compreender e lidar melhor com as pessoas de todas as idades, especialmente, nossos alunos.
Se aplicado aos princípios apresentados, o PENSAMENTO COMPLEXO tende a não reduzi-los e sim ampliá-los. Podemos entender, por exemplo, a íntima relação entre a família e o indivíduo sem, no entanto, reduzirmos o seu desenvolvimento única e exclusivamente a esse fato, mas compreendendo que a rede que o une a tudo o mais forma uma teia sistêmica que se estende a todos os lados, pulsando de dentro para fora e de fora para dentro, tal qual o movimento respiratório. Trata-se, pois, de uma visão expandida, como pode ser verificado na afirmação de Petraglia (PETRAGLIA, 1995, p. 47): “O pensamento complexo é aquele capaz de considerar todas as influências recebidas: internas e externas.”
“(...) há algo mais do que a singularidade ou que a diferença de indivíduo para indivíduo, é o facto que cada indivíduo é um sujeito” (MORIN, 1991, p. 78). Ser um sujeito implica a aventura de aceitar a complexidade da própria vida e poder transformá-la, sendo capaz de uma auto-organização.
A família é um núcleo chamado primário por ser o primeiro contato com o aspecto humano da vida. Nesse núcleo é que exercitamos nossa frágil humanidade e aprendemos a criar condições para nossa sobrevivência. A família enraíza o sujeito para que ele dela se alimente e vice-versa. Seria impróprio ao educador desconhecer essa relação e suas implicações ou simplesmente querer “cortar o mal pela raiz”, como diz o adágio popular. Sem enraizamento, a árvore cai. Para que se conheça um pouco mais sobre seus frutos, a família precisa ser conhecida e respeitada em sua especificidade e na condição de ser um processo dinâmico e em constante mudança.
Os sete saberes aplicados aos objetivos transpsicomotores Edgar Morin, ao se referir à Educação, reporta-se à reforma do pensamento contextual, procurando sempre a relação de insepara-bilidade e inter-retroações entre o fenômeno e seu contexto. Decorre daí a necessidade de se conhecer o meio de onde vem a criança e o contexto planetário onde está inserida. Podemos ver a família como um microssistema que recebe influências próximas dos meios de comunicação, do local onde vive, do sistema educacional e da saúde, sendo que estes são submetidos ao macrossistema composto pelos valores culturais, pelos costumes, pela política, pela economia e pelas condições sociais (visão multidimensional).
Primeiro dos sete saberes – o conhecimento.
Morin nos convida a reconhecer que todo conhecimento é tradução e reconstrução. Quando se traduz um texto, por mais que se queira ser fiel à idéia do autor, sempre se está sujeito às próprias impressões, que, por sua vez, submetem-se à cultura que as formatou.
Tivemos, no passado, por exemplo, o uso obrigatório de saia para as mulheres, fato que, à época, não era contestado; a saia era símbolo de feminilidade. Coube ao movimento de emancipação feminista derrubar esse paradigma. Assim, para o pensamento complexo, o reducionismo reinante no mundo pessoal, científico e acadêmico, nos leva a admitir que “somos, assim, possuídos pelas idéias que acreditamos possuir”.
O homem tem a capacidade de objetivar a percepção espaço-temporal por meio de sua linguagem. Ao reconhecer o erro e as ilusões, adquire a flexibilidade para pensar outras formas de estar e de tomar posse de seu corpo. Para a transpsicomotricidade, no mundo intelectualizado, carregado de informações, a atenção a esse primeiro buraco negro nos conduz a uma amizade, intimidade e acolhimento maior do corpo. O professor pode atuar sobre esse pilar da Educação, valorizando as possibilidades de ação corporal como parte integrante de suas aulas.
Para os alunos de qualquer idade, aprender com o corpo e pelo corpo consiste em estabelecer um aprendizado ativo e participativo no qual o processo criador renova e expande as possibilidades do conhecimento. Aqui, a TRANSDISCIPLINARIDADE pode ser exercitada pela união das várias disciplinas, em que o eixo principal será o sujeito, seu corpo, sua expressão corporal e verbal e tudo o mais que o constitui, da sua história pessoal à história do mundo em que habita.
O segundo buraco negro é o do conhecimento pertinente.

O conhecimento, para Morin (2002), não reside na quantidade de informações que recebemos, mas como as organizamos. Para que isso ocorra, é preciso saber contextualizar, religando os pensamentos, utilizando o potencial cognitivo que nos permite (...) “um conhecimento simultaneamente analítico e sintético das partes religadas ao todo e do todo religado às partes.” (MORIN, 2002, p. 85). Nesse ponto, Morin critica o processo educativo ao dizer que esse circuito de retroação entre as partes e o todo não é ensinado.
Na transpsicomotricidade, enquanto tomada de atenção sobre o corpo em movimento e a relação com o que o dimensiona – tempo e espaço –, está a raíz do conhecimento pertinente. Nossa inteligência não pode ser dimensionada pelos nossos afetos, pois é impossível medi-los por meio de nossas percepções. O distanciamento do objeto permite a emergência do Eu (sujeito): eu sou porque me reconheço entre outras coisas do mundo próximo ou distante. Eu existo porque sou no tempo e no espaço. Eu sou, porque existo, nesse mesmo tempo e espaço, redimensionado por minhas percepções e possibilidades de agir atuando sobre o tempo e o espaço que me determinam. Nessa rede de conjunções, ou estamos abertos à experiência ou ficaremos à margem do conhecimento que se faz pertinente, como uma moeda. Ela valerá, sempre, como uma moeda, se pudermos reconhecer suas duas faces que a complementam e lhe dão valor.
O terceiro pilar do conhecimento é a condição humana.
Morin questiona a ausência de um ensino voltado para a discussão da identidade: “O terceiro buraco negro me deixa estupefato. Em nenhum lugar é ensinado o que é a condição humana, ou seja, nossa identidade de ser humano (...) O problema central - Quem somos nós? encontra-se inteiramente ausente” (MORIN, 2002, p. 86).
Morin nos incita a pensar que somente ao religar os conhecimentos e as disciplinas, poderemos nos aproximar das possibilidades de entendimento sobre a condição humana. É o que a transpsicomotricidade faz ao procurar estudar o homem em movimento e em sua relação consigo próprio e com o mundo, religando os saberes e buscando compreender a multidimensionalidade do ser nessa relação.
O quarto pilar, a compreensão humana, também nunca é ensinado.
Compreender o outro é entender o ser humano, não apenas como objeto, mas como sujeito. Começamos, aqui, a tratar da empatia e da projeção. Na primeira, sentimos com o outro na segunda, nos revelamos (quando alguém chora, podemos compreender que há sofrimento). “Sofremos uma carência de compreensão” (MORIN, 2002, p. 91), é a conclusão oferecida pelo autor e, certamente, todos nós acabamos por concordar com ele. Isso se dá por meio da indiferença (não olhar o outro) e pela redução do sujeito àquilo que ele tem de pior. Qual a solução? “Para compreender o outro, é preciso compreender a si mesmo” (MORIN, 2002, p. 92). Buscar compreender-se é fazer o exercício do autoconhecimento, uma necessidade que vem do nosso interior.
Ao colocar o corpo no foco da atenção individualizada, a transpsicomotricidade conduz o sujeito a exercitar o autoconhecimento e, dessa forma, atingir a capacidade de compreensão de si e do outro. Estar diante do outro, interagir com ele, especialmente no plano da construção de um projeto comum, quando há o embate de personalidades diferentes, de idéias talvez antagônicas, quando há necessidade de encontrar uma solução aceitável para ambos, reflete o princípio da compreensão, sem a qual o projeto seria inviável.
Na prática educacional, ensinar a compreensão depende muito do desenvolvimento do terceiro pilar. Conhecer-se leva à possibilidade de compreensão do outro, e, para tal, é preciso aceitar-se, reconhecendo suas possibilidades e suas deficiências.
O quinto pilar diz respeito à incerteza, mais exatamente, aprender a enfrentar a incerteza.
Para Morin, ensinamos as certezas: “A aquisição das incertezas é uma das maiores conquistas da consciência, porque a aventura humana, desde seu começo, sempre foi desconhecida”(MORIN, 2002, p. 97). Assim, é preciso ensinar que a aventura humana é desconhecida e que só existem dois instrumentos para o enfrentamento do que é inesperado: a consciência do risco e da chance e a estratégia que poderá modificar o comportamento, graças às informações e aos conhecimentos novos que a ação provoca.
Na prática transpsicomotora, diante de situações novas e de desafios à competência do corpo em ação, é possível viver a incerteza. A segurança desse espaço de autoconhecimento, onde não há comparações nem disputas, permite o enfrentamento do desafio que circula entre o certo e o errado, entre o erro e a ilusão, enfim, onde a compreensão e a fraternidade podem ser exercitadas. No espaço escolar, quando deixamos o corpo falar, penetramos mais fortemente nessa aventura para nos autoconhecer e assim aprendermos, verdadeiramente, a enfrentar o fantasma da incerteza, que nos faz perder a trajetória da construção da própria vida. O corpo, ao contrário, fala; fala de sua própria história.
Ao lançar um olhar sobre a história da humanidade, ele reconhece dois fenômenos de mundialização: o primeiro é a dominação, o colonialismo e, atualmente, a exploração econômica; o segundo é a idéia de cidadania terrestre, que pressupõe direitos iguais para todos. Esses dois fenômenos de mundialização ocorrem de forma absolutamente antagônica, conduzindo-nos a uma idéia mutilada de mundo, na qual a técnica ou a economia seriam os grandes regentes da vida humana deixando de lado a idéia de cidadania terrestre.
O objetivo da transpsicomotricidade é levar o indivíduo a ir além, ultrapassar os buracos negros, transcender, através do espaço, o corpo físico, pelo autodomínio de suas possibilidades, vivendo sua essência e transcendendo-a, em busca de uma consciência planetária que possa conduzir ao PERTENCIMENTO (Fala do sentimento de pertencer, de fazer parte, de se sentir incluído em relação a coisas, objetos e pessoas).
sétimo pilar do conhecimento ou buraco negro da Educação, a antropoética, a ética em escala humana
“Somos seres humanos e também indivíduos; somos uma pequena parte da sociedade e também o fragmento de uma espécie” (MORIN, 2002, p. 100). Essa é apenas uma síntese do que somos. Quanto à análise, ela passa por grande complexidade, o que nos conduz à ética do gênero humano (perspectiva de civilizar a Terra). Dessa forma, Morin conclui que “não se pode reformar o sistema de educação sem, previamente, ter reformado os espíritos e vice-versa. Quem educará os educadores?” (idem, p. 102).
A transpsicomotricidade entende que a formação de seus educadores parte de sua própria formação pessoal. Viver seu corpo, reconhecer sua imagem, refletir sobre seus fantasmas corporais, tomar consciência de si é o caminho da formação de um transpsicomotricista.
Quem educará os educadores senão eles próprios, a partir da mobilização para tal? Pensar o corpo: qual o corpo dos nossos professores? O corpo do não-pertencimento? O corpo das incertezas? O corpo da desvalorização? O corpo negado? Somos, assim, possuídos pela cultura que acreditamos possuir. É preciso reagir para, ainda usando uma expressão morineana, regenerar-se.
A Educação precisa ser repensada. A agressividade está efervescente na famíla, na escola, entre educadores, entre alunos, nos grupos marginalizados. Sabemos que é premente uma mudança. Os pensadores se revezam na análise desse fenômeno social. Há os críticos em grande número, especialmente entre os educadores. Há os que tomam certas orientações como dogmas a serem seguidos, sem avaliações e princípios éticos que preservem as individualidades e a cultura dos grupos. O pensamento complexo propõe uma forma diferenciada de se pensar o homem, rejuntando natureza e cultura. Os sete saberes apresentados trazem idéias, argumentos, provocações e sugestões, de forma a não ferir a ética humana, reunindo os vários conhecimentos e reconhecendo, sempre, que estamos sujeitos ao erro e à ilusão. Pensamentos e idéias não se fecham, abrem-se para a criatividade da mente humana.

Essa escola fictícia, ao abraçar o pensamento complexo e o sentido da transdisciplinaridade, certamente quebrará velhos paradigmas. Seu ensino será reformado, as várias disciplinas serão associadas, sugerindo sentido ao processo de conhecimento. O corpo estará presente numa pedagogia da ação, criando, fazendo e reformulando. Nada estará acabado. O conhecimento pertinente será ensinado, e a compreensão humana será vivenciada nos projetos que partem da motivação dos alunos, de suas necessidades e da descoberta do foco dos conflitos no aprendizado de enfrentamento das incertezas, enfim, no pertencimento a que têm direito quando a ética está presente no pensamento em ação, no respeito à família e às experiências introjetadas.
Morin nos alerta para o perigo de se querer ver nesse pensamento o remédio eficaz para a cura dos males mundiais. Ele propõe a necessidade de se construir uma educação pluralista, democrática e transgressora. A transpsicomotricidade prega a aplicação desses princípios na prática psicomotora. A consciência de si para se chegar à consciência do outro, mediada pelo corpo em ação, permite a passagem desse corpo para uma dimensão planetária.



Resumo aula 22 Avaliação Psicomotora – Martha Lovisaro

O professor avalia seus alunos para comprovar se o programa pedagógico desenvolvido é satisfatório e se os alunos apresentam rendimento no aprendizado, especialmente naquele que se refere às diferenças inter e intra-individuais que ocorrem entre eles. É através de nossa realização como seres vivos que nos tornamos seres conscientes que existem na linguagem.” O papel do corpo fica, assim, regente e regido pela comunicação.
O professor ajuda o aluno a formar sua humanidade somática - o que Keleman denomina como sendo a prática de corpar -, ao realizar uma comunicação entre corpos. O que pode revelar um corpo amedrontado e abandonado? Aqui está referendada, mais uma vez, a importância da avaliação. Ela explicita essas questões, que são bastante sutis quando usamos uma ótica globalizante e complexa .

Avaliamos para conhecer melhor uma determinada situação. Na avaliação, tanto o aluno quanto o professor entram em relação com uma certa realidade que lhes diz respeito. Trata-se de um relacionamento onde cada um vive sua realidade: o aluno, no papel de quem adquire um determinado conhecimento; o professor, aquele que ensina e que deve estar consciente de como está desempenhando sua tarefa.

A avaliação traz para o professor a possibilidade de formular e reformular os objetivos educacionais. Permite conhecer os aspectos positivos e negativos do programa que utiliza. Possibilita, enfim, fazer sua auto-avaliação, adequando a programação de seu curso e valorizando sua atuação junto aos alunos, preocupando-se com o ambiente e os recursos necessários para um melhor desempenho e, desse modo, prevenindo dificuldades futuras.

O corpo fala, fala de nós, de nossos sentimentos. Nossos afetos estão depositados em nosso corpo. Assim sendo, fica simples entender a relação entre o corpo do professor e o corpo do aluno. Primeiramente, porque é necessário estar consciente do corpo que possuimos, para, dessa forma, ser possível estabelecer um diálogo eficaz com o outro e, assim, estar em condições de possibilitar-lhe experiências de crescimento, ocorrências de contato com a realidade e com o seu potencial corporal.
Entenda-se, dessa forma, que só é possível oferecer ao outro aquilo que se tem ou aquilo que já se tornou conhecido daquele que se dispõe a ajudar o outro.

Para Bloom, “a avaliação é a sistemática de dados por meio da qual se determinam as mudanças de comportamento do aluno e em que medida estas mudanças ocorrem.”
(Turra et alli, 1975, p.180). Nesse caso, a sistemática de dados será obtida na determinação de mudanças de comportamento psicomotor, que, por sua vez, poderão ser verificadas a partir da análise de situações comprometidas com as tarefas de construção e de desenho livre.

Há dois sistemas de organização, segundo Vayer: o sensorial e o de ação. Através dos órgãos dos sentidos - visão, audição, gustação, olfato e tato -, o indivíduo é capaz de perceber o ambiente e se orientar. Já por meio da ação, do movimento, o indivíduo interage com o mundo.

Na atividade corporal há duas funções importantes: a tônica e a de movimento. Na função tônica, existem dois pontos relevantes: a função neurofisiológica, que possibilita o endireitamento do corpo e a manutenção das atitudes, favorecendo os deslocamentos corporais e a apreensão do mundo material e beneficiando o conhecimento.

A observação do tônus baseia-se no estudo da passividade do movimento, quando, a partir da imobilidade, é provocado um movimento brusco de flexão e extensão em qualquer segmento corporal. Observa-se a existência da oposição ao movimento, se ocorre um estado de relaxamento muscular, isto é, quando não ocorre nenhuma oposição e sim um estado de lassidão.
Outra verificação tônica diz respeito à extensibilidade, que ocorre, por exemplo, quando se flexionam os dedos das mãos e, depois, se eles se extendem normalmente.
Um terceiro aspecto refere-se às sincinesias, quando um determinado movimento é realizado carregando com ele outros conjuntos musculares. São os conhecidos movimentos parasitas. Nesse caso, quando alguém corta papel com uma tesoura, o movimento não ocorre só na mão que controla a tesoura; ao mesmo tempo, pode ocorrer o movimento da língua dentro da boca, de forma sincronizada, acompanhando a mão que age sobre o papel.
A esse movimento desnecessário e repetitivo, que pode ocorrer em qualquer outra parte do corpo, denominamos de sincinesia e ele ocorre, sempre, por correspondência a um movimento fino, de precisão, como desenhar ou recortar, por exemplo. Esses três aspectos, quando detectados, revelam desajustes de ordem neurológica e merecem encaminhamento adequado.
Para o exame da motricidade global, Guilmain sugere a prova do equilíbrio com o corpo imóvel. Para a criança de 4 anos, pede-se que fique em pé, de olhos abertos, sem se mexer, durante um minuto, e verifica-se se ela mantém o equilíbrio corporal. À criança de 6 anos e mais, pede-se que feche os olhos, seguindo o procedimento anterior. É bom lembrar que a criança que não consegue realizar adequadamente esse tipo de exercício merece uma avaliação mais criteriosa. Esses problemas podem ocorrer devido à existência de lesão neurológica ou, simplesmente, por questões afetivas como instabilidade, inibição, ansiedade, emotividade, que poderão constranger a criança, impedindo-a de realizar o exercício.

A observação da forma de andar pode mostrar incorreções como um andar preso ou pouco movimento nos membros superiores e ou inferiores. Pode-se ver o contrário, movimentos exagerados nos membros superiores. Pode-se notar, também, uma má coordenação entre os movimentos superiores e inferiores que devem ser cruzados: quando o braço direito se dirige para a frente, a perna esquerda deve estar para trás. Quando a criança está em movimento, andando ou correndo, é importante verificar se ela tem respostas de pronto atendimento como, por exemplo, parar. A falta de inibição de movimentos pode acarretar dificuldades no grafismo.

Na avaliação da corrida, da mesma forma como o andar, deve ser verificada a harmonia dos movimentos.Quanto ao salto, é bom verificar a potência e o equilíbrio da queda, com impulso correndo, ou sem impulso, ao saltar no mesmo lugar. Aos 10 anos, meninos e meninas conseguem bater palmas três vezes, enquanto dão um salto.
A dissociação de movimentos dos membros superiores e inferiores também vem a ser uma prova muito importante na verificação da coordenação global do corpo, podendo
ser obtida pedindo-se à criança que bata as mãos e, depois, o pé direito, no chão, sem mexer com as mãos e, assim, consecutivamente.
Enfiar contas, recortar figuras, desenhar, colorir são atividades que mostram a destreza manual da criança, por meio da qualidade de suas produções.
A lateralidade pode ser desenvolvida solicitando-se à criança que realize atividades como atirar uma bola dentro de uma caixa com a mão direita e, a seguir, com a mão esquerda ou desenhar com ambas as mãos. Ao pedir que suba em um banco ou chute uma bola com o objetivo de atingir um determinado objeto, por exemplo, observe qual a perna dominante da criança..

Há, ainda, a prova do olho dominante. Para essa prova, basta ter uma folha A4 e, nela, fazer um orifício no centro do tamanho de um olho. Peça à criança para segurar a folha diante do rosto com os dois braços esticados, focalizando algo mais adiante, com os dois olhos, e ir aproximando lentamente a folha do rosto até focar com um olho só, que poderá ser o direito ou esquerdo, de acordo com a dominância.
Quando há distúrbios na lateralização, como no caso da lateralidade cruzada, é muito comum ver-se a destreza ou canhestrismo de membros superiores e inferiores, sendo que o olho dominante não acompanha a lateralização dos membros. Como você deve supor, isso poderá gerar dificuldades de espacialidade. O esquema corporal pode ser examinado através do desenho da figura humana, no traçado, nos detalhes, na harmonia, no ordenamento das partes.

Compete ao professor avaliar o aluno quanto à qualidade de seus movimentos, especialmente os intencionais, adaptados a um fim. Pode observar sua intensidade e se há delicadeza e domínio da atividade. A intensidade corresponde à manifestação pelo desejo do movimento e rapidez. A habilidade reduz a turbulência dos movimentos, que podem ser vistos nas crianças muito novas, melhorando a adaptação. A delicadeza ou precisão do gesto depende do grau de dissociação e de coordenação muscular. Alcançar essa qualidade de movimento, permite: o trabalho com uma das mãos, enquanto a outra repousa, ou mesmo o trabalho feito, distintamente, com ambas as mãos. a ação espaço-temporal, graduando os esforços musculares de acordo com as distâncias de arremesso e de tempo para agir. As inibições de movimentos necessários a determinadas ações.

Após os estudos desenvolvidos neste módulo de Psicomotricidade, estamos orientando o professor a não só fazer uso de sua intuição referente às dificuldades das crianças ou mesmo sua prevenção, como também utilizar os conhecimentos adquiridos sobre a Psicomotricidade e, assim, poder ser mais um observador das reais necessidades dos alunos, que vão muito além do conhecimento formal proposto para cada série escolar.



Atividade

Elabore, para cada base psicomotora estudada, possibilidades de observação de atividades espontâneas, em sala de aula ou nos espaços livres de brincadeiras, Comente o que pode ser observado nos exemplos a seguir:
a) Tônus: as crianças correm no pátio da escola.
b) Coordenação motora: as crianças correm numa brincadeira de pique-esconde.
c) Equilíbrio postural: as crianças brincam de amarelinha.
d) Lateralidade: as crianças brincam com bolas, chutando e atirando as bolas com as
mãos e pés.
e) Dissociação de movimentos: as crianças correm e, ao mesmo tempo, jogam a bola
para o alto e a recebem de volta,
f) Espaço-temporalidade: a forma como a criança ocupa a sala de aula.

Respostas

a)Pode-se perceber os estados de hipertonia e de hipotonia na forma de movimentação e de
contato corporal entre elas.
b) É possível verificar as condições dos movimentos cruzados de membros superiores e
inferiores, a destreza, a rapidez de reação e de parada dos movimentos.
c) Pode-se ver, nessa brincadeira, o equilíbrio postural, no pulo de um pé só, como também a coordenação global.
d) Nesse jogo, é possível avaliar a dominância lateral e a afirmação da lateralidade.
e)Com essa atividade, é possível verificar a capacidade de dissociação da criança, quando ela consegue ter independência de movimentos dos membros superiores em relação aos membros inferiores (braços e pernas, pés e mãos).
f) É possível observar se a criança se movimenta bem nos espaços, não esbarra todo o
tempo nos colegas e no mobiliário nem derruba o material que está com ela.

Questões éticas do processo avaliativo
A avaliação psicomotora, para acontecer, deve ser comunicada. A criança ou o adulto devem saber que estão sendo avaliados, quais os objetivos e para que fim. Trata-se, pois, de uma questão ética, que diz respeito ao caráter e às relações humanas. O avaliador ético é aquele que não se deixa levar por julgamentos precipitados induzindo a erros e estigmatizando o outro com um rótulo, quando deseja, pretensamente, ajudar.

O desinteresse do aluno pode ter várias origens, desde as que estão centradas no próprio aluno, àquelas decorrentes do sistema educacional. Muitas vezes, fazemos leituras destorcidas, como achar que a falta de interesse pelo estudo é resultante da preguiça, da irresponsabilidade ou da forma como o aluno é educado pela família. Quando a criança apresenta o comportamento do caso descrito, podemos suspeitar de algo mais sério, desde comprometimentos de ordem neurológica a dificuldades de ordem relacional que dificultam a comunicação, tendo a ver com as questões de origem afetiva, gerando tensões, agressividade, ansiedade, angústia e outras mais manifestações de fundo psicológico.
A avaliação, para se conhecer melhor o aluno, depende, inicialmente, da capacidade do professor de observar o comportamento, de ler no corpo o que esse quer dizer. Uma ação isolada pode não dizer muita coisa, mas se você se comprometer mais com essa tarefa, registrando, durante um certo período, as manifestações corporais do aluno, certamente, terá condições de juntar as peças recolhidas e chegar a algumas descobertas importantes para o processo de ajuda à criança.
 A sala de aula nem sempre revela quem seu aluno é. Qualquer lugar ou situação fora dela pode fornecer dados comportamentais importantes para essa avaliação: o pátio, a entrada no colégio, o recreio, a merenda, enfim, momentos na escola fora do formalismo da sala de aula.
O esquema corporal, a lateralidade, especialmente a espaço-temporalidade, o tônus e a coordenação dos movimentos são bases importantes a serem pesquisadas.
Uma das condições será, justamente, informar esse outro de que está sendo avaliado.
Ele precisa saber que o professor deseja conhecê-lo particularmente.
É preciso que fiquem claros os objetivos da avaliação. Procuramos conhecer o outro mais profundamente para poder ajudá-lo, para prevenir futuras dificuldades, para poder orientar e atuar eficazmente no seu desenvolvimento.

Toda avaliação está a serviço do planejamento. Avalia-se para planejar ações eficazes que melhorem a atuação, no caso, educacional.